Que faz então o padre que celebra em pecado mortal? Acaso honra ele a Deus? Ah! muito ao contrário! Comete contra Ele o maior ultraje de que é capaz. Despreza-o na sua própria pessoa, porque pelo sacrilégio parece fazer quanto de si depende para manchar o Cordeiro imaculado, que oferece sob as espécies sacramentais! Eis o que diz o Senhor: “Escutai, ó sacerdotes que desprezais o meu nome… Ofereceis sobre o meu altar um pão manchado e dizeis: Em que é que te desonramos?” (Ml 1,6). São Jerônimo comenta assim esta passagem: Manchamos o pão, isto é, o corpo de Cristo, quando nos aproximamos indignamente do altar.

Não podia Deus elevar um homem a uma dignidade mais sublime que à dignidade sacerdotal. Que escolha teve de fazer o Senhor para formar um padre! Primeiro teve de escolhê-lo na multidão inumerável das criaturas possíveis; depois teve de separá-lo de tantos milhões de pagãos e hereges; e por último teve de tirá-lo do meio de tantos simples fiéis. Depois disto, que poder não lhe foi dado! Se Deus tivesse concedido a um só homem o poder de fazer descer à terra por suas palavras o próprio Jesus Cristo, quanto não estaria obrigado para com o Senhor esse homem tão privilegiado, e quantas ações de graças não teria de lhe render! Pois bem, Deus concede esse poder a cada um dos padres. Nada importa que o mesmo poder tenha sido confiado a muitos: o número dos padres nem rebaixa a sua dignidade nem diminui as suas obrigações. Mas, oh! Deus, que faz um padre que ousa celebrar com o pecado na sua alma? Desonra-vos, despreza-vos, declarando por isso mesmo que este sacrifício não é tão digno do nosso respeito para temermos profaná-lo por um sacrilégio! Aproximar-se alguém do altar sem o respeito que lhe é devido — diz São Cirilo de Alexandria — é mostrar que o julga digno de desprezo.

A mão que toca a carne sagrada de Jesus Cristo, a língua que se tinge do sangue divino — diz São João Crisóstomo — deveriam ser mais puras que os raios do sol. Noutro lugar, ajunta que um padre que sobe ao altar deveria ser bastante puro e santo para merecer um lugar entre os anjos. Que horror, pois, para os anjos ver um padre inimigo de Deus levar uma mão sacrílega para o Cordeiro sem mancha e fazê-lo seu alimento! Onde se encontraria um homem tão ímpio — exclama Santo Agostinho — que ousasse tocar o Santíssimo com as mãos enlameadas? Muito pior faz o padre que celebra Missa com a consciência manchada. Deus então desvia os olhos, para não ver um atentado tão horrível: “Quando estenderdes as vossas mãos, afastarei de vós os meus olhos” (Is 1,15). E para exprimir o desgosto que lhe causam esses padres sacrílegos, declara que lhes há de atirar à cara a imundícia dos seus sacrifícios. Como ensina o Concílio de Trento, é verdade que o santo sacrifício não pode ser manchado pela malícia do padre. No entanto, os sacerdotes que celebram em estado de pecado mortal não deixam de profanar, quanto podem, este adorável mistério; por isso declara Deus que as manchas deles o atingem de algum modo.

Ah!, Senhor — exclama São Bernardo —, como é possível que os chefes da vossa Igreja sejam os primeiros a perseguir-vos? É bem verdade, segundo São Cipriano, que o padre que celebra em estado de pecado mortal ultraja, com a sua boca e com as suas mãos, o próprio corpo de Jesus Cristo. Pedro Comestor ajunta que, quando um padre fora da graça de Deus pronuncia as palavras da consagração, escarra, por assim dizer, no rosto de Jesus Cristo; e quando recebe na sua boca indigna o corpo adorável do Salvador, é como se o lançasse na lama. Mas que digo? Na lama? O padre em estado de pecado é pior que a lama. A lama — diz Teofilato — é muito menos indigna de receber essa carne divina do que um padre sacrílego. Segundo São Vicente Ferrer, esse miserável comete então muito maior crime do que se atirasse o Santíssimo a uma sentina. E tal é também o sentir de São Tomás de Vilanova: Que abominação — exclamava ele — derramar o sangue de Cristo na sentina infecta do seu coração!

O pecado do padre é sempre gravíssimo em razão da injúria que ele faz a Deus, que se dignou escolhê-lo para seu ministro e cumulá-lo de tantas graças. Observa São Pedro Damião que uma coisa é transgredir as leis do príncipe, e outra feri-lo com suas próprias mãos, como faz o padre quando celebra em estado de pecado mortal. Tal foi o crime dos judeus que ousaram levantar as mãos contra a pessoa de Jesus Cristo. Mas, segundo Santo Agostinho, o pecado dos sacerdotes que celebram indignamente é muito mais grave ainda.

