Na bula em dava a Santo Afonso o título de Doutor da Igreja, Pio IX disse: “Afonso… escreveu muitos livros repletos de erudição sagrada e de piedade para abrir, em meio às opiniões emaranhadas tanto dos laxistas como dos rigoristas, um caminho seguro pelo qual os diretores das almas fiéis pudessem passar com segurança”. E São Pio X, numa carta de 12 de junho de 1905 ao Pe. Leonardo Gaudé, chamou a Santo Afonso “um Doutor que todos podem seguir sem medo nas doutrinas sobre moral”.
Tais são os elogios dos Sumos Pontífices ao grande Doutor da Moral.
Contudo, poucos conhecem a profunda vida interior de Santo Afonso, que era sem dúvida um grande místico. Neste trecho de sua biografia, podemos vislumbrar algo da bela alma que tinha este luzeiro da Santa Igreja.
A devoção de Santo Afonso à Paixão do Salvador resplandecia sobretudo durante a Semana Santa, como já o temos feito notar. Nessa ocasião, permanecia silencioso, absorto na contemplação do doloroso mistério, triste como se sentisse as dores do Salvador. Nos três últimos dias, redobrava suas mortificações à mesa e flagelava-se até ao sangue meditando na cruel flagelação de Nosso Senhor. Fazia questão que todos os ofícios se celebrassem com piedade, e que o canto fosse executado de um modo simples e piedoso. Quem o via ao altar na Quinta-feira ou Sexta-feira Santa não podia conter as lágrimas. Um dos padres confessa que uma vez, contemplando a expressão do seu rosto, sua atitude recolhida e o respeito com que executava as cerimônias, não pôde conter um grito de admiração. Na Sexta-feira Santa, era ele que pregava o sermão da Paixão ao povo. Uma vez começou o sermão com as palavras: Dio é morto, “Nosso Deus morreu!” Mas pronunciou-as com tal acento de tristeza e compunção que o auditório prorrompeu em soluços.
Não separava Jesus de sua mãe Maria. Invocava, todos os instantes, aquela que considerava sua advogada necessária junto do Salvador. Além das práticas de piedade de que já temos falado, fez o voto de recitar diariamente, em sua honra, os cinco salmos de São Boaventura [i]. Devotíssimo de São José, pedia-lhe todos os dias a graça de uma boa morte. São José obteve-lhe a graça de deixar esta terra numa quarta-feira, alguns dias antes da bela festa da Assunção de Maria, para poder celebrá-la com os anjos em sua entrada no Céu.
Deus, que ama os que o amam, fazia-o antegozar as alegrias do paraíso. O Fr. Verdesca narra o seguinte:
No começo de 1762 fui de manhã ter com o nosso pai para recitar com ele, como de costume, o Ofício Divino. Entrando na cela, vi-o elevado dois ou três palmos acima da cadeira em atitude de um homem meio-sentado e meio-ajoelhado. Tinha os braços estendidos, os olhos abertos e erguidos para o Céu, o rosto abrasado, luminoso, como que transfigurado. Entrei devagar na cela e ajoelhei-me entre a cadeira e o leito de modo a poder contemplar-lhe o rosto, virando a cabeça. O êxtase durou quase um quarto de hora, que me pareceu, porém, um instante. Enquanto eu, os olhos banhados em lágrimas, considerava aquele espetáculo celeste, o servo de Deus deu um suspiro profundo e exclamou:
— Meu Deus, meu Deus!
Voltou a si nesse momento e estava outra vez em sua poltrona no estado natural. Eu prorrompi em soluços, o que lhe fez notar a minha presença e o cobriu de confusão. Voltando-se para mim, disse-me com um ar de suave repreensão:
— Estáveis aí? Não conteis a ninguém o que vistes.
E pusemos-nos a rezar o ofício, mas ele estava como que aturdido sob a impressão daquele prolongado êxtase.
Dessa união íntima com Deus jorrava sobre a alma de Afonso uma caridade imensa para com todos os privilegiados do Coração de Jesus. Daí sua ternura compassiva para os indigentes, e suas copiosas esmolas. Exortava todos os reitores a socorrerem os pobres, embora fossem eles também desprovidos de riquezas. “Tende confiança em Deus — dizia —, e se derdes aos membros padecentes de Jesus Cristo, Ele vos dará aquilo de que tendes necessidade: Date et dabitur vobis” [i.e., “Dai e vos será dado”].
