A vida de Santo Eustáquio é tão maravilhosa, que há quem a considere mais uma lenda piedosa que uma verdadeira biografia. A razão disso é que essas pessoas não percebem como o Senhor costuma agir milagrosamente com seus santos e por quais caminhos insólitos Ele os conduz ao fim que lhes preparou. A Sagrada Escritura nos dá mais de um exemplo disso, como no caso de José, filho do santo patriarca Jacó, e de Davi. A vida deles mostra claramente que não devemos duvidar de uma história por conter muitos acontecimentos surpreendentes, especialmente se for confirmada por testemunhos antigos e indiscutíveis. Como os possuímos em relação à história que se segue, não hesitamos em apresentá-la aos nossos leitores. 

Santo Eustáquio nasceu e foi educado no paganismo. Antes de receber o Batismo, chamava-se Plácido. Buscou a glória nas façanhas militares e deu, sob os imperadores romanos, tantas provas de sua competência como general, que se tornou muito ilustre e gradualmente ascendeu à dignidade de comandante supremo. Não tinha nenhum dos vícios habituais dos pagãos; ao contrário, portava-se de forma muito louvável. Quando não estava no campo, passava o tempo caçando. Um dia, perseguia um grande veado, que, de repente, voltou-se para ele e parou. Plácido ficou espantado ao ver, entre os chifres do animal, um crucifixo envolto por uma luz brilhante, e ouviu de sua boca as mesmas palavras que Nosso Senhor havia dito a Saulo, perseguidor dos primeiros cristãos: “Plácido, por que me persegues? Eu sou Jesus, que morreu por amor a ti, e que te salvará.” Plácido, muito surpreso, caiu de joelhos e disse: “Que queres que eu faça?” “Vai à cidade”, foi a resposta; “procura um sacerdote e batiza-te, com tua mulher e teus filhos; depois volta para cá.” 

“A visão de Santo Eustáquio”, por Pisanello.

Plácido obedeceu à voz celestial, foi à cidade, procurou e encontrou um sacerdote, que o instruiu e batizou a ele, sua mulher e seus dois filhos. Plácido recebeu no Batismo o nome de Eustáquio; a esposa dele, que se chamava Tatiana, recebeu o nome de Teopista; o filho mais velho foi chamado Agápio, e o mais novo, Teopisto. Depois disso, Eustáquio voltou para a floresta, orando humildemente para que Deus deixasse ainda mais clara sua santa vontade. O Salvador apareceu-lhe como antes, dizendo: “Fizeste bem; foste obediente. Agora que és cristão, prepara-te para sofrer. Aproxima-se uma grande luta, mas não temas; sê constante. Dou-te a certeza da minha ajuda e prometo-te a coroa da glória eterna.” Eustáquio, embora a princípio assustado com tais palavras, submeteu-se à vontade divina, sabendo que o Todo-Poderoso estaria com ele. Sua mulher e seus filhos manifestaram o mesmo sentimento quando ele lhes contou o que havia acontecido; e todos decidiram receber de bom grado das mãos de Deus quaisquer provações que Ele quisesse impor-lhes. 

A ocasião para mostrar sua fidelidade logo se apresentou. Por causa de uma doença e de um infortúnio, Eustáquio ficou tão pobre que foi obrigado a deixar secretamente a cidade com sua família, e decidiu ir para o Egito, pois lá não era conhecido. Quando já se encontravam a bordo do navio em que fariam a viagem, o proprietário da embarcação, fixando os olhos em Teopista, ordenou que ela fosse levada à força para a costa, enquanto, apesar de todos os protestos de Eustáquio, o navio zarpava. Teopista permaneceu em poder do homem ímpio, mas o Todo-Poderoso não permitiu que lhe fizessem mal, pois assim que o delinquente pôs a mão nela, Deus o castigou com uma morte súbita. Assim a mulher foi libertada. 

Nesse ínterim, Eustáquio continuou sua infeliz e perigosa viagem, profundamente triste com a perda da esposa. Por fim, chegou a terra firme e em segurança com os filhos, mas a uma distância considerável do destino final. No trajeto, passaram por um rio, onde não havia ponte nem embarcação que os levasse até a margem oposta. Após longa deliberação, Eustáquio decidiu levar cada um dos seus filhos pela água. Tomando o primeiro, levou-o em segurança para a margem oposta, mas, quando voltou para buscar o segundo e já tinha chegado ao meio da corredeira, para sua indescritível angústia, viu levá-lo um leão. Percebendo que qualquer tentativa de resgate seria loucura, virou-se para buscar o outro filho, mas, antes que pudesse alcançá-lo, outra fera também o agarrou e arrastou para a floresta. 

