Numa sociedade cada vez mais irreligiosa, como a nossa, e com grande lacunas de catequese, é cada vez mais comum que os católicos batizados, ao invés de se casarem na Igreja, simplesmente juntem suas “trouxas de roupas” e passem a morar juntos na mesma casa, sem nenhuma cerimônia que inaugure tal consórcio. Antigamente, dava-se a isso o nome de amasiamento, concubinato, mancebia — palavras com grande carga negativa, usadas até mesmo no âmbito civil, justamente a fim de desestimular a prática. Hoje, as pessoas vivem assim por anos a fio, sem nenhuma vergonha, e o seu comodismo ganhou um nome bem mais simpático na lei: “união estável”. 

Mas palavras bonitas não mudam a realidade dos fatos. Depois de um retiro espiritual ou acampamento de igreja, ou de alguma situação da vida que as reaproximou de Deus e da fé, essas pessoas terminam se deparando com a realidade do seu pecado e a necessidade de consertar seus erros. E de nada adianta que maus padres as tentem tranquilizar com tapinhas nas costas e conselhos para que continuem “tocando” suas vidas: suas consciências lhes gritam — mesmo que não tenham recebido, ao longo da vida, a melhor das formações.

São muitos os casos assim que chegam até nós, dia após dia. Por isso, vimos a necessidade de um texto público e mais bem elaborado, para ajudar esses casais em geral, que estão há muitos anos vivendo juntos, com seu relacionamento aceito pela lei civil, mas à margem do que ensina a Igreja sobre a sexualidade humana e o sacramento do Matrimônio.

Casar na Igreja ou não: eis a questão

A primeira coisa a dizer-lhes, então (que poderia parecer óbvia em outras épocas, mas, infelizmente, anda sendo desconstruída hoje em dia), é: 

Realmente, vocês estão vivendo no pecado e precisam mudar de vida. 

De nada adianta “estar juntos” aos olhos dos homens, “casar-se” num cartório, e não unir-se diante de Deus. Sem a bênção dele, e da Igreja que Ele mesmo fundou, não podemos ser felizes nesta vida nem na outra. 

Vocês precisam, sim, do sacramento do Matrimônio!

Dita assim, porém, nossa exortação pode soar arbitrária, uma mera imposição ou burocracia exigida pela Igreja para “complicar” a vida das pessoas. Afinal de contas, o casal que procura uma paróquia para regularizar a sua situação já não se encontra casado de facto? Sua união já não é “estável”, independentemente do que diga uma folha de papel? Essa não é só uma questão de firmas e carimbos?

A resposta é não. Mas vamos fazer aqui algumas distinções importantes.

As leis da Igreja valem para os católicos. Para aqueles que não o são, valem as leis de Deus inscritas no próprio coração do homem. É o que chamamos de lei natural. Assim: se dois indígenas, completamente alheios à religião cristã, casam-se em sua tribo segundo os costumes de seu povo, eles estão realizando um verdadeiro casamento. 

Mas trata-se de uma união meramente natural, para gerar filhos, apoiar-se mutuamente e atender aos apetites da carne. (É já uma coisa muitíssimo boa, porque tudo o que Deus fez é bom [cf. Gn 1, 31]: a família é uma criação divina, para que o homem não ficasse sozinho, mas aprendesse a amar e doar-se pelas outras pessoas.)

“O Casamento da Vila”, por Samuel Luke Fildes.

Quando recebemos o sacramento do Batismo, porém, nós entramos em outro patamar de vida: pela água derramada em nossa cabeça, unida às palavras da fórmula “Eu te batizo em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”, inaugura-se em nossa alma uma participação na vida do próprio Deus. O próprio Cristo falou disso quando ensinou: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada” (Jo 14, 23). Noutras palavras, somos sobrenaturalmente elevados, chamados a uma felicidade muito superior à de que seríamos capazes por nossa mera humanidade. 

Pois bem: essa dinâmica penetra todos os aspectos de nossa vida — e também o casamento. Com Jesus, os esposos que viviam sua aliança natural são chamados a transcender, vivendo a união conjugal à luz de outro mistério: a Nova Aliança entre Cristo e sua Igreja. Além dos filhos, do amor mútuo e do remédio para a concupiscência, homem e mulher agora, auxiliados pela graça de Deus, esforçam-se por imitar o mesmo amor que Cristo demonstrou vertendo o seu Sangue precioso para a nossa salvação. Por isso, para os batizados, o Matrimônio é também um sacramento, um meio de santificação. Um casal batizado que venha a tornar-se santo, portanto, sê-lo-á não apesar de seu casamento, mas justamente nele e por ele.

