A festa do Apóstolo São Filipe é tradicionalmente celebrada neste dia [1.º de maio], juntamente com São Tiago Menor. O costume advém da conservação de suas relíquias na Basilica dei Santi Dodici Apostoli, em Roma (“Basílica dos Doze Santos Apóstolos”), inicialmente dedicada apenas a eles dois. 

[N.T.: A dedicação dessa igreja teria ocorrido em 1.º de maio de 570. Como consequência, desde então, esse ficou sendo o dia dos dois Apóstolos. Foi só com a instituição da festa de São José Operário por Pio XII, em 1955 — ou seja, quase 1400 anos depois! —, que a festa mudou de data, indo para 11 de maio. A reforma litúrgica pós-conciliar deixou-a mais próxima de sua data original e, hoje, celebramos São Filipe e São Tiago a 3 de maio.]

“Milagre dos pães e peixes”, por Juan de Espinal.

Nos Evangelhos sinóticos, Filipe não está ausente da lista dos doze discípulos a quem Jesus chamou seus Apóstolos (cf. Mt 10, 1-4; Mc 3, 13-19; Lc 6, 12-16). No entanto, São Clemente de Alexandria, escrevendo por volta de 200 d.C., conhecia uma tradição segundo a qual Filipe fôra o homem que pediu permissão para enterrar o próprio pai, e a quem Cristo respondeu: “Segue-me, e deixa que os mortos enterrem os seus mortos” (Stromata III 4, 25, citando Mt 8, 22).

No Evangelho de São João, por outro lado, Filipe é uma figura muito proeminente. Depois que Cristo o “encontra” e o chama, dizendo simplesmente: “Segue-me!”, Filipe leva-lhe Natanael, que confessa: “Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel!” (Jo 1, 43-49). Na multiplicação dos pães e peixes, é a Filipe que Cristo diz: “Onde vamos comprar pão para que estes possam comer?”, e é ele quem responde: “Nem duzentos denários de pão bastariam, para dar um pouquinho a cada um” (Jo 6, 5-7). Mais tarde, Filipe e André, juntos, apresentam alguns gentios a Jesus (cf. Jo 12, 20-22). 

Por fim, durante a Última Ceia, Filipe diz a Jesus: “Senhor, mostra-nos o Pai, isso nos basta”, ao que Jesus responde: “Filipe, há tanto tempo estou convosco, e não me conheces? Quem me viu, viu o Pai. Como tu dizes: ‘Mostra-nos o Pai’? Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em mim?” (Jo 14, 8-10). 

Uma versão mais completa desta passagem (cf. Jo 14, 1-13) é prescrita para o Evangelho da festa de São Filipe e São Tiago no mais antigo lecionário do rito romano (ca. 650 d.C.). Nele está, também, a maior parte das antífonas próprias para o Ofício Divino, bem como o segundo Alleluia e a antífona de comunhão para a Missa dos dois.


Motete baseado na antífona de comunhão para a Missa de São Filipe e São Tiago, numa polifonia do holandês Jan Pieterszoon Sweelinck

Versão em português da antífona de comunhão para a Missa de São Filipe e São Tiago


No início dos Atos dos Apóstolos, Filipe é citado em companhia dos Apóstolos no cenáculo (a “sala de cima, onde costumavam reunir-se”: At 1, 13). Quando os primeiros sete diáconos foram escolhidos, um deles também se chamava Filipe, e já na antiguidade havia certa confusão entre os dois. Eusébio de Cesareia, por exemplo, em sua História Eclesiástica (III, 31), garante tratar-se da mesma pessoa, referindo-se às suas quatro filhas, embora em At 21, 9, se afirme que era Filipe, o diácono, que tinha quatro filhas. Ele cita uma carta de Polícrates, bispo de Éfeso, ao Papa Vítor I (189–199), que se refere ao enterro de Filipe em Hierápolis, na Frígia (atualmente chamada de Pamukkale, no sudoeste da Turquia), onde ele pregara o Evangelho por muitos anos. Também cita — de Pápias, bispo de Hierápolis e um dos primeiros historiadores da Igreja — a história de que Filipe ressuscitou um homem dos mortos (história que Pápias ouvira de uma das filhas de Filipe).