Os judeus não conheciam o Redentor como o conhecem os padres. Ademais — diz Tertuliano —, os judeus só uma vez levantaram as mãos contra Jesus Cristo, ao passo que os padres sacrílegos têm a audácia de renovar com frequência esta injúria. Notai além disto, como ensinam os doutores, que o sacerdote sacrílego ao celebrar comete quatro pecados mortais: 1) consagra em estado de pecado; 2) comunga em estado de pecado; 3) administra o Sacramento em estado de pecado; 4) ministrando-o a si próprio, administra-o a um indigno, visto que se encontra em estado de pecado.

Era o que inflamava em zelo São Jerônimo e o fazia ferver de indignação contra o diácono Sabiniano. “Miserável — exclamava —, como não se cobriram de trevas os vossos olhos? Como não se vos gelou a língua na boca? Como vos atrevestes a assistir no altar em estado de pecado?”

Dizia São João Crisóstomo que o padre que se aproxima do altar com a consciência manchada de falta grave é muito pior que o demônio. Com efeito, os demônios tremem na presença de Jesus Cristo, como o prova uma passagem que lemos na vida de Santa Teresa. Indo ela um dia comungar, percebeu, aos dois lados do padre que celebrava em pecado, dois demônios, que tremiam à vista do Santíssimo e pareciam querer fugir. Então, do meio da hóstia consagrada, Jesus dirigiu à Santa estas palavras: “Vê que força têm as palavras da consagração, e vê também, ó Teresa, até onde vai a minha bondade, que, para teu bem e de todos, consinto em me pôr nas mãos do meu inimigo”.

Assim os demônios tremem à vista de Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento, ao passo que o padre sacrílego não só não treme, mas tem a audácia de “calcar aos pés — segundo a expressão de São João Crisóstomo — a própria pessoa do Filho de Deus”. Verificam-se então as palavras do Apóstolo: “Quanto mais digno de castigo deveis crer aquele que calca aos pés o Filho de Deus, e trata como uma coisa impura o sangue da aliança pelo qual foi santificado?” (Hb 10,29). Em presença, pois, deste Deus a cuja vista, diz Jó, “tremem as colunas do céu”, um verme da terra ousa calcar aos pés o sangue de Filho de Deus!

Mas ai! Que maior desgraça pode acontecer a um padre do que mudar a sua salvação em condenação, o sacrifício em sacrilégio, e a sua vida em morte? Sem dúvida foram muito ímpios os judeus, que atravessaram o lado de Jesus Cristo para dele fazerem sair o seu precioso sangue; mas ainda mais ímpio é o padre, que tira do cálice este mesmo sangue para o tratar dum modo tão indigno! Tal é o pensamento de Pedro de Blois [i]. O próprio Senhor dizia um dia a Santa Brígida, lamentando-se destes padres sacrílegos: Eles me crucificam mais cruelmente do que o fizeram os judeus. O padre que celebra em estado de pecado — diz um autor — chega, por assim dizer, a matar o próprio Filho de Deus sob os olhos de seu Pai.

“Alegoria do Santíssimo Sacramento”, por Juan Correa.

Oh, que horrível traição! Eis como Jesus Cristo se lamenta do padre sacrílego pela boca de Davi: “Se o meu inimigo me tivesse execrado, tê-lo-ia sofrido; mas tu, meu amigo íntimo e um dos chefes do meu povo, tu que partilhavas das delícias da minha mesa…” (Sl 54,13). Tal é, feição por feição, o padre que diz a Missa em pecado mortal: Se o meu inimigo me tivesse ultrajado, diz o Senhor, eu o teria sofrido com menor pena; mas tu, a quem escolhi para meu ministro, para seres o príncipe do meu povo; tu, venderes-me ao demônio por um capricho, por um prazer animal, por um pouco de lodo!?

Foi o que o divino Mestre declarou mais particularmente a Santa Brígida: Padres tais não são sacerdotes meus, são antes traidores, porque me vendem como Judas. Aos olhos de São Bernardino de Sena, estes sacerdotes são ainda piores que Judas: com efeito, Judas entregou o Salvador aos judeus; mas eles entregam-no aos demônios, lançando-o num lugar submetido ao seu poder, no seio dum padre sacrílego. Pedro Comestor faz esta reflexão: Quando o padre sacrílego sobre ao altar, recita a oração Aufer a nobis e beija o altar [ii], parece que Jesus Cristo lhe censura o seu crime e lhe diz: “Ó Judas! É com um beijo que me entregas?” E quando depois esse padre estende a mão para comungar, observa São Gregório, parece-me ouvir o Redentor a dizer como outrora a respeito de Judas: “Eis comigo sobre o altar a mão que me entrega!” Foi o que fez Santo Isidoro de Pelusa dizer que “o padre sacrílego se encontra, como Judas, possesso do demônio”.

