Apesar da implementação do Common Core, permanece a conclusão comum a respeito da educação nos Estados Unidos: ela está em queda livre [i]. Os estudantes terminam o ensino médio com pouca capacidade para ler textos em prosa e com baixa habilidade para escrever em nível elementar. Falta-lhes apreço pela herança cultural da civilização ocidental e elas sequer conseguem datar os acontecimentos históricos mais importantes. Assim sendo, pais e professores católicos muitas vezes se queixam da situação da juventude, da educação e da cultura nos Estados Unidos [ii].

Essa corrupção tem muito a ver com a prevalência de uma ordem moral decadente. Os adultos devem assumir a responsabilidade pelo colapso que dá origem a uma juventude bárbara e renegada, bem como à sua cultura de rua niilista. Porém, responsabilidade supõe ação. Existe uma tendência natural de responder aos problemas da juventude com castigos e regras mais estritas, com uma severidade proporcional à depravação. Embora tais medidas possam ser necessárias às vezes, a caridade recomenda que os adolescentes sejam colocados num ambiente em que (espera-se) a civilidade e a virtude moral possam se desenvolver razoavelmente. O segredo educacional de São João Bosco (16 de agosto de 1815–31 de janeiro de 1888) foi propiciar esse ambiente.

São João Bosco e São Domingos Sávio.

Repressão versus prevenção. — “Ao longo de todas as épocas, foram usados dois sistemas na educação da juventude”, diz João Bosco, “o preventivo e o repressivo”. No método repressivo (mais comum) são estabelecidas regras cuja observância é seguida à distância pela autoridade, que interfere apenas para punir quando elas são transgredidas. No método preventivo são estabelecidas regras, e a autoridade, ao invés de recuar, permanece na companhia dos pupilos, participando das vidas deles tanto quanto possível e prevenindo as falhas que merecem punição, num espírito de vigilância amigável.

Dentre os dois métodos, Dom Bosco adotou o preventivo, que hoje é praticado pelos salesianos, uma ordem fundada por ele sob inspiração da gentileza, paciência e caridade de São Francisco de Sales. Muitas vezes Dom Bosco usava as palavras de São Francisco para promover o método preventivo: “Apanham-se mais moscas com uma colherada de mel que com um barril de vinagre”. O sistema educacional de Dom Bosco se desenvolveu como um resultado de seu tremendo amor pela juventude e no espírito salesiano de compreensão. A técnica do método preventivo consiste, principalmente, em supervisionar gentilmente com o objetivo de edificar a personalidade e proteger os jovens contra influências nocivas: a conjunção entre vigilância e afeição familiar, a fim de evitar infrações ao invés de puni-las. Diz o santo: “Esse sistema se baseia inteiramente na razão, na religião e na gentileza”.

Razão. — Muitas vezes observa-se, com acerto, que um dos defeitos da educação moderna é o fato de raramente os estudantes aprenderem a raciocinar e expressar seus pensamentos com clareza, apesar de terem acesso a uma miríade de informações tomadas de uma vasta gama de assuntos. Quando se lhes apresenta um novo fato, os estudantes têm dificuldade de o integrar ou aplicar a um contexto geral que dê a visão de um todo coerente. Depois da análise de um novo assunto, a maioria dos estudantes é incapaz de realizar uma divisão elementar de suas partes, de distinguir o essencial do acidental ou de detectar um falso argumento.

Essa deformação mental certamente se deve ao fato de que referida formação não é uma preocupação da educação moderna. O intelecto fica enfraquecido e se distrai por causa de uma irracional profusão de assuntos. A verdadeira educação, porém, é mais do que o simples aprendizado de assuntos ou a assimilação de fatos. É um cultivo da mente, que, como diz o Cardeal Newman, “supõe uma ação sobre nossa natureza mental, e a formação de uma personalidade”. 

