É famosa a declaração do Papa Pio XI de que os católicos não deveriam ser “espectadores indiferentes e silenciosos” na Missa (Divini Cultus, 1928). Sou simpático à afirmação quando se trata da Missa Solene: há pouca razão para os fiéis não cantarem o Ordinário e as várias respostas [i]. Mas é o caso de se perguntar se Pio XI já não estava sendo influenciado demais por um certo modo de pensar moderno, em que fazer algo externo, ou pelo menos parecer fazê-lo, é o ponto principal a ser acentuado. Essa ideia cresceu nos quarenta anos seguintes, dentro do ativismo autodestrutivo da era do Novus Ordo.

Em vez disso, não deveríamos pensar primeiro na maneira como se entra na liturgia, na maneira como a assimilamos, relacionando-nos com ela interiormente?

Nos velhos tempos se costumava dizer que os católicos “assistiam” à Missa. Este conceito é frutífero. Cada membro do corpo assiste à (e na) elevação divina da liturgia, cada um em seu lugar próprio, mas sem pensar que tem de assumir qualquer ação em particular que não seja estar atento e cheio de fé. Também era comum nos velhos tempos, aliás durante séculos, dizer que os católicos iam “ouvir Missa”. Nós lemos na vida de santos leigos como Luís IX que “ele ouvia Missa duas vezes por dia”.

Os liturgistas modernos estremecem com essa expressão, que lhes parece sintetizar o pior da era tridentina (ou, digamos, da era medieval como um todo): um bando de leigos “sem fazer nada a não ser” escutar enquanto o padre e o assistente falavam todas as palavras da Missa em seu nome. Na visão deles, só os que rezam ou cantam a Missa a estão fazendo. Com efeito, a Missa dialogada, promovida primeiro pelo mesmo Pio XI, pretendia ser uma alternativa (pode-se dizer que até um remédio) para levar as pessoas do ouvir ao falar.

No entanto, devemos desacelerar e pensar mais sobre a audição. Os terapeutas familiares geralmente gostam de fazer uma distinção entre ouvir e escutar — entre mera recepção auditiva e realmente absorver a importância do que está sendo dito e dar a isso uma resposta adequada. “Você me ouviu, mas você me escutou?” Quando se diz que as pessoas “ouvem Missa”, o significado certamente é que estão escutando com atenção, com o ouvido do coração, para usar a bela expressão da Regra de São Bento [ii].

A Anunciação, por Bartolomé Esteban Murillo.

Escutar é uma atividade difícil de se fazer bem. É algo que exige (e que gera ao mesmo tempo) experiência, prática, concentração, receptividade, humildade — uma abertura para ser o espaço insculpido em que uma palavra ou som pode fazer sua morada e dar fruto. Não à toa a grande maioria das obras de arte que retratam Nossa Senhora, mostram-na olhando e escutando o Arcanjo Gabriel, em vez de responder ou agir. Ela está meditando a Palavra de Deus em sua cela; ela recebe a saudação dele e pergunta em seu coração o que isso significa; após o diálogo (geralmente não representado), ela aceita a Palavra feita carne. A Virgem Maria assiste à primeira Missa; ela ouve a primeira Missa.

Como [o Papa] João Paulo II gostava de dizer, a Santíssima Virgem Maria nos revela que ser é mais essencial que fazer, receber é mais fundamental que dar — assim como nossa inserção em Cristo no batismo, o que nos acontece (sofremos uma morte espiritual e Deus nos ressuscita) é mais basilar para a nossa identidade do que qualquer ato particular que realizemos com base em nosso batismo. Nenhum homem se faz cristão; ele (ou seus pais em seu nome) consente em ser feito cristão por Deus [iii].

Os tempos modernos são caracterizados por um grau incomum de ruído, ocupação e saturação de imagens. Estamos sempre sendo atraídos para fora de nós mesmos, de nossa profunda identidade interior como filhos de Deus, para distrações e dissipações. “Eis que estavas dentro de mim, e eu fora”, como disse Santo Agostinho a Deus nas Confissões. Por isso, e sem abandonar por um momento a importância da Missa Solene como a expressão mais bela e normativa da liturgia, digo que a silenciosa Missa Rezada é mais atual e mais necessária do que nunca, como baluarte contra a total extroversão e superficialidade da vida secular.

É de se perguntar se as formas de meditação oferecidas pelo budismo, e outros fenômenos cada vez mais populares do Extremo Oriente, teriam feito tão grandes incursões na sociedade ocidental não fosse a perda da forma onipresente de “meditação silenciosa” que outrora tínhamos em abundância.

Em minha vida, houve muitas ocasiões em que eu não desejava outra coisa senão uma Missa Rezada tranquila no início da manhã. Assistir a ela era como chegar a um oásis no deserto, ou passar por uma porta baixa de madeira para entrar em um jardim secreto. Ao assistir à Missa, é possível sentir as raízes afundando mais profundamente na terra, os galhos se estendendo mais alto em direção ao céu, as folhas se abrindo para o sol e os botões amadurecendo. É um tempo fora do tempo, um lugar de encontro sagrado, que nos deixa sem palavras e felizes por não falar.

Notas

  1. No decorrer do texto, o autor fala de High Mass (Missa Solene) e Low Mass (Missa Rezada), dois diferentes tipos de Missa no rito tridentino (de São Pio V). Para a maior parte de nós vislumbrar o que ele está falando, portanto, é preciso ao menos assistir a alguma transmissão desses tipos de Missa no YouTube (N.T.).
  2. Trata-se da expressão com a qual começa a Regula S. Benedicti: Obsculta, o fili, præecepta magistri, et inclina aurem cordis tui… “Escuta, ó filho, os preceitos do mestre, e inclina o ouvido de teu coração…” (N.T.).
  3. O Salmo 99, na Vulgata, tem uma mensagem semelhante: Scitóte quóniam Dóminus ipse est Deus: ipse fecit nos, et non ipsi nos (v. 3), isto é, “Sabei que o Senhor mesmo é Deus: Ele nos fez, e não nós a nós mesmos” (N.T.).

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