Oh, como então o sangue de Jesus Cristo, assim profanado, grita contra este padre indigno ainda em mais altas vozes que o sangue do inocente Abel contra Caim! Foi o que o Salvador disse a Santa Brígida.

Oh!, que horror causa a Deus e aos anjos uma Missa celebrada em pecado mortal! Fê-lo o Senhor compreender um dia, em 1688, à sua fiel serva, a irmã Maria Crucificada, de Palma, na Sicília, conforme se lê na sua vida. Ouviu primeiro o retinir lúgubre duma trombeta, que com o estampido do trovão fazia ouvir em todo o mundo estas palavras: Ultio, poena, dolor! — “Vingança, pena, dor!” Viu depois uma multidão de eclesiásticos sacrílegos, cujas vozes confusas formavam uma salmodia discordante. A seguir, um dentre eles se ergueu para dizer Missa. Enquanto ele se revestia dos ornamentos sagrados, a igreja se cobriu de trevas e luto. Aproxima-se do altar e diz: Introibo ad altare Dei — “Entrarei no altar de Deus” [iii]. Neste instante, de novo retine a trombeta e repete: Ultio, poena, dolor! De repente, turbilhões de chamas se elevam e cintilam em volta do altar — sinal visível da justa cólera do Senhor contra o ministro indigno. Ao mesmo tempo, a religiosa distingue uma legião de anjos armados de espadas ameaçadoras, como para tirarem vingança do sacrilégio que se vai cometer.

Quando o monstro se prepara para o grande ato da consagração, uma multidão de serpentes saltam do meio das chamas para o expulsarem do altar — símbolo dos temores e remorsos da consciência. É em vão: o sacrílego sacrifica todos os remorsos à sua própria reputação, e pronuncia enfim as palavras da consagração. Então a serva de Deus observa um tremor universal, que parece abalar o céu, a terra e o inferno.

“Agnus”, de Konstantin Korobov.

Depois da consagração a cena muda: Jesus Cristo aparece como um doce cordeiro, que se deixa maltratar entre as garras desse lobo cruel. No momento da Comunhão, o céu se obscurece e se abala novamente, a ponto de parecer que a igreja desaba. Os anjos choram amargamente ao redor do altar. Mas ainda mais amargas são as lágrimas que inundam o rosto da Mãe de Deus: geme ela sobre a morte de seu Filho inocente, e sobre a perda de um filho culpado.

Depois de uma visão tão terrível, a serva de Deus permaneceu de tal modo aterrada e abatida pela dor que não pode fazer outra coisa senão chorar. O autor da sua Vida nota que foi precisamente no mesmo ano de 1688 que se deu o grande terremoto que tantos estragos fez na cidade de Nápoles e seus contornos, donde se pode concluir que tal castigo foi efeito da celebração desta Missa sacrílega.

Santo Agostinho diz: Poderá haver no mundo impiedade mais horrenda que daquela língua que faz descer do céu à terra o Filho de Deus e passa a ultrajá-lo no mesmo tempo que o chama? Daquelas mãos que se banham ao mesmo tempo no sangue de Jesus Cristo e no sangue do pecado? Dirigindo-se ao padre sacrílego, exclama São Bernardo: “Ó miserável, quando quiseres levar as tuas culpas até o extremo, pelo menos procura outra língua diferente da que se banha com o sangue de Jesus Cristo, e outras mãos que não sejam as que tocam a sua carne sagrada”.

Se tais padres dispostos a comportar-se como inimigos de Deus, que os elevou a tão altas funções, se abstivessem ao menos de sacrificar indignamente no altar! Mas não — diz São Boaventura —, para não perderem o salário miserável de uma Missa, uma vil moeda, ousam cometer um crime tão horrível. “Como assim! — para falar segundo a linguagem de Jeremias — pensais então que a carne de Jesus Cristo que ides oferecer vos há de livrar das vossas iniquidades?” Não! O contato desse corpo adorável, sobre o qual vos atreveis a estender uma mão conspurcada pelo pecado, servirá para vos tornar mais culpados ainda e dignos de maior castigo. Quando se comete um crime — diz São Pedro Crisólogo — na presença do próprio juiz, nenhuma desculpa se pode invocar.