A razão, primeiro elemento do sistema educacional salesiano, é a estratégia de compreensão da personalidade do jovem e como ele aprende. Ao mesmo tempo, a razão fomenta a habilidade de comunicação com ele. Tais requisitos exigem uma presença ativa e constante do professor junto ao pupilo; trata-se de uma amizade agradável e livre. Esses esforços suprem as necessidades emocionais e psicológicas do jovem, que busca o pertencimento [a um grupo] e o reconhecimento. Essas necessidades são supridas pela confiança gerada através desse relacionamento interpessoal entre pupilos e professores, que, nas palavras de Dom Bosco, são como “pais amorosos” que encorajam e elogiam nos momentos adequados. O método salesiano procura minimizar os efeitos negativos do conflito entre gerações ao promover o equilíbrio adequado entre autoridade e tolerância, mesclando liberdade e responsabilidade, e congregando os mais velhos e os mais jovens.

Dom Bosco atendendo confissões dos jovens.

Religião. — O fator mais angustiante em relação à situação dos jovens americanos é a corrupção do caráter atestada pela falta de virtudes morais básicas e das virtudes sobrenaturais da fé, esperança e caridade. Nem mesmo as escolas católicas estão imunes à degradação acadêmica, cultural e moral que se pode observar em suas equivalentes profanas. A juventude moderna é marcada por uma postura de cinismo que exulta em ironia e sarcasmo. O “catolicismo de ocasião” é a norma numa América cada vez mais ímpia [iii]. O que mais se pode esperar quando o secularismo, o materialismo e o relativismo formam a trindade profana que governa o deserto onde se perde a juventude? Sem exemplos verdadeiros, as crianças e os jovens estão fadados a se perderem. Somente o amor a Deus pode vencer o mal e substituí-lo por um cálice que transborda [iv]. 

Oferecer aos estudantes apenas valores humanos seria uma grave injustiça no processo de educação. Por isso o método educacional salesiano põe uma grande ênfase em seu segundo pilar: a religião. A mensagem do Evangelho é parte integral da educação, já que a Boa Nova é a luz que conduzirá os indivíduos ao longo da vida neste mundo até a vida no próximo. Hoje a luz do Evangelho é obscurecida por sistemas opressores e valores materialistas. Esses fatores culturais negativos afetam os jovens com uma força especial. A corrupção no governo, as rupturas familiares e o desprezo pelas restrições morais são realidades que causam estragos no desenvolvimento saudável dos jovens. O remédio é a religião, que pode governar as ações deles e provocar mudanças permanentes para o bem do indivíduo e da sociedade. A educação salesiana, que sempre se inspira na rica tradição católica, considera sumamente importante a frequência aos sacramentos, canal ordinário da graça e auxílio divinos.

Gentileza. — Acrescente-se a gentileza à razão e à religião. Esse princípio não é uma fraqueza, mas antes uma demonstração de força e autocontrole. Procura criar uma atmosfera persuasiva, onde a confiança e a comunicação são estimuladas. Essa gentileza (ou caridade) propicia a expansividade e a confiança de que a juventude de hoje tanto precisa. O elemento da gentileza faz com que levemos em consideração o relacionamento existente no outro lado da base da educação: o professor, o pupilo e a família. A primeira escola é a família e os primeiros professores são os pais. Os educadores salesianos entendem esse importante fato psicológico e em suas escolas buscam desenvolver um espírito de família, tal como o que existe numa família verdadeiramente cristã, em que todos são unidos num espírito de alegria, amor e paz.