Lá estava Eustáquio, outrora tão próspero, sem mulher, sem filhos, sozinho, sem ajuda humana, numa terra estranha. O herói cristão, no entanto, lembrou-se das palavras de seu Salvador e, enterrando sua dor no fundo do coração, submeteu-se à divina Providência. Sem saber o que fazer para ganhar a vida, colocou seus trabalhos à disposição de um camponês e serviu-o, não sem muita luta interior, durante quinze longos anos. 

“A visão de Santo Eustáquio, com outras cenas de sua fé sendo provada”, por Maerten de Vos.

Passado esse tempo, hordas inimigas invadiram a Itália, e o Imperador Adriano, lembrando-se de seu valente general Plácido, procurou-o por toda a parte. Finalmente o encontraram e levaram ao imperador, que o nomeou comandante supremo de todo o exército e ordenou-lhe que marchasse contra o inimigo. Eustáquio obedeceu à ordem, foi até o adversário em nome do Senhor dos Exércitos, venceu-o e regressou a Roma repleto de valiosos despojos. 

Durante a marcha de regresso, acampou certa vez nas proximidades de uma aldeia à qual os seus soldados iam frequentemente, e foi lá que Deus quis reunir o herói cristão, Eustáquio, à sua esposa e aos seus dois filhos, que há muito julgava perdidos para sempre. Os dois filhos eram soldados e faziam parte do mesmo exército que regressava agora a Roma, mas os dois não se conheciam. 

Um dia, quando ambos jantavam com alguns de seus camaradas em frente à porta de uma casa na aldeia, começaram a falar da sua vida pregressa. Um deles disse: 

Sou filho de um grande general, que fugiu de casa com minha mãe, meu irmão e eu. Não sei o que aconteceu com minha mãe, mas lembro bem que meu pai, quando chegamos a um riacho, levou meu irmão até o outro lado, deixando-me na margem com a intenção de voltar para me buscar. Naquele momento, apareceu um leão e me levou. Ele certamente teria me devorado, se alguns pastores não tivessem me resgatado. Fiquei com eles e tornei-me um soldado com o passar do tempo.

O outro contou que um lobo o apanhara quando estava sentado perto de um rio, e que havia ficado com os camponeses que o salvaram até o início da guerra, quando se juntou ao exército. Enquanto conversavam, entreolharam-se e um reconheceu no outro seu próprio irmão. Abraçaram-se e derramaram lágrimas de alegria. 

A mãe deles, Teopista, servia na mesma casa diante da qual estavam sentados os irmãos. Ouviu tudo o que disseram e concluiu que se tratava de seus filhos. Aproximando-se deles, olhou-os atentamente e, vendo certos sinais pelos quais não podia deixar de reconhecê-los, abaixou-se, tomou-os pelo pescoço e, apertando-os contra o coração, disse, em meio a uma torrente de lágrimas, que era sua mãe. 

Depois disso, foram falar com Eustáquio, o comandante, para lhe contar o que havia acabado de acontecer e pedir-lhe permissão para ir a Roma, sua terra natal. Porém, assim que ela começou a contar sua história, eles se reconheceram, e não há palavras para descrever a felicidade daquele encontro. Com vozes exultantes, todos eles louvaram e bendisseram o poder da Providência, que tão maravilhosamente, e contra toda esperança, os havia reunido. O exército prosseguiu seu caminho de volta para casa, e Eustáquio, sua esposa e filhos, retornaram a Roma. 

O líder vitorioso foi recebido em meio aos festejos do povo e com todas as manifestações de honra. O imperador, que atribuiu aos deuses a vitória de seu exército sobre o inimigo, marcou um dia de ação de graças, em que lhes deveriam ser oferecidos grandes sacrifícios. Todos os oficiais do Estado e do exército foram ordenados a participar do rito solene. Quando chegou o dia, de todos que haviam sido convocados para o evento, apenas Eustáquio não estava presente. O imperador quis saber o motivo e enviou um mensageiro ao comandante. Este respondeu que, sendo cristão, não podia participar de um sacrifício idolátrico. 

“Eustáquio Plácido no Coliseu”, por Alexey Tarasovich Markov.