Que castigo não merece sobretudo um padre que, em vez de levar consigo ao altar o fogo do amor divino, intromete lá as chamas infectas de afeições impuras! É do que nos adverte São Pedro Damião ao considerar o castigo dos filhos de Aarão que no sacrifício serviram-se dum fogo estranho: 

Quem tiver uma tal audácia infalivelmente será consumido pelo fogo da vingança divina. Que Deus nos guarde, pois, de virmos adorar no altar o ídolo da impureza, e colocar o Filho da Virgem no templo de Vênus (isto é, num coração impudico). Se aquele homem do Evangelho por se ter apresentado no festim sem a veste nupcial, foi condenado às trevas eternas, que castigo bem mais terrível está reservado para quem, admitido à sagrada mesa, não só não se encontra preparado com o vestido conveniente, mas até exala o cheiro infecto da impudicícia?

“Desgraçado — exclama São Bernardo — o que se afasta de Deus; mas muito mais desgraçado o padre que se aproxima do altar com a consciência manchada”. Falando um dia o Senhor a Santa Brígida a respeito de um padre sacrílego, disse-lhe que entrava na alma dele como Esposo com desejo de o santificar, mas pouco depois se via obrigado a sair como Juiz para castigar a injúria que lhe fazia este ministro indigno recebendo-o em estado de pecado mortal.

Mas, se o horror do ultraje, ou, para melhor dizer, dos inúmeros ultrajes que faz a Deus uma Missa sacrílega não pode impedir esses padres culpados de celebrarem em estado de pecado mortal, deveriam eles ao menos tremer com o pensamento do grande castigo que lhes está preparado. Segundo São Tomás de Vilanova, não há castigo bastante rigoroso para punir tal crime como ele merece [iv]. O Senhor disse a Santa Brígida que tais padres são amaldiçoados por todas as criaturas no Céu e na terra.

Como noutra parte dissemos, o padre é um vaso consagrado a Deus. Portanto, assim como Baltasar foi punido por ter profanado os vasos do Templo, do mesmo modo — diz São Pedro Damião — será punido o sacerdote que celebra indignamente: “Vemos os sacerdotes que ultrajam os vasos consagrados a Deus; mas já se aproxima aquela mão misteriosa e aquela inscrição terrível: Menê, Téquel, Perês — numerado, pesado, dividido” (cf. Dn 5,25-28). Numerado, quer dizer, um só sacrilégio basta para suspender a torrente das graças divinas. Pesado: é bastante para fazer pender a balança da justiça divina e decidir a ruína eterna do padre culpado. Dividido: Deus, indignado por um crime tão grande, o repelirá e afastará de si para sempre.

É assim que se há de cumprir a palavra de Davi: “Torne-se em ruína sua a mesa posta diante deles” (Sl 68,23). Sim, o altar há de tornar-se para este desgraçado o lugar do seu suplício: ali será carregado com as cadeias que hão de retê-lo para sempre escravo do demônio, fazendo-o perseverar no mal; porque, segundo São Lourenço Justiniano, todos os que comungam em pecado mortal permanecem mais obstinados na sua malícia. Isto está de acordo com o que o Apóstolo declarou: “O que come e bebe indignamente, come e bebe a sua própria condenação” (1Cor 2,29). Exclama sobre este ponto São Pedro Damião: “Ó sacerdote, tu que deves oferecer um sacrifício a Deus, por que não temes oferecer-te a ti mesmo antes como vítima ao espírito maligno?”

Referências

  • Trecho traduzido e adaptado passim do livro A Selva, de Santo Afonso de Ligório (parte 1, capítulo 7, “A Missa Sacrílega”). O texto aqui apresentado começa a partir da frase Ma se mai un sacerdote celebra in peccato mortale, questi dà onore a Dio?

Notas

  1. Quam perditus ergo est qui redemptionem in perditionem, qui sacrificium in sacrilegium, qui vitam convertit in mortem! Verbum beati Hieronymi est: “Perfidus Iudaeus, perfidus Christianus; ille de latere, iste de calice sanguinem Christi fundit” (Epist. 123).
  2. Na Missa antiga ou rito de São Pio V, a oração Aufer a nobis era rezada pelo sacerdote ao subir ao altar, e dizia: “Afastai de nós, Senhor, vos pedimos, as nossas iniquidades, a fim de merecermos entrar de alma pura no Santo dos Santos”. Logo a seguir, o sacerdote se inclinava, começava uma outra oração e beijava o altar. No rito atual, esse ósculo sobre o altar é feito antes mesmo do Sinal da Cruz, conforme a rubrica do Missal: Cum ad altare pervenerit, facta cum ministris profunda inclinatione, osculo altare veneratur (N.T.).
  3. Assim começava a Missa no rito de São Pio V, com as palavras do Salmo 42 (N.T.).
  4. Vae sacrilegis manibus, vae immundis pectoribus impiorum Sacerdotum! Omne supplicium minus est fragitio quo Christus contemnitur in hoc sacrificio.

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