A Disney lançará nos próximos dias a tão aguardada versão live action do clássico infantil “O Rei Leão”. Para alavancar a empolgação (ou o hype) da turma, o estúdio encampou recentemente uma campanha pela proteção dos leões africanos, em vista da queda no número desses felinos. Segundo relatórios, hoje no mundo existem cerca de 20 mil leões selvagens, metade do que havia quando a história de Simba, Timão e Pumba foi vista pela primeira vez nos cinemas, 25 anos atrás. Com a campanha Protect the Pride (Proteja os Leões), a Disney pretende reverter esse quadro e conscientizar as pessoas a preservarem mais o meio ambiente.
Nada contra. O cuidado com os animais é uma causa nobre e merece nossa atenção, sobretudo quando alguma espécie se acha em risco. A Criação não é — atenção — um objeto qualquer sobre o qual o homem pode exercer um domínio arbitrário e irresponsável. Como “obra boa de Deus” (Gn 1, 4), o meio ambiente deve ser acolhido como um dom, pois dele os homens retiram seu sustento, nele trabalham e edificam a sua “casa comum”.
A variedade das espécies, a beleza dos biomas e a vida que brota desses lugares refletem a onipotência divina, que livremente se dispôs a criar tudo isso. Daí que Santo Agostinho apontasse a Criação como uma das provas da existência de Deus: “Essas belezas sujeitas à mudança, quem as fez senão o Belo, que não está sujeito à mudança?” [1]
A reflexão da Igreja dedica, por isso mesmo, todo um capítulo da doutrina social ao cuidado com o ambiente. Baseado no testemunho das Escrituras, o Magistério afirma que “a natureza, obra da criação divina, não é uma perigosa concorrente” [2] ou uma ameaça ao ser humano, como postulam algumas ideologias modernas. Em vez disso, a Providência divina criou “tudo com medida, quantidade e peso” (Sb 11, 20), a fim de que cada organismo desempenhasse o seu papel, segundo a sua própria natureza dentro do cosmos.
E, no meio desse cosmos, o homem foi especialmente desejado por Deus, que o criou “à sua imagem e semelhança” para governar sabiamente todas as coisas, como um verdadeiro rei (cf. Gn 1, 26-27). A dignidade do homem sobre a natureza, portanto, não se fundamenta em uma ideologia especista, mas corresponde à lei natural, que rege as coisas deste mundo. Sendo uma criatura “semelhante” a Deus, o homem precisa agir com sabedoria, usar sua inteligência e vontade para o bem, para a realização do projeto divino. Disso depende, em grande parte, a harmonia da Criação.
O filme do “Rei Leão” defende a mesma coisa, através da metáfora. Durante um passeio pelo reino, o pai de Simba ensina-lhe que um rei, no exercício de sua tarefa, nunca deve fazer simplesmente o que quiser, nunca pode realizar “o que lhe dá na telha”. Ao contrário, um verdadeiro rei deve reinar sabiamente, preservando a ordem das coisas, que fazem parte de um “delicado equilíbrio”. Isso significa que todos estamos ligados ao “ciclo da vida”.
Mas há um rei, e ele precisa exercer esse reinado justamente para manter o equilíbrio do mundo. “O Rei Leão” deixa bem claro que, quando um rei não exerce a sua vocação, não assume a sua dignidade a pretexto de uma vida mansa e hippie — esquecendo-se, assim, de sua própria identidade —, então tudo se perde, tudo se corrompe, tudo vira anarquia.
Sem dúvida, a iniciativa da Disney tem o seu mérito. Mas há um problema, um enorme problema. É que o estúdio, o mesmíssimo estúdio que já fez a cabeça de milhões de crianças e agora luta pela preservação dos leões africanos, está, ao mesmo tempo, numa guerra feroz pelo “aborto legal” nos Estados Unidos.
Sim, é isso mesmo. A Walt Disney Pictures, cujo público é majoritariamente formado por crianças, decidiu advogar o pseudodireito de matar bebês no ventre das mães, depois que o governador da Geórgia assinou a chamada “lei do batimento cardíaco”, proibindo abortos quando forem reconhecidos os sinais vitais do feto. Numa entrevista, o CEO da Disney, Bob Iger, ameaçou deixar de filmar nesse estado americano enquanto a lei estiver em vigor.
Não é estranho? Não é escandaloso? Não é absurdo?
Disney, Netflix, Warner e tantas outras empresas que embarcaram nessa “barca furada” pelo direito ao aborto apenas estão servindo, mesmo que inconscientemente, a um projeto macabro de desconstrução da natureza humana. Após cederem ao lobby de ONGs e outras organizações, esses estúdios agora precisam formar a mentalidade de seu público para o ecocentrismo, segundo o qual a vida de um leão na selva tem mais valor que a de um bebê no ventre de suas mães. Afinal de contas, no dizer de alguns teólogos, o homem seria uma “célula cancerígena”, da qual a “Mãe Terra” deveria necessariamente se livrar.
Numa perspectiva ecológica sadia, o ventre materno é o mais indefeso dos ecossistemas e, portanto, o mais necessitado de proteção. No feto está a esperança para as futuras gerações, um pequeno irmão da nossa sociedade. Os ecoideólogos, porém, nivelam por baixo a natureza humana como se nela não houvesse uma dignidade singular, advinda de sua “imagem e semelhança” com Deus. Para os defensores dessa ideia, aliás, o Deus cristão não passa de uma invenção medieval que deve ser superada por um novo tipo de religião naturalista, que não reconhece a dignidade humana. Não haveria, pois, Deus algum acima dos céus, tampouco um homem à sua “imagem e semelhança” na terra. Em vez disso, devemos buscá-los na Gaia “Mãe Terra”, nos espíritos das florestas e em outras entidades pagãs.