Entender como isso se dá concretamente nos levaria muito longe, mas, para os fins deste texto, o que importa saber é: 

Entre batizados, não existe outro tipo de casamento senão o sacramental. Ou se está “casado na Igreja”, como costumamos dizer, ou não se está casado de modo nenhum.

Um remédio para a concupiscência

Assim, embora seja verdade que “a Igreja primitiva não tinha um ritual distintamente cristão para a celebração do matrimônio” e, “em vez disso, aceitava as formas de casamento habituais entre os vários povos que tinham aceitado o Evangelho” [i], nem por isso os santos do primeiro milênio deixavam de recomendar aos fiéis que apresentassem seus votos diante da Igreja, como forma de ganhar para sua união as bênçãos do Céu: 

Desde o início, os [Santos] Padres consideraram o matrimônio como um assunto religioso. Santo Inácio de Antioquia († 107) exige a cooperação da Igreja na celebração do matrimônio: “Convém que o noivo e a noiva contraiam núpcias com a aprovação do bispo, para que o matrimônio seja segundo o Senhor e não segundo a concupiscência” (Ad Polycarpum V 2). Tertuliano também atesta que o matrimônio era contraído perante a Igreja: “Como poderei descrever a felicidade de um matrimônio que a Igreja realiza, que a oferta do sacrifício ratifica, que a bênção sela, que os anjos aprovam e que o Pai celestial reconhece?” (Ad uxorem II 8) [ii].
“Apelo às Armas”, por Edmund Blair Leighton.

Todavia, foi só com o Decreto Tametsi, do Concílio de Trento, que passou a ser obrigatória a observância da chamada forma canônica: desde então — como diz o atual Código de Direito Canônico —, “somente são válidos os matrimônios contraídos perante o Ordinário do lugar ou o pároco, ou o sacerdote ou o diácono delegado por um deles, e ainda perante duas testemunhas” (Cân. 1108, § 1). 

A Igreja tomou essa decisão porque precisava fazer frente aos chamados casamentos clandestinos, ou seja, “casamentos contraídos sem qualquer forma pública e não suscetíveis de prova, e às suas consequências socialmente perturbadoras” [iii] — que é mais ou menos o problema que enfrentamos em nossa época, com o fenômeno amplamente disseminado das uniões instáveis e a consequente desestruturação das famílias. Além disso, observa o atual Catecismo da Igreja Católica: 

— O casamento-sacramento é um ato litúrgico. Por isso, convém que seja celebrado na liturgia pública da Igreja.

— O Matrimônio foi introduzido num ordo eclesial, cria direitos e deveres na Igreja, entre os esposos e relativos à prole.

— Sendo o matrimônio um estado de vida na Igreja, é necessário que haja certeza a seu respeito (daí a obrigação de haver testemunhas).

O caráter público do consentimento protege o mútuo “Sim” que um dia foi dado e ajuda a permanecer-lhe fiel (§ 1631).

Em outras palavras, o costume de celebrar o Matrimônio diante de um padre tornou-se obrigatório com o tempo [iv], mas a razão que o originou é mais atual do que nunca. 

Muitos gostariam, afinal, de viver egoisticamente a própria sexualidade, juntando-se com uma pessoa aqui e outra ali, vivendo com o outro “enquanto der certo” e “chutando o balde” nas situações difíceis. Contra isso, a Igreja nos dá o remédio da aliança com alguém, da abertura à fecundidade, e do voto — público e solene, diante de Deus e dos homens, que nos constrange a “andar na linha”, segundo aquilo que dizem os Salmos: “Devo cumprir, ó Deus, os votos que vos fiz” (Sl 55 [56], 13); e ainda: “Vou cumprir minhas promessas ao Senhor na presença de seu povo reunido” (Sl 115 [116], 18).

