No século IV, S. Agostinho lamentou o declínio de Roma e da cultura romana. Como qualquer bom cidadão, ele amava seu país e sua cultura. Mas as coisas estavam caindo aos pedaços, a decadência estava por toda parte. Ele lutou para entender e aceitá-lo. Triste, ele escreveu A Cidade de Deus, que contém suas próprias observações e explicações sobre uma época muito parecida com a nossa, em que uma civilização estava em colapso.
Existe um ciclo em que impérios, nações, culturas e civilizações passam. Eles se erguem, às vezes heroicamente em uma grande batalha, e prosperam; mas depois veem a decadência e a desordem, à medida que sua grandeza se transforma em ganância e, depois, em preguiça. Sua força diminui e um inimigo os domina com facilidade, ou simplesmente os substitui. Esse ciclo é inevitável? Não, mas há uma causa central e comum de declínio: o abandono das leis de Deus, conhecidas pela Lei natural ou pela verdade revelada. Afastando-se da verdade que por si mesma liberta, eles se voltam para mentiras e pecados, que os escravizam e enfraquecem.
Muito antes de Agostinho ou de nós, houve desastres que aconteceram com o povo de Deus. Uma história do Segundo Livro das Crônicas fala ao nosso tempo e faz uma pergunta central. Vejamos primeiro o texto e depois o apliquemos:
Depois da morte de Joiada, os chefes de Judá [...] abandonaram o Templo do Senhor, o Deus de seus pais e se puseram a adorar as imagens de asserá e outros ídolos. Tamanhas faltas atraíram a ira divina contra Judá e Jerusalém. Enviou-lhes o Senhor profetas para os converter ao Senhor. Porém, pregaram em vão e não foram ouvidos. Então, o espírito de Deus apossou-se de Zacarias, filho do sacerdote Joiada, o qual se apresentou diante do povo: “Eis — disse ele — o que diz o Senhor: Por que transgredis as ordens do Senhor? Nada conseguireis. Porque abandonastes o Senhor, por isso ele também vos abandonará”.
Mas eles se revoltaram contra ele e o apedrejaram por ordem do rei, no átrio do Templo do Senhor.
Ao fim de um ano, o exército dos sírios atacou Joás. Invadiu Judá e Jerusalém [...]. Embora os sírios tivessem vindo em pequeno número, o Senhor lhes entregou um enorme exército, porque Judá tinha abandonado o Senhor, o Deus de seus pais (2Cr 24, 17–24).
Os contornos da história são claros o suficiente. Israel abandonou o Senhor e prostituiu-se adorando o deus dos cananeus. Isso causou muitos males, como a discórdia e o declínio econômico. O pecado também enfraqueceu os laços familiares, a unidade nacional e a força de caráter. Por isso, mesmo um pequeno grupo de arameus os derrotou facilmente.
Em um momento crítico, o profeta Zacarias fez uma pergunta central: “Por que transgredis as ordens do Senhor? Nada conseguireis. Porque abandonastes o Senhor, por isso Ele também vos abandonará” (2Cr 24, 20). Em outras palavras: por que você está sendo tão tolo a ponto de abandonar o Senhor e rejeitar suas bênçãos? Invoque o Senhor que você abandonou! Ele é a única fonte de verdadeira bênção para você!
Mas o povo e os príncipes consideraram odiosas as palavras do profeta e o apedrejaram até a morte no pórtico do Templo. Esse assassinato foi tão repugnante que Jesus, mais tarde, o apontaria como particularmente mau, juntando-lhe uma advertência muito grave para o povo de seu tempo: “Caia sobre vós todos o sangue inocente derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o justo, até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem matastes entre o Templo e o altar. Em verdade vos digo: todos esses crimes pesam sobre esta raça” (Mt 23, 35–36).
E esse grande castigo realmente aconteceu. Em 70 d.C., Jerusalém e o Templo foram destruídos pelos romanos. Embora a cidade tenha sido reconstruída, desde então o Templo, a civilização e a cultura que ela representa nunca foram reconstruídos. Uma era terminou em abril do ano 70. A pergunta assustadora de Zacarias ficou sem resposta para eles: “Por que transgredis as ordens do Senhor?” A recusa deles em dar uma resposta e fazer as pazes tornou real a grande advertência: porque abandonastes o Senhor, Ele também vos abandonou. Tanto Zacarias quanto Jesus advertiram épocas diferentes, mas a advertência chega agora a nós que, transgredindo coletivamente a Lei de Deus, derramamos sangue inocente e o abandonamos por falta de fé e, pior ainda, por indiferentismo.
Sim, em nosso próprio tempo, somos indiferentes a Deus. Um grande número de secularistas militantes abandonou a adoração ao verdadeiro Deus e, agora, presta culto ao deus desta época, que cegou a mente dos incrédulos para que eles não possam ver a luz do Evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus (cf. 2Cor 4, 4). Por odiarem a verdade, eles a chamam de odiosa; por preferirem a escuridão, a luz da verdade os horroriza. Deus e a santa fé que Ele inspirou são detestáveis para eles; por isso, eles exigem a remoção de todas as imagens religiosas, sua palavra e influência, dos lugares públicos. Muitos outros também, ainda que menos militantes, não têm lugar para Deus ou para a fé em suas vidas. Deus é simplesmente irrelevante para eles, e a fé, da qual Ele é autor, está desatualizada e fora de sintonia com as falsas “virtudes” do nosso tempo.
