O Martirológio Romano antigo anota, no dia 3 de agosto, “em Jerusalém, a invenção [isto é, a descoberta] do corpo do beatíssimo Santo Estêvão Protomártir, e dos Santos Gamaliel, Nicodemos e Abibon, como fora revelado por Deus ao Presbítero Luciano, em tempo do Imperador Honório”.
Até pouco tempo atrás, esse evento era celebrado no Calendário Romano Geral [1], figurando como uma segunda festa em honra a Santo Estêvão, além da já conhecida festa do dia 26 de dezembro, quando se celebra o seu martírio.
Apesar da distância que separa as duas festas, a verdade é que, segundo a tradição, tanto a descoberta do corpo do Protomártir quanto a sua paixão teriam acontecido na mesma data. Mas, segundo a explicação contida na Legenda Áurea,
a Igreja mudou a data daquela festa por duas razões. A primeira é que, como Cristo nasceu na Terra a fim de que o homem nascesse no Céu, convinha que a festa da natividade de Cristo fosse seguida pela festa natalícia de Santo Estêvão, que foi o primeiro a suportar por Cristo o martírio, o que é nascer no céu, para que assim ficasse claro que esta natividade se segue daquela. Daí o canto: “Heri Christus natus est in terris, ut hodie Stephanus nasceretur in coelis — Ontem Cristo nasceu na Terra, para que hoje Estêvão nascesse no Céu”. A segunda razão é que a festa da invenção era celebrada mais solenemente que a festa de sua paixão, e isso por conta da reverência à natividade do Senhor e dos muitos milagres que na invenção dele o Senhor manifestou. Como, pois, a paixão dele é mais digna que sua invenção, também por isso deve ser mais solene, por esse motivo a Igreja transferiu a festa da paixão para aquele tempo em que seria tida em maior reverência [2].
O que mais nos deve interessar, no entanto, é a história de como essa descoberta se deu, e é também a Legenda Áurea que nos fornece esse belo relato, que destacamos abaixo.
A descoberta do corpo do protomártir Estêvão ocorreu no ano do Senhor de 417, sétimo do reinado de Honório [...] e aconteceu da seguinte forma.
Um presbítero de Jerusalém, chamado Luciano — incluído por Genádio, autor deste relato, entre os homens ilustres que merecem ser celebrados —, estava numa sexta-feira deitado, quase dormindo, quando lhe apareceu um velho de grande estatura, belo rosto, longa barba, vestido com um manto branco incrustado de pequenas pedras preciosas e cruzes de ouro, calçado de sapatos dourados. Ele tinha na mão um cajado de ouro, com o qual o tocou dizendo: “Procure cuidadosamente nosso túmulo, pois fomos colocados em um local inconveniente, e vá dizer a João, bispo de Jerusalém, que nos coloque em um lugar honrado, pois, quando a seca e a tribulação abalarem o mundo, Deus decretou que lhes será propício através de nossos sufrágios”.
O presbítero Luciano perguntou: “O senhor quem é?”.
“Eu sou”, respondeu ele, “Gamaliel, aquele que alimentou o Apóstolo Paulo e ensinou-lhe a lei. Junto comigo está enterrado o Santo Estêvão, que foi lapidado pelos judeus fora da cidade para que o seu corpo fosse devorado pelas feras e aves. Mas isso foi proibido por Aquele a quem o mártir serviu e por quem conservou sua fé intacta. Eu o recolhi com grande reverência e o enterrei em uma nova tumba. Outro que jaz comigo é Nicodemos, meu sobrinho, que certa noite encontrou Jesus e recebeu o batismo sagrado de Pedro e de João. Por causa disso, indignados, os príncipes dos sacerdotes resolveram matá-lo, e só não o fizeram devido à reverência que nos dedicavam. No entanto, eles confiscaram todos os seus bens, depuseram-no de seu cargo e bateram tanto nele que o deixaram meio morto. Então eu o levei para minha casa, onde ele sobreviveu alguns dias, e quando morreu eu o sepultei junto do bem-aventurado Estêvão. Há uma terceira pessoa comigo, Abibas, meu filho, que recebeu o batismo junto comigo, quando tinha a idade de vinte anos. Ele permaneceu virgem e dedicou-se à lei ao lado de Paulo, meu discípulo. Minha mulher, Aetéa, e meu filho Selêmias, que não quiseram aceitar a fé em Cristo, não foram dignos de receber nossa sepultura. Você encontrará suas tumbas vazias e inúteis, pois estão sepultados em outro lugar.”
Dito isto, São Gamaliel desapareceu.
Ao acordar, Luciano orou ao Senhor para que, se aquela visão fosse verdadeira, aparecesse uma segunda e uma terceira vez. Na sexta-feira seguinte, Gamaliel apareceu-lhe como da primeira vez e perguntou por que ele havia negligenciado o que lhe dissera. Luciano disse: “Não, senhor, eu não negligenciei, mas pedi ao Senhor que, se essa visão fosse de Deus, que ela me aparecesse uma terceira vez”. Disse Gamaliel: “Como você refletiu sobre o modo de identificar os restos mortais de cada um, vou lhe dar os meios para conseguir fazê-lo”. E mostrou-lhe três recipientes de ouro e um quarto de prata, um cheio de rosas vermelhas e outros dois de rosas brancas. Gamaliel mostrou o quarto deles, o de prata, cheio de açafrão, dizendo:
“Estes recipientes são os nossos ataúdes e estas rosas são os nossos restos. O recipiente cheio de rosas vermelhas é o ataúde de Santo Estêvão, pois foi o único de nós a receber a coroa do martírio. Os outros dois, cheios de rosas brancas, são meu ataúde e o de Nicodemos, pois perseveramos com coração sincero na aceitação de Cristo. O quarto, de prata, cheio de açafrão, é o ataúde de meu filho Abibas, que se destacou pelo brilho da virgindade e que deixou este mundo limpo.
Dito isto, desapareceu.
Na sexta-feira da semana seguinte, Gamaliel apareceu irado e repreendeu severamente a demora e a negligência de Luciano, que imediatamente foi a Jerusalém e contou tudo ao bispo João. Este e outros bispos foram até o lugar mencionado por Luciano, e logo que começaram a cavar a terra tremeu e sentiram um suavíssimo odor. Odor admirável, que pelos méritos dos santos curou setenta homens de diversas enfermidades. As relíquias dos santos foram honradamente transportadas para a igreja de Sião, em Jerusalém, onde Santo Estêvão tinha servido como arquidiácono. Nessa hora caiu uma grande chuva. Beda menciona a visão e a descoberta dos corpos em sua crônica [3].
Essa impressionante história recolhe as aparições de um santo e vários milagres extraordinários. Mas não são os únicos registros a respeito das relíquias de Santo Estêvão. Santo Agostinho, que foi contemporâneo do evento, também atestou o poder miraculoso dos restos mortais do Protomártir, narrando vários milagres atribuídos a eles em sua Cidade de Deus (l. XXII, 8).
Por essa razão, é muito salutar aproveitar este dia para invocar o patrocínio de Santo Estêvão. E também para lembrar, contra a rejeição protestante do culto aos santos, o valor que desde o alvorecer da Igreja tiveram as relíquias dos santos mártires. Os primeiros seguidores de Nosso Senhor já eram católicos, como atestam as atas do martírio de São Policarpo e numerosos escritos dos Santos Padres [4].
É por isso que, como dizia por experiência própria São John Henry Newman, “aprofundar-se na História é deixar de ser protestante” [5].
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