Escultura de São Filipe na Basílica de São João de Latrão, em Roma.

Como vários outros Apóstolos, Filipe também possui um conjunto apócrifo de Acta escritos a seu respeito. Os seus são uma compilação de quinze episódios diferentes que variam em grau de absurdidade. Um desses episódios, o nono, é um breve relato de como ele matou um dragão, em [uma de] suas viagens missionárias, na presença de seu companheiro, o Apóstolo Bartolomeu, e de sua irmã, supostamente chamada Mariana.

Na Legenda Áurea do Beato Tiago de Varazze, o relato de São Filipe é bastante curto — bem mais que o de São Tiago, na verdade — e também contém o episódio da morte de um dragão. No entanto, a história é contada de maneira completamente diferente daquela que consta em “Atos” fictícios. 

Na versão da Legenda Áurea, Filipe está na Cítia, onde é trazido pelos pagãos até uma estátua de Marte e recebe a ordem de oferecer-lhe sacrifícios. Um dragão emerge da base da estátua, mata o filho do sacerdote responsável pelo sacrifício e os dois oficiais locais que mantinham o Apóstolo acorrentado, e empesteia todos os presentes com seu mau hálito. Filipe promete remediar [todos] esses males se eles quebrarem a estátua e a substituírem por uma cruz. Quando o fazem, ele cura os enfermos, ressuscita os três mortos e manda o dragão para o inóspito deserto. Ele chega então a Hierápolis, onde combate com sucesso a heresia dos ebionitas, estabelece a hierarquia eclesiástica e, finalmente, é crucificado pelos infiéis.

“São Filipe exorcizando o dragão do templo”, por Filippino Strozzi.

No ano de 1487, um rico comerciante florentino chamado Filippo Strozzi encomendou ao pintor Filippino Lippi um afresco em uma capela dedicada ao santo cujo nome os três compartilhavam. O estilo complexo e agitado que Filippino Lippi aprendeu com seu mestre, Sandro Botticelli, combina perfeitamente com as cenas complexas e agitadas da derrota do dragão e da crucificação do Apóstolo. O dragão é, claramente, pequeno demais para de fato representar uma ameaça; com isso se quer representar, no entanto, que seu poder foi vencido pelo do ministro de Cristo. A estátua de Marte é retratada em cores, como as pessoas vivas na parte inferior da cena, e não como uma escultura de pedra branca, como as estátuas abaixo dele. Costuma-se entender, com isso, que o conflito entre o paganismo e o cristianismo estava muito vivo na Florença de Girolamo Savonarola e de Lourenço, o Magnífico.

No Breviário Romano anterior ao Concílio de Trento, essa história é contada em termos muito semelhantes aos da Legenda Áurea, até mesmo nas edições mais tardias publicadas nos anos 1520. Os estudiosos responsáveis por revisar as histórias das vidas dos santos para o Breviário de São Pio V estavam muito preocupados em remover qualquer coisa que pudesse trazer descrédito à Igreja; por isso, eles foram particularmente severos com episódios de dragões sendo abatidos. Não há sequer um indício da história na legenda revisada de São Filipe — versão que se lê até o dia de hoje no Breviário do usus antiquior. (Receberam o mesmo tratamento [as histórias de] São Jorge, Santa Marta e Santa Margarida de Antioquia.)

Apesar disso, no século XVIII, quando as esculturas dos doze Apóstolos foram postas na Basílica do Latrão (a própria catedral do Papa!), a referência à antiga história foi mantida. A obra de Giuseppe Mazzuoli, executada entre 1703 e 1712, mostra São Filipe calcando aos pés um dragão, ainda que muito pequeno.

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