O relacionamento entre um estudante e seu professor deveria ser marcado por harmonia, concórdia e afinidade. Essa postura deveria imperar com total liberdade numa escola, de acordo com os escritos de Dom Bosco. Caso contrário, desenvolve-se um obstáculo de falta de confiança, que impede qualquer influência real que o professor possua para o bem. Quando estão numa posição em que sua autoridade é respeitada e exercida de forma amigável, os professores têm o potencial de ensinar muito mais que suas respectivas disciplinas em sala de aula. Eles podem ensinar a virtude em todos os aspectos da vida através de seu exemplo em nível social. Até pouco tempo atrás, as sociedades davam muita importância ao aprendizado das crianças com os mais velhos, que atuavam como mentores que as guiavam pelos ritos de passagem para a vida adulta. A educação salesiana escuta essas tradições, na esperança de que os estudantes sigam os passos de seus professores na vivência da fé, na busca da sabedoria e no refinamento de suas predileções. Esse senso de união, que é a essência do ensino, é fruto de uma abordagem amigável. Escreve o santo: “Um mestre que só é visto na cátedra de professor é apenas um mestre e nada mais. Mas se ele participa da recreação com os meninos, torna-se irmão deles”. Essa união nos momentos de diversão, compartilhando risadas e conversas, forma laços de amizade que duram por anos a fio.

Retrato de São João Bosco. (Créditos: De Agostini/Getty Images.)

O segredo da afinidade. — O método preventivo de Dom Bosco consiste em criar uma atmosfera de amizade e compreensão mútua, ou em estabelecer afinidade: uma relação na qual a confiança e o respeito mútuos são alimentados num espírito de amizade, simpatia, cooperação e (acima de tudo) vigilância. Por um lado, o educador se interessa profundamente em ajudar as pessoas a resolverem seus problemas; e o educando, por outro lado, aprecia essa atitude. Existe afinidade entre professor e aluno quando entre eles há a compreensão de que o professor se importa sinceramente com o bem-estar do estudante, e este aprecia isso e age de forma adequada. Quando se estabelece a afinidade, um professor pode se tornar uma influência positiva sobre o estudante, e os estudantes se esforçam por agradar aqueles a quem amam — pois a razão da afinidade é o amor.

Para ser eficaz, esse relacionamento deve assumir uma natureza personalizada e individualizada. São João Bosco insistia em que, para a transmissão de uma duradoura formação física, emocional, intelectual, moral e espiritual, era necessário o estabelecimento da afinidade. Seguindo os passos desse santo professor, os professores deveriam aprender a falar com os estudantes na linguagem do coração, exercendo assim uma influência positiva sobre eles. Os estudantes, por sua vez, seriam levados a enxergar seus professores como amigos e benfeitores que buscam o bem deles. Deve-se dizer, porém, que o sistema delineado aqui não é simples. Conviver com estudantes e tomar parte em seus interesses, conversas, deficiências e progressos — ainda que se faça tudo isso com alegria — não é nada fácil. Mas quando o método preventivo é praticado com lealdade e amor, dá muitos frutos para o estudante e o professor. O lema de Dom Bosco era: “Dai-me almas”. Assim ele expressava o principal objetivo da educação: a verdadeira educação forma verdadeiros católicos

Nada mais importa, e este é o verdadeiro segredo da educação.

Notas

  1. A ideia do Common Core americano (literalmente, “núcleo comum”) foi trazida para o Brasil e tornou-se a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Trata-se de uma referência obrigatória para as redes e instituições de ensino elaborarem seus currículos escolares e propostas pedagógicas, desde a educação infantil até o ensino médio. (N.T.)
  2. A juventude, a educação e a cultura no Brasil definitivamente não estão isentas dessa mesma crítica, como pode observar qualquer pessoa minimamente atenta à realidade. (N.T.)
  3. Talvez um equivalente brasileiro mais adequado para a expressão casual Catholicism seja “catolicismo não-praticante” ou “catolicismo de IBGE”: uma referência aos batizados que talvez até frequentem a Missa uma vez ou outra, mas cuja prática religiosa não transforma realmente suas vidas e seu modo de pensar. (N.T.)
  4. Referência ao Sl 22, 5, do Bom Pastor: “Preparas uma mesa para mim, à vista dos meus adversários; unges com óleos a minha cabeça; o meu cálice trasborda”. (N.T.)

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