Sair do pecado e viver na graça de Deus

Feita toda essa reflexão, podemos dizer finalmente:

Sem casar-se na Igreja, o homem e a mulher com vida sexual ativa estão cometendo o pecado de fornicação, que atenta diretamente contra o sexto mandamento: “Não pecar contra a castidade”. 

Ao fazerem isso, é como se homem e mulher pusessem a mão à frente de Deus e dissessem: “Não quero que te metas na minha vida. Meus vínculos sexuais, eu os escolho e dissolvo a hora que quero e quando bem entendo”.

Detalhe de “O Casamento Civil”, por Henri Gervex.

Não há dúvidas: as pessoas têm livre-arbítrio para tomar decisões assim. Só não podem furtar-se às consequências delas. A sexualidade foi criada por Deus para ser vivida dentro de uma aliança firme, indissolúvel, e ao mesmo tempo publicamente manifesta. “Por isso, o homem deixará o seu pai e a sua mãe, e se unirá à sua mulher. E os dois serão uma só carne” (Gn 2, 24). 

Casar-se na Igreja, então, não é questão só de resolver algumas papeladas, mas de amar a Deus e ser fiel àquilo que Ele nos manda. Por isso, enquanto estiver obstinado nessa situação, um católico não pode receber a Sagrada Comunhão. Nem tampouco confessar-se validamente! Pois, para receber a absolvição sacramental, deve estar arrependido de todos os seus pecados mortais e estar firmemente disposto a não mais cometê-los.

Proibição injusta? Acaso Deus teria deixado de amar essas pessoas? De modo algum. Deus ama todos os seres humanos, e “quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2, 4). Ele quer se doar a todos. Mas, para que haja comunhão de vida entre duas pessoas, amizade verdadeira entre elas, não basta que seja uma a amar: a outra precisa corresponder, amar de volta. Não é Deus que deixa de amar-nos; somos nós que, com o nosso pecado, voltamos as costas a Ele. Daí a necessidade que temos de conversão, penitência, mudança de vida!

O que fazer então? Sair o quanto antes dessa circunstância, é claro! Procure o pároco de sua comunidade paroquial, explique a situação em que se encontra e verifique como proceder para casar-se na Igreja. Então, a fim de receber o sacramento do Matrimônio em estado de graça, aí sim, faça um diligente exame de consciência e uma boa confissão — ou seja, manifestando um arrependimento sincero por todo o tempo de pecado em que vocês estiveram e fazendo o firme propósito de não mais voltar a essa vida. (Para ajudar você a se preparar, recomendamos o nosso Manual de Confissão e uma série de seis episódios do programa “A Resposta Católica, em que o Padre Paulo Ricardo dá orientações importantes sobre como se confessar bem.)

Assim, tendo recebido devidamente o perdão de Deus, vocês poderão selar a aliança conjugal, voltar a receber o Santíssimo Sacramento e passar a viver a dimensão sobrenatural do casamento. Viver na graça é o primeiro passo neste belo caminho de santificação que é o Matrimônio. A meta é tratar o próprio cônjuge, e amá-lo, como Cristo amou a sua Igreja; abrir a porta de sua casa como se estivesse abrindo o próprio sacrário onde habita Jesus sacramentado; doar-se pelos seus como Cristo se doou por nós. Na Eucaristia, recebida com as devidas disposições, recebemos as graças para viver deste modo. Até o ponto de sermos capazes de dizer com o Apóstolo: “Vivo, mas não eu; é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).

Notas

  1. John P. Beal; James A. Coriden; Thomas J. Green, New Commentary on the Code of Canon Law. New York, Mahwah: Paulist Press, 2000, p. 1325.
  2. Ludwig Ott, Manual de Teología Dogmática. Barcelona: Herder, 1966, pp. 678-679.
  3. John P. Beal; James A. Coriden; Thomas J. Green, op. cit., p. 1326.
  4. Vale lembrar que há exceções para essa regra, previstas no próprio Código de Direito Canônico. Assim, por exemplo, “se não for possível, sem grave incômodo, encontrar ou recorrer a um assistente constituído segundo as normas do direito, os que pretendam contrair matrimônio verdadeiro podem contraí-lo lícita e validamente, só perante testemunhas: 1.º em perigo de morte; 2.º fora de perigo de morte, contanto que se possa prever prudentemente que as condições referidas hajam de perdurar por um mês” (Cân. 1116, § 1).

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