Ele mesmo, embora quase sempre em apuros, distribuía víveres a quem se apresentava, sem indagar muito quem é que implorava a sua piedade.
Interessava-se, sobretudo, pelas pessoas cuja virtude estava em perigo pela falta de recursos. A quantas almas fracas ele não preservou do naufrágio ou retirou do abismo por suas exortações e sua caridade! As religiosas, a quem muitas vezes tudo falta dentro dos conventos, eram objeto também da sua solicitude. Informado de que o mosteiro de Foggia, fundado pela Irmã Maria Celeste, se achava não só endividado mas privado de todo recurso, mandou um padre a Foggia para implorar o óbolo das almas caridosas da cidade, conseguindo assim tirar do embaraço essas religiosas do Santíssimo Salvador, que considerava, com direito, como as irmãs mais novas do instituto. Não poucas vezes correu ele em socorro das irmãs de Scala, que morriam de fome naqueles rochedos. A pensão que lhe dava seu irmão Hércules, a da sociedade dos Doutores, os rendimentos da sua capelania, todo o dinheiro, numa palavra, que recebia dos diversos lados, só passavam por suas mãos de caminho para a bolsa, sempre vazia, dos reitores, ou para as mãos dos pobres.
Os doentes sempre tiveram nele um pai cheio de compaixão e ternura. Visitava-os mais vezes por dia sem fazer distinção de noviços e professos, confrades ou empregados. Sentado junto do leito informava-se de suas necessidades, consolava-os, confortava-os animando-os a sofrer por Jesus Cristo. Ao encontrar-se com o enfermeiro pedia notícias deles e recomendava-lhes que executasse à risca as ordens do médico quanto à alimentação e aos remédios. Quando o caso era grave como, por exemplo, nas convalescenças perigosas, ele mesmo assistia às refeições dos doentes para se assegurar pessoalmente da qualidade e da quantidade dos alimentos.
Na vida de comunidade, as suas relações com os confrades eram impregnadas do mesmo espírito de caridade. Sempre afável e paciente, sem afetar nenhuma singularidade, os que com ele conviveram no-lo apresentam como um bom pai no meio dos filhos, dando-lhes o exemplo de todas as virtudes, mas sempre como um simples religioso. “Os religiosos fantásticos, de lábios encadeados e rosto carrancudo parecem-se com os inovadores — dizia —, os quais para se impor em público, tomam ares de austera gravidade”. E acrescentava: “Deus não gosta de afetação”.
Afonso nunca falava de si mesmo senão para a edificação dos seus confrades. Um dia, por ocasião de um aniversário, contou aos estudantes muitas particularidades referentes à sua vocação, por exemplo, o fracasso que decidiu a sua retirada do foro, a luta que teve com seu pai, a série de dificuldades que teve a vencer para deixar Nápoles. Quanto à razão que determinou sua saída do mundo, foi a meditação do quid prodest [ii].
“Essa máxima, disse, levou muitos santos a renunciar o mundo, por exemplo, Santo Inácio e São Francisco Xavier; e para dizer a verdade, foi esse pensamento que me fez fugir. Meu pai enumerou-me todas as vantagens duma posição naturalmente muito satisfatória, mas eu me disse: Quid prodest, tudo isso passará bem depressa e decidi-me a deixar essas vaidades, esses bens perecíveis”.
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... a vossa bênção PE. Paulo Ricardo ... " Deus. não gosta de afetação " ... Santo. Afonso , sempre afável,caridoso , paciente na vida de comunidade com seus confrades , nunca falava de si mesmo , á razão que determinou sua decisão para vida religiosa foi a meditação do " quid prodest , essa máxima levou muitos santos a renunciar o mundo" ... Seu pai enumerou várias vantagens !... mas na sua meditação Quid prodest ... tudo isso passará bem depressa e decidi - me a deixar essa vaidade , esses bens perecíveis " ... Santo. Afonso de Ligorio rogai por nós !...