Com a promulgação da Encíclica Divini Illius Magistri, de Pio XI, a 31 de dezembro de 1929, veio à luz o documento papal mais importante sobre a educação cristã da juventude, distinção válida até os dias de hoje. Com razão os contemporâneos chamaram a encíclica de Magna Charta sobre o tema, admirando-lhe a profundidade, a perspicácia e a lucidez.

Todos os que sinceramente se preocupam com a educação da juventude, diz Pio XI, sabem que a felicidade humana não se obtém de imediato pela posse ou pelo gozo de bens materiais em abundância. É necessária a formação do caráter, com vista a metas duradouras para além do presente passageiro.

O Papa Pio XI.

Citada pelo Papa, a célebre abertura das Confissões de Agostinho — “Fizestes-nos para Vós, e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em Vós” (I 1, 1) — poderia ser considerada o lema da encíclica. O mundo moderno é como um experimento prolongado em cultivar essa inquietação, direcionando-a ao maior número de criaturas possível, sem qualquer conexão com o Criador, e com resultados previsíveis.

Todas as teorias, congressos, reformas, programas e investimentos educacionais serão infrutíferos enquanto não se reconhecer essa verdade fundamental da natureza humana, moldada à imagem de Deus, caída em miséria, restaurada à graça por Jesus Cristo. Como a boa educação forma a pessoa inteira em relação às coisas que de fato a realizarão, culminando na visão de Deus, “não pode dar-se educação adequada e perfeita senão a cristã” (7; cf. 58) [i], cujo objetivo é “cooperar com a graça divina na formação do verdadeiro e perfeito cristão, isto é, formar o mesmo Cristo nos regenerados pelo Batismo” (94) [ii].

A educação cristã diz respeito, pois, não só ao conteúdo transmitido, mas também aos métodos de transmiti-lo, aos meios sobrenaturais utilizados para auxiliar [sua transmissão] e à intenção por trás da atividade [educacional] (cf. 93ss). O devoto educador cristão imita Cristo, que amou as crianças com carinho especial e desejou conduzi-las com segurança para o seu reino (cf. 1, 9, 88).

Pio XI aborda o tema por meio de questões específicas: 

Quem tem a missão de educar (11–57); quem são os sujeitos a serem educados (58-69); quais são as circunstâncias [ambiente] de acompanhamento necessárias (70-92); qual é o fim e o objetivo próprio da educação cristã, de acordo com a ordem estabelecida por Deus na economia da divina Providência (93-100) (10).

A doutrina cristalina do documento sobre a relação entre família, sociedade civil e Igreja é especialmente valiosa, pois ilustra de modo concreto a harmonia entre natureza e graça, razão e fé, como definido solenemente no Concílio Vaticano I (11ss; 51ss).

O indivíduo nasce numa família e numa sociedade civil e, pelo Batismo, nasce na Igreja. Cada uma dessas sociedades é, em graus sucessivos, mais nobre do que a anterior, na medida em que se ordena a um bem comum superior.

No entanto, de forma alguma o superior contradiz a natureza do inferior ou lhe frustra os direitos (41ss). A Igreja não tira da sociedade civil nada que lhe corresponde por direito; antes, a defende e fortalece (cf. 97-99). Outrossim, a sociedade civil nada usurpa do que cabe à família, senão que lhe sustenta os esforços (cf. 77). O conflito entre uma sociedade e outra só pode surgir de um abuso de direitos, de um abuso de autoridade. É o caso, por exemplo, do Estado que se arroga sobre a pessoa, a família ou a Igreja poderes que não possui nem pode possuir.

Duas verdades da ordem social, acima de tudo, ocupam a atenção do Papa.

Em primeiro lugar, a encíclica afirma e defende em toda a sua extensão o direito fundamental e inviolável dos pais a educar os próprios filhos (cf. 31ss) e o da Igreja a educar toda a humanidade, especialmente os que já são filhos seus pela graça [batismal] (15ss). Esse direito cabe naturalmente aos pais e sobrenaturalmente à Igreja; ao Estado e a seus funcionários, só com a permissão parental ou eclesiástica [iii].