Enfurecido, o imperador ordenou imediatamente a prisão de Eustáquio, de sua mulher e de seus filhos. Depois, tentou, com palavras gentis e promessas, convencer Eustáquio a adorar os deuses, mas quando viu que tudo era inútil, mandou lançá-lo, com a mulher e os filhos, aos leões. Os animais, porém, como que esqueceram-se de sua crueldade e, deitando-se aos pés dos santos confessores, não lhes quiseram fazer mal. 

Adriano, porém, mais cruel que as feras da floresta, ordenou que o santo, sua esposa e seus filhos fiéis fossem lançados num imenso touro de bronze incandescente. A sentença desumana foi executada. Os santos mártires, pelo poder divino, permaneceram vivos durante três dias, louvando e bendizendo o grande Senhor da vida e da morte. Por fim, quando suas vozes cessaram, o touro foi aberto e os quatro foram encontrados sem vida, mas também sem qualquer ferimento em seus corpos ou vestes. Esse glorioso martírio ocorreu no ano 120. 

Considerações práticas

I. “Por que me persegues? Eu sou Jesus, que morreu por amor a ti, e que te salvará.”  Santo Eustáquio ouviu estas palavras dos lábios do Salvador crucificado. Se Cristo lhe fizesse a mesma pergunta, qual seria sua resposta? Eis que você o persegue sempre que se torna réu de pecado. Por que faz isso? Por que peca? Por acaso Jesus alguma vez lhe fez mal? Ah! Ele morreu por amor a você e deseja sua salvação. 

Então, por que o ofendeu tantas vezes e de forma tão profunda? Acaso porque esperava ganhar um reino, ou todas as riquezas, honras e prazeres que o mundo contém? Nem tudo isso deveria levá-lo a ofender o seu Deus. Mas você não esperava tanto. Então, por que ofendê-lo? Diga a verdade: por que você tem ofendido o Todo-Poderoso? Por meio do profeta Ezequiel, Deus queixou-se da seguinte forma: “Vós me profanais diante do meu povo por um punhado de cevada e por um pedaço de pão” (Ez 13, 17), isto é, por algo que não tem valor, por um ganho temporal; por uma sensualidade desprezível; por um breve prazer no pecado. Não foi isso que você buscou com o pecado, e a razão pela qual ofendeu o seu Jesus? 

Mas você consegue ouvir tais acusações, consegue mesmo pensar nelas sem que o rubor da vergonha lhe cubra o rosto, e sem que o seu coração, por assim dizer, sangre de tristeza? Oh! O que é um punhado de cevada, um pedaço de pão? Ofender Jesus, o adorável Salvador, que morreu por você e quer salvar a sua alma, ofendê-lo por um punhado de cevada, um pedaço de pão! Oh! Que depravação enorme! Que maldade, merecedora do Inferno!  Humilhe-se e implore humildemente o perdão de seu Salvador; prometa não tornar a ofendê-lo, mesmo que com um só pecado pudesse ganhar todos os tesouros da terra.

“A conversão de Santo Eustáquio”, por Joseph Binder.

II. Quantas dores profundas Santo Eustáquio teve de suportar! Quanto teve de sofrer!  Mesmo assim, submeteu-se aos decretos da Providência e, lembrando-se da promessa do auxílio divino, a esperança não diminuiu em seu coração. 

Você não terá de suportar provações como as dele, mas deve segui-lo a ponto de submeter-se em tudo à vontade do Todo-Poderoso, de unir sua vontade à dele, de nunca murmurar contra Deus e seus juízos, e de ter sempre uma firme confiança nele. A fé lhe ensina o seguinte: tudo o que Deus permite que lhe aconteça, tudo o que Ele ordena, é para o seu bem; basta unir a sua vontade à dele. “Tudo é regido pela Providência divina e, muitas vezes, o que nos parece um castigo, é apenas um remédio, um meio para a nossa salvação”, escreve São Jerônimo. A fé lhe ensina também que Deus não torna a cruz mais pesada do que você pode suportar, amparado pela graça. 

Lembre-se dessas verdades importantes e submeta-se, em todas as provações, à vontade do Altíssimo. Diz o sábio: “Sofre as demoras de Deus; conserva-te unido a Deus, espera pacientemente, para que no fim a tua vida cresça” (Eclo 2, 3). Afinal, escreve Santo Agostinho, “que tem a temer aquele que repousa no seio do Senhor? Não percais a posse deste refúgio, e tudo o que vos acontecer, seja o que for, será para o vosso bem.”

Referências

  • Extraído, traduzido e adaptado passim de: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 363ss.

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