O Magistério da Igreja tem rejeitado esse tipo de ecologia porque, na verdade, o que ela propõe é “eliminar a diferença ontológica e axiológica entre o homem e os outros seres vivos, considerando a biosfera como uma unidade biótica de valor indiferenciado”, onde se chega a “eliminar a superior responsabilidade do homem, em favor de uma consideração igualitária da ‘dignidade’ de todos os seres vivos” [3].
O que a Disney e as outras fundações não percebem é que a violação da natureza humana, com o propósito de fazer um controle populacional — que visa a construção de uma “nova era”, de uma “nova religião” e de uma sociedade onde os homens vivam simbioticamente com o planeta — em nada contribui com a preservação de leões, baleias e outras espécies em extinção.
Se não podemos fechar os ouvidos à linguagem do meio ambiente, existe, por outro lado, “uma ecologia do homem”, e ele também “possui uma natureza, que deve respeitar e não pode manipular como lhe apetece” [4]. Porque se o homem é privado da sua eminente dignidade, e se isso acontece já desde a concepção, então é assim que sua ação no mundo perderá o sentido, perderá o respeito pelo “delicado equilíbrio” da natureza. O rei precisa reinar.
Parece incrível que a Disney despreze as lições do próprio filme que produziu. Em “O Rei Leão”, o vilão Scar não só assassina seu irmão, o rei Mufasa, mas também planeja a morte de Simba, seu sobrinho. Depois, ele usurpa a Pedra do Reino com a promessa de uma “nova era”, onde leões e hienas estariam juntos, num “grande e glorioso futuro”. Scar dispensa os conselhos do “sacerdote” Rafki, rompe com a natureza e a tradição, instaurando uma nova ideologia igualitária e progressista.
Mas Scar é tão falso quanto sua própria ideologia. E o resultado de seu governo é o total desequilíbrio, de modo que todas as espécies padecem: as manadas se retiram para outras savanas, as fontes e os rios secam, faltam alimentos para os leões e as hienas. É o caos.
Apenas quando Simba retorna e recupera a sua dignidade real é que a natureza toda retoma o equilíbrio. E esse despertar de Simba veio pela intervenção de Rafki, que lhe desferiu um golpe na fronte, fazendo-o recordar-se do que havia aprendido com seu pai. Ele era o verdadeiro rei e deveria assumir essa dignidade para que as outras criaturas também tivessem a sua redenção.
Ao militar pelo aborto e a política do controle populacional, ao defender essa “nova era” de uma política igualitária e de uma religião naturalista, a Disney se coloca ao lado de Scar e seus sequazes, ou seja, ao lado dos falsos líderes da história humana, passando do rei do Egito até chegar a Herodes, Nero e os ditadores do último século, todos sanguinários que não respeitaram a lei natural das coisas, impondo falsos deuses e matando os primogênitos, seja nas águas do rio Nilo, seja nos campos de concentração, seja nas clínicas da Planned Parenthood.
Vale a pena recordar o que dizia o então Cardeal Ratzinger a respeito de sua infância à sombra do Terceiro Reich, na Alemanha dos anos 1930. Naquela época, a família Ratzinger já notava como o cristianismo era substituído por um novo culto à “santa natureza”, com festejos aos solstícios e outros fenômenos naturais. O propósito do governo era, afinal, abandonar a “estranha religião judaico-cristã”, com suas ideias sobre pecado e redenção, e no lugar colocar a cultura germânica natural. Na sua cidade, os símbolos do ano litúrgico foram trocados por uma “Árvore de Maio”, que simbolizava a vida. O resto todos conhecem. Todos sabem como esse culto pagão, essa falsa defesa da natureza, essa ideia equivocada sobre vida, levou milhões à morte, num dos crimes mais bárbaros da história.
Hoje em dia, diz Ratzinger, “quando ouço as críticas ao cristianismo pela destruição da identidade cultural de um local, invadido por valores europeus, percebo como as argumentações são semelhantes, e muitas frases floreadas me soam familiares” [5]. E soam familiares porque se trata das mesmas ideias, embora estejam com um novo verniz.
Por trás de todo esse ecologismo, esse igualitarismo, esse neopaganismo, existe um desprezo diabólico por Deus e pelo homem. Existe, no fundo, um desejo de poder, de dominação irresponsável, incrédula, que precisa destronar o verdadeiro Deus para colocar-se a si mesmo no lugar, como Scar fez no filme “O Rei Leão”. E precisa matar os herdeiros, e matá-los já no ventre. Aliás, a cena em que Scar planeja o assassinato de Mufasa e de Simba foi toda inspirada nas marchas nazifascistas. Ele queria a “nova era”.
Mas o rei verdadeiro deve regressar. E aqui está o papel profético dos católicos, de todos os cristãos. Nós, como o “sacerdote” Rafki, devemos despertar as consciências dos homens, trazendo-os de volta à dignidade de batizados, de filhos de Deus, e, ao mesmo tempo, denunciando toda essa artimanha contra a vida, toda essa cultura da morte, que tolhe a existência humana desde a sua base. “Reconhece, ó cristão, a tua dignidade”, dizia São Leão Magno [6]. Somente desse modo o “delicado equilíbrio” da natureza pode ser verdadeiramente salvo, somente assim os leões africanos terão seu habitat protegido.
Somente quando o homem, filho de Deus, assumir a sua vocação e respeitar a dignidade de todos os seus irmãos homens, desde o feto até o ancião, é que haverá uma verdadeira ecologia.
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