Políticas de educação pública compulsória que não consideram a vontade dos pais ou prejudiquem a família são contrárias à lei natural, constituindo graves violações da justiça (48; o Estado deve apoiar financeiramente as escolas escolhidas pelos pais: 81-83). O Papa tem em mente as violações aos direitos dos pais típicas do liberalismo em suas diversas formas: os regimes maçônicos e anticlericais, remanescentes da Revolução Francesa, assim como o regime do comunismo ateu na Rússia, que comumente endossam o controle totalitário, explícito ou implícito, sobre todos os aspectos da vida civil, inclusive a educação das crianças (cf. 35ss).

Um regime laicista favorável a uma formação estritamente “laica” dos filhos está, nesse sentido, agindo tiranicamente. O Estado, pelo contrário, deve fazer tudo o que estiver ao seu alcance para apoiar os pais e a Igreja Católica em sua tarefa de educar os jovens (46; 53-54; os Estados pluralistas não estão de forma alguma isentos disso: cf. 81).

Isso leva o Papa a um segundo ponto importante. Trata-se da ênfase que a encíclica dá à natureza invariavelmente religiosa de toda educação e ao dever do professor de incutir moral e piedade nos alunos. Uma educação sem referência a verdades religiosas e a padrões morais imutáveis nada mais é do que um treinamento em impiedade e laxismo, combustível para as inclinações da natureza caída (cf. 24; 57ss).

Uma educação puramente secular, ou neutra, é impossível em princípio, e um educador que “calasse” os problemas mais importantes estaria, na verdade, habituando os alunos a pensar e a viver como se as questões sobre o que é verdade e o que é falsidade, o que é bom e o que é mau, não importassem nem tivessem significado algum ou não pudessem ser respondidas (cf. 79). Uma tal educação é, no fundo, má formação; o aluno termina pior do que se nunca fora educado.

Pais católicos e seus pastores têm, pois, o grave dever de zelar para que os filhos recebam uma sólida formação na fé e na moral, quer em casa, quer em sala de aula ou na paróquia (34, 74; podemos saber quão velha é uma encíclica pela confiança com que recomenda a educação paroquial!).

Além disso, um pequeno complemento de instrução católica — uma aula semanal de catequese paroquial, em que as crianças leem histórias e colam macarrão e feijão em papel colorido — é inadequada. Numa escola digna de educar almas conquistados ao preço do Sangue de Cristo, 

é indispensável que todo o ensino e toda a organização da escola, mestres, programas, livros, em todas as disciplinas, sejam regidos pelo espírito cristão sob a direção e a vigilância materna da Igreja Católica, de modo que a religião seja verdadeiramente fundamento e coroa de toda a instrução (80).

Divini Illius Magistri vale uma leitura séria ainda hoje, considerando-se que muitos temores do Papa (por exemplo, a corrupção da juventude pela tecnologia dos meios de comunicação de massa, 89-92) viram-se confirmados em grau extremo e que os fiéis católicos parecem menos conscientes do que nunca das raízes profundas do problema. Ao mesmo tempo, por mostrar com segurança o caminho para uma autêntica renovação educacional, Divini Illius Magistri é um documento oportuno como nenhum outro para o exército de homeschoolers (pais que educam seus filhos em casa), assim como para um número felizmente crescente de escolas privadas e independentes autenticamente católicas. Que seus esforços floresçam pela graça de Jesus Cristo, o Mestre supremo.

Notas

  1. Os números entre parênteses referem-se à tradução inglesa da Encíclica Divini Illius Magistri, disponível no site do Vaticano, e não à versão em português, que aliás não está com seus parágrafos numerados (N.T.).
  2. Educação “é a formação do homem em sua totalidade, a fim de o tornar tal qual deve ser em ordem à consecução de seu fim último” (I. González, Ethica [Madri, 1957], p. 822, n. 1086) (N.T.).
  3. O direito imediato e direto à educação dos filhos na ordem natural incumbe unicamente aos pais, e ao Estado só indireta e subsidiariamente. Por isso é contrário ao direito natural o monopólio estatal da educação, isto é, “o regime em que o Estado se reserva o direito exclusivo de abrir escolas, preparar professores, conferir graus acadêmicos e prescrever livros e programas [educacionais]” (I. González, op. cit., p. 834, n. 1114) (N.T.).

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