Recebemos no suporte do site a seguinte pergunta: “Tenho uma dúvida com a qual talvez vocês possam me ajudar. Em 1Ts 4,17, São Paulo diz que aqueles que estiverem vivos quando da volta do Senhor não morrerão. Como se posiciona a Igreja com relação a essa teologia paulina? Experimentaremos a morte ou não quando da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo? Haverá arrebatamento?”

Resposta: Em 1Ts 4,17, lê-se conforme o texto da Vulgata: Nos qui vivimus, qui relinquimur (gr. οἱ ζῶντες, οἱ περιλειπόμενοι = os que permanecemos), simul rapiemur cum illis in nubibus obviam Domino in æra. O da Neovulgata é idêntico. A tradução do Pe. Matos Soares o verte assim: “Nós os que vivemos, os sobreviventes, seremos arrebatados juntamente com eles sobre as nuvens, ao encontro de Cristo, nos ares”.

1.ª opinião: Nessas palavras, entendidas em sentido óbvio, costumam basear-se alguns autores para sustentar uma opinião que, na teologia católica, se considera apenas provável, a saber: a de que os homens que estiverem vivos no tempo da parusia não irão morrer, o que parece ser confimado por outra epístola de São Paulo, que em 1Cor 15,51s escreve: “Eis que vos digo um mistério: não morreremos todos, mas todos seremos mudados num momento” (gr. πάντες οὐ κοιμηθησόμεθα, πάντες δὲ ἀλλαγησόμεθα, ἐν ἀτόμῳ) [1].

2.ª opinião: No entanto, os que defendem a universalidade absoluta da morte, claramente atestada na Escritura (cf. Rm 5,12; 1Cor 15, 22; Hb 9, 27; ver também Gn 3,19; Sl 88,49; Eclo 41,5) explicam assim a passagem de 1Ts: os que, na vinda de Cristo, estiverem vivos irão morrer de fato, mas não serão contados entre os que dormem (lt. dormientes, termo usual na Escritura para designar “os que se encontram nos sepulcros”, cf. Jo 5,28) [2]. Nesse sentido, dever-se-iam distinguir dois eventos, provavelmente simultâneos: de um lado, a ressurreição dos que já haviam dormido; de outro, a imutação (ou transformação) dos vivos, que sofrerão primeiro uma morte quase instantânea, como sugere o trecho de 1Cor 15,51 citado acima.

Embora a 2.ª opinião, para Santo Tomás de Aquino, seja a mais segura e comum (cf. Supp. 78, 1) [3], o católico pode seguir a que julgar mais razoável, uma vez que a Igreja nunca definiu nada sobre isso. Por esse motivo, autores como Suárez, ainda que sigam o parecer majoritário entre os latinos, dizem ser mais temerário e imprudente acusar de falsa ou herética a opinião contrária do que escolher, entre as duas, a que parecer mais bem fundada a cada um. A Igreja, afinal, não nos inclina a uma mais do que à outra [4].

Em resumo, o que se deve considerar de fé nesta matéria é o seguinte: (i) haverá a ressurreição dos mortos e (ii) ela será universal, tanto para bons como para maus. Além disso, dar-se-á com o mesmo corpo, de maneira que o mesmo homem irá ressuscitar, com identidade específica e numérica [5].

Não custa lembrar, de resto, que a Igreja considera inaceitável o milenarismo tanto crasso quanto mitigado. O milenarismo crasso afirma que, antes do juízo final e da ressurreição dos mortos, Cristo virá visivelmente para reinar na terra, o que contradiz o dito em Mt 22,33 (cf. Rm 14,17); o mitigado, que ensina o mesmo, mas sem afirmar ou negar nada sobre o tempo da ressurreição, foi censurado como perigoso por decreto do Santo Ofício de 21 jul. 1944 (AAS 36 [1944] 212): “O sistema do milenarismo mitigado não pode ser ensinado com segurança” (DH 3839 = D 2296). A Escritura deixa claro, com efeito, que Cristo não reinará na terra por um período mais ou menos longo de tempo nem antes do juízo, uma vez que este acontecerá logo após a segunda vinda, nem depois, porque subirá aos céus imediatamente (cf. Mt 16,27; 25,46).

Referências

  1. Atualmente, essa é a reconstrução crítica mais provável de 1Cor 15,51, fundada nos códices BEKLP e em muitos minúsculos, além das versões síria, copta, gótica, muitos códices etiópicos e latinos, sem contar o testemunho da maioria dos Padres gregos, de Tertuliano (cf. Adversus Marc. 1, V 12: ML 2,533; De resurrectione carnis, 41s: ML 2, 899ss) e de São Jerônimo (cf. Epistola 59 3, Ad Marcell.: ML 22, 578; In Isaiam LI, 6: ML 24, 503; contudo, na Epistola 119, 2ss, ad Minervium, prefere não tomar partido). 
  2. Os que sustentam tal opinião baseiam-se também na autoridade dos Padres latinos, que com voz quase unânime defenderam a mesma tese. Costuma-se alegar ainda o decreto tridentino sobre a autenticidade da Vulgata, que no sentir de muitos excluiria como contrária ao sentido do texto a leitura crítica de 1Cor 15,51 (cf. e.g. J. B. Franzelin, De divina Traditione et Scriptura III 19; Cornely, no entanto, o põe em dúvida em Introductio Generalis I, p. 477s).
  3. Cf. Suárez, In STh III 56, 50 §2; J. Corluy, Spicilegium dogmatico-biblicum, Gante, C. Poelman (ed.), vol. 1, 1884, p. 338: “A presente questão é uma daquelas que são objeto de livre disputa entre os teólogos”.
  4. Para uma exposição detalhada de 1Ts, ver Santo Tomás de Aquino, Super I Thess. IV 2.
  5. Cf. V. Zubizarreta, Theologia dogmatico-scholastica, Bilbao, Eléxpuru Hnos. (ed), 1939, 3. ed., vol. 4, pp. 510–513, nn. 833–837.

Notas

  • Este artigo é uma tradução adaptada de H. Simón, Prælectiones biblicæ. Novum Testamentum, Turim, Marietti, 1930, 3. ed., vol. 2, p. 116, n. 579; p. 225ss, n. 703s.

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