Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 2, 15-20)
Quando os anjos se afastaram dos pastores em direção ao céu, começaram estes a dizer uns aos outros: “Vamos a Belém, para vermos o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer”. Para lá se dirigiram apressadamente e encontraram Maria, José e o Menino deitado na manjedoura. Quando o viram, começaram a contar o que lhes tinham anunciado sobre aquele Menino. E todos os que ouviam admiravam-se do que os pastores diziam. Maria guardava todos estes acontecimentos, meditando-os em seu coração. Os pastores regressaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes tinha sido anunciado.
Hoje, antes mesmo do despontar do sol, a Igreja costuma celebrar uma Missa chamada “da Aurora”, em comemoração do nascimento espiritual em nossas almas daquele cujo nascimento segundo a carne celebrávamos na noite de ontem, na Missa do Galo. A razão por que celebramos tão cedo esta Liturgia guarda uma profunda ligação com o simbolismo do amanhecer. Com efeito, à medida que a escuridão da madrugada vai dando lugar à luz do sol nascente, vão-se apagando as estrelas do céu, ofuscadas pelo fulgor suave que doira o horizonte. Assim também, é ainda sob as trevas da madrugada que começa a brilhar em nós a luz da fé, à semelhança daqueles pastores que, despertos à meia-noite, receberam a grata notícia: “Eu vos anuncio uma grande alegria: hoje nasceu para vós um Salvador” (Lc 2, 10-11). Aqui estão presentes, pois, todos os elementos que constituem a fé ainda nos seus albores: de um lado, o anúncio de viva voz (fides ex auditu) de que Cristo é o nosso Salvador; de outro, esse claro-escuro (fides de non visis) que ainda não permite enxergar com nitidez todas as maravilhas de tamanho mistério.
Por sua vez, a atitude imediata que tomaram os pastores, apenas ouviram as palavras do anjo, demonstra o dinamismo próprio da fé, que é por definição uma caminhada (é crescer de fide in fidem, dirá S. Paulo), ou seja, uma virtude divina nos impele a ir à procura daquele que nela nos é anunciado. Os pastores foram, assim, com grande pressa (cf. Lc 2, 16) até Belém para ver o que o Senhor lhes manifestara (cf. Lc 2, 14). Não ficaram inertes, estonteados pela visão inusitada do anjo, senão que correram para ver com os próprios olhos o que se tinha realizado. Alegres e triunfantes, como os primeiros fiéis, acorreram eles pressurosos a Belém, a fim de ver o Menino recém-nascido, Rei dos anjos, de todos os tronos e potestades. En, grege relicto, humiles ad cunas, vocati pastores adproperant: et nos ovanti gradu festinemus, eis que, deixado para trás o rebanho, os pastores apressam-se ao humilde berço, e nós, com passo apertado, corramos para os braços daquele que nasceu para nós.
Chegando à cidade de Davi, encontraram os pastores a Mãe e o Menino envolto em pobres faixas, numa cena por certo menos majestosa do que o encontro que há pouco tiveram com a corte celeste, mas não por isso menos radiosa, porquanto a luz de Cristo, Sol de justiça, deve alumbrar o nosso coração a ponto de encobrir o brilho de todas as outras estrelas da nossa vida. Se, com efeito, as correrias do nosso dia-a-dia, as nossas preocupações e projetos nos absorvem em tal medida, que parecem ser mais reais do que Cristo, é porque a nossa fé ainda não cresceu o bastante; é porque o nosso encontro com o Senhor não foi profundo o suficiente; é, numa palavra, porque ainda há em nós uma zona de escuridão que não se deixou iluminar.
Encontrar-se de verdade com Jesus significa renascer e ser regenerado, como lemos na segunda leitura da Liturgia de hoje (cf. Tt 3, 5), pois a todos que o acolhem, dá-lhes “a capacidade de se tornarem filhos de Deus, isto é, aos que acreditam em seu nome, pois estes não nasceram do sangue nem da vontade da carne nem da vontade do varão, mas de Deus mesmo” (Jo 1, 12, 13), sed ex Deo nati sunt. Não há verdadeiro encontro com Ele se não há, depois, vida nova, um jeito novo de olhar para a vida, orientando-se única e exclusivamente à luz de Cristo. E é somente assim, tendo a Jesus como o eixo da nossa existência, que podemos dar testemunho dele ao mundo. Eis porque o evangelista S. Lucas faz questão de notar que os pastores só contaram o que se lhes havia dito a respeito do Menino após o terem visto e estado com Ele: “E todos os que os ouviam admiravam-se das coisas que lhes contavam os pastores”, não do que tinham lido e estudado, mas do que contemplaram com os olhos e apalparam com as mãos (cf. 1Jo 1, 1).
É esse encontro vivo e vivido que queremos ter com Nosso Senhor, que nasce hoje na alma de cada um de nós, como um tesouro preciosíssimo a ser guardado para sempre. Apostólicos como os pastores, devemos pois ser contemplativos como Maria, que guardava em seu coração — conferens in corde suo — tudo o que via e ouvia de seu Filho, a quem deu à luz na Noite Santa, mas de quem sempre se manteve grávida em seu Coração, levando-o consigo aonde quer que fosse. Que este Natal, por intercessão de nossa Mãe bendita, seja um verdadeiro e definitivo amanhecer de Cristo em nossas almas, um encontro íntimo no claro-escuro da fé com Aquele que, ao vir habitar entre nós, quis também viver dentro de nós.
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