Hoje em dia, em muitos ambientes cristãos, é quase impossível evitar o discurso sobre a importância de discernir a própria "vocação pessoal". Aparentemente, essa expressão diz respeito ao chamado específico que Deus faz a cada indivíduo, por meio do qual cada um deve viver o seu chamado particular à santidade. Essa linguagem, no entanto, reflete uma meia verdade. De fato, nós devemos seguir a vontade de Deus em tudo o que fizermos. Mas essa história de "chamado" geralmente traz consigo um equívoco crucial sobre o discernimento, um erro cardeal completamente alheio à grande tradição da Igreja.

A confusão está enraizada no geralmente esquecido pecado da presunção. Porque, quando um cristão vai à oração com a expectativa de que Deus irá revelar-lhe um plano personalizado para a sua vida, ele está se presumindo recebedor de uma milagrosa revelação privada da parte de Deus. É claro que a história cristã já viu numerosos exemplos disso, particularmente com alguns dos mais veneráveis místicos da Igreja, mas Deus não está obrigado de nenhuma forma a agir dessa maneira — e longe de nós nos acharmos dignos de receber uma mensagem tão extraordinária de Nosso Senhor!

Mas, se um cristão não deve presumir que Deus irá querer revelar-lhe sobrenaturalmente a sua "vocação pessoal", como então ele deve conhecer a vontade de Deus para a sua vida? Eu me arriscaria a dizer que, se ele tem frequentado a igreja semanalmente e recebeu pelo menos uma catequese razoável ao longo do caminho, ele provavelmente já conhece a vontade de Deus para a sua vida. Cristo a resume sucintamente nos Dez Mandamentos, e ainda mais sucintamente em Mt 22, 34-40: "Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento" e "Amarás teu próximo como a ti mesmo". Nisso, bem como nos mandamentos da Igreja, consiste toda a instrução de que precisamos para alcançarmos a nossa felicidade e chegarmos à salvação eterna.

Em um documentário recente sobre a vida monástica entre os cristãos orientais, o teólogo da Universidade de Nova Iorque, Norris Chumley, pergunta a um monge ucraniano se Deus fala com ele na oração. "Ele não fala comigo", responde o monge, "porque ele já falou tudo por meio do Evangelho e por meio das obras dos Santos Padres, dos santos". Uma resposta como essa pode soar próxima à blasfêmia para os cristãos contemporâneos — e, no entanto, ela reflete perfeitamente o consenso da Igreja de 2 mil anos. Em geral, Deus parece prover as graças de que as pessoas precisam para servi-Lo, seja qual for o estado de vida em que se encontrem.

Portanto, Deus não diz a cada um exatamente o que fazer o tempo todo. Também não necessariamente Ele nos diz o que fazer a respeito das grandes decisões da vida, incluindo a escolha entre a vida religiosa e a vida secular. Ele nos abençoa com algumas opções boas e virtuosas e, então, deixa a decisão para nós. Como diz uma sentença classicamente atribuída a Santo Agostinho: "Ama a Deus e faz o que quiseres".

Essa atitude obviamente vai contra boa parte da moderna literatura popular sobre vocação, que recomenda, a quem está em dúvida, que olhe para dentro de si mesmo e veja se os seus desejos indicam que Deus o separou para viver uma vida religiosa. Então, além da orgulhosa presunção que se esconde nessa prática comum, a típica mensagem moderna sobre discernimento também semeia uma perigosa confusão a respeito da natureza da vocação religiosa.

A vida religiosa é um chamado mais elevado, não um chamado esotérico e separado. Assim como dar vinte reais no ofertório da Missa não é tão bom quanto ofertar cem reais, ainda assim ambos são bons, e não há imoralidade alguma em optar pela opção heroicamente generosa e mais elevada. Essa é uma antiga doutrina da fé, mas, as pessoas hoje em dia fogem dela com muita frequência e tentam mitigar a verdade revelada de que a vocação religiosa é mais perfeita do que pode ser qualquer vida secular. A mensagem de Nosso Senhor a São Paulo nas Escrituras, e da tradição da Igreja através da história, é simplesmente esta: "Deixem que aqueles que podem ter vida religiosa a tenham".

Deus diz a Jeremias que os planos que tem para nós são para a nossa felicidade, e não para a nossa desgraça (cf. Jr 29, 11). Ao mesmo tempo, porém, Ele não diz que Jeremias conhecerá esses planos antes de eles chegarem ao seu cumprimento. Deus promete nunca abandonar o cristão em sua peregrinação rumo ao Céu, mas não promete que o caminho à sua frente ficará claro antes que ele passe por aí. Essa rejeição aparentemente radical do termo "vocação pessoal", é claro, não significa que Deus não se importe com o que vou fazer da minha vida — quer dizer simplesmente que Deus não condena todos os caminhos, mas apenas um, o do pecado.

O cristão deve fazer as grandes decisões da vida assim como toma todas as suas decisões: avaliando como ele pode servir a Deus, escolhendo um plano de vida correspondente, e tendo a coragem de seguir em frente e colocá-lo em prática. Como escreve o Papa Bento XVI, "ao ouvir a Deus e caminhar com Ele eu me torno realmente eu mesmo. O que importa não é a realização dos meus próprios desejos, mas a Sua vontade. Assim a vida se torna autêntica". Que cada um de nós possa ter a coragem de viver uma vida autêntica dessa forma, livre dos fardos desnecessários que nós mesmos impomos sobre nós — e longe do que um amigo meu chama de "a síndrome do discernimento vocacional perpétuo".

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