E o que tudo isso nos deu? Indiscutivelmente, o colapso de uma outrora grande civilização. Nossos pilares estão abalados e as coisas estão decaindo rapidamente.
O primeiro pilar de qualquer civilização é uma família forte, na qual nascem os vínculos e as lealdades duradouras. Nossa unidade básica não é o indivíduo, é a família. O que o átomo (com seus prótons, nêutrons e elétrons) é para o mundo físico, a família (com pai, mãe e filhos) é para a civilização. Divida o átomo, e tremendas forças destrutivas serão liberadas, que, se não forem controladas, porão tudo a perder. Divida a família, como fizemos, e tremendas forças destrutivas se espalharão; se não forem controladas, tudo desvanecerá e serão criadas situações absolutamente perigosas.
Não é apenas a taxa de divórcio que aumentou sete vezes no século XX. Também a coabitação, a má conduta sexual, a maternidade solteira e, agora, as uniões entre pessoas do mesmo sexo, que minaram a definição bíblica de casamento, entre um homem e uma mulher, até que a morte os separe, dando como frutos os filhos. Como sempre, são as crianças que pagam o preço pelo mau comportamento dos adultos. Quando os pais jogam a cruz no chão, são os filhos que devem retomá-la. Esse caos familiar raramente produz crescimento. A maioria das crianças que emergem do caldeirão da família desfeita é enfraquecida, traumatizada, carente do que realmente contribui para uma boa formação humana.
Devido à má conduta sexual, muitas crianças nunca veem a luz do dia. 85% dos abortos são realizados em mulheres solteiras. Portanto, a fornicação leva ao aborto, que mata mais de 60 milhões dos nossos próprios filhos desde 1973 nos EUA. Esse sangue clama por vingança, como Jesus recordou acima. Nós iremos pagar e já estamos pagando pelo que fizemos ao colapsar nossas famílias e matar nossos próprios filhos. É o assassinato de uma civilização.
Outro pilar de qualquer civilização é uma cultura forte. E no cerne de qualquer cultura há um “culto” ou devoção a Deus. Atualmente, estamos envolvidos em um experimento insensato para ver se podemos ter uma cultura sem um culto comum. Não podemos. Enquanto a América teve inúmeras diferenças sectárias ao longo dos séculos, ainda havia uma visão de mundo bíblica, judaico-cristã, básica e comum. A visão moral das Escrituras, apesar de não ser vivida perfeitamente, era uma referência fundamental. Normas sobre casamento, sexualidade, direitos humanos e justiça foram traçadas a partir dessa visão comum. Mesmo com relação à escravidão, embora os pais fundadores não pudessem acabar com ela, o movimento abolicionista enraizado nas igrejas e denominações lhe deu fim, e o movimento dos direitos civis, também enraizado nas igrejas, lutou para acabar com a segregação e a discriminação.
Mas, nas últimas décadas, optamos cada vez mais por abandonar essa visão comum em favor do subjetivismo e de uma diversidade insípida, divisiva e rebelde que não pode nos unir, em vez da diversidade frutífera, unida por uma visão moral básica e enriquecida por forças e tradições diversas. Deus e tradições religiosas, observâncias e normas são rejeitadas com crescente hostilidade. A fé é marginalizada, e até, às vezes, legalmente excluída do debate público.
Isso levou, por sua vez, a um terceiro e significativo problema: a ascensão do subjetivismo e do relativismo. No subjetivismo, o locus (ou lugar) da verdade se move do objeto para o sujeito. O que uma coisa realmente é ou o que está claramente acontecendo em uma situação é suprimido em favor da opinião subjetiva sobre o que é uma coisa ou o que está acontecendo. Com efeito, passamos de uma fonte comum e externa de verdade para uma fonte cada vez mais subjetiva de “verdade”. É rotina ouvir um argumento bem fundamentado ser descartado por alguém dizendo: “Isso pode ser verdade para você, mas não é verdade para mim”. O que, é claro, parte de uma compreensão equivocada do que é a verdade. A verdade não é opinião; é antes uma declaração, baseada em evidências e testemunhos, do que está de acordo com a realidade. O que essa mudança do objeto para o sujeito significa é que não se pode mais discutir racionalmente. O apelo a um conjunto de ideias em comum, extraídas de uma visão de mundo bíblica e da própria realidade, já proporcionou uma base para pensar, discutir e decidir. Isso, uma vez removido, implica em que, num debate ou discussão, prevalece quem tem mais poder, dinheiro, influência, ou simplesmente quem é mais “exótico” e crítico.
Por essas e outras razões, não pode haver uma cultura sem um culto comum: alguém (Deus) ou algo (um corpo de crenças) acima de todos nós, a quem ou a que devemos nos conformar e no qual devemos basear nosso raciocínio. O que resta é um vácuo e uma luta pelo poder entre indivíduos ou grupos que não têm uma base comum para raciocinar. E assim é travada uma batalha, a tirania do relativismo; uma cultura entra em colapso e, com ela, toda uma civilização.
Dito isso, voltemos à pergunta e ao aviso.
Pergunta: “Por que transgredis as ordens do Senhor? Nada conseguireis.”
Aviso: “Porque abandonastes o Senhor, por isso ele também vos abandonará.”
Existe um caminho de volta? Sim, mas apenas de uma maneira: “Se meu povo, sobre o qual foi invocado o meu nome, se humilhar, se procurar minha face para orar, se renunciar ao seu mau procedimento, escutarei do alto do céu e sanarei sua terra” (2Cr 7, 14).
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