O dia 20 de maio de 2025 marcou o 1700.º (milésimo septingentésimo) aniversário do primeiro concílio ecumênico da Igreja: o Concílio de Niceia (atualmente İznik, na Turquia), convocado em 325. Este encontro histórico ocorreu poucos anos após o Édito de Milão, promulgado por Constantino em 313, que concedeu liberdade de culto à Igreja. Convocados pelo Imperador Constantino a 20 de maio daquele ano, aproximadamente trezentos bispos se reuniram no palácio imperial para deliberar sobre questões fundamentais da fé.

No centro deste concílio monumental estava a controvérsia do arianismo, heresia que questionava a divindade de Cristo, e que foi formalmente abordada e condenada. O concílio afirmou decisivamente em seu Credo que o Filho de Deus é “gerado, não criado, consubstancial (homoousios) ao Pai” (DH 265-266).

Originalmente, o Credo niceno era um hino de profissão de fé, entoado antes do Batismo. Só mais tarde foi integrado à Missa, primeiro nos ritos bizantino, moçárabe e galicano, até ser finalmente adotado no rito romano.

Por volta do ano 515, o Patriarca de Constantinopla ordenou que o Credo fosse recitado por todos antes da prex eucharistica (“oração eucarística”). A novidade logo se espalhou em todo o Oriente, a ponto de o Imperador Justiniano II sancioná-la como lei no ano 586 [i].
Ícone representando o Concílio de Niceia. Ao fundo está a Basílica de Santa Sofia e, abaixo dos bispos, Ário.

Do Oriente, o costume de recitar ou cantar o Credo se espalhou para o Ocidente. Na Espanha, o terceiro concílio de Toledo, em 589, decretou que o Credo deveria ser recitado na Missa antes do Pater noster, como preparação para a Comunhão. No reino franco-carolíngio, o concílio de Aachen, em 798, colocou o Credo logo depois do Evangelho, uma prática que se espalhou rapidamente da Capela Palatina para toda a Gália. Finalmente, a 14 de fevereiro de 1014, quando São Henrique II († 1024) foi coroado imperador do Sacro Império Romano pelo Papa Bento VIII († 1024), este costume foi introduzido também em Roma.

Inicialmente reservada às celebrações solenes, a recitação do Credo foi gradualmente estendida a todos os domingos e às solenidades mais importantes. “A fórmula adotada na Missa encontra-se nos atos do Concílio de Calcedônia (431), síntese dogmática dos concílios anteriores, de Niceia (325) e Constantinopla (381). Daí sua designação como Credo niceno-constantinopolitano” [ii].

Com o tempo, compuseram-se inúmeras melodias para o Credo, embora o Kyriale (livro litúrgico com os textos do Ordinário da Missa em canto gregoriano) inclua apenas seis:

Das seis melodias do Kyriale Romanum, a mais antiga é a do Credo I, que serve de base para o II, V e VI. As melodias do Credo IV e III são posteriores, do período pós-clássico, respectivamente dos séculos XV e XVII. Assim, se excluirmos as melodias do Credo IV e III, a única melodia “autêntica” que sobra é a do Credo I [iii].

O Credo III, do século XVII, é apresentado na Missa VIII (De Angelis) [a mais conhecida das Missas gregorianas]:

Além do repertório gregoriano, muitos compositores escreveram suas próprias versões do Credo. Entre eles estão Fago († 1745), duas vezes; Vivaldi († 1741), duas vezes; Zelenka († 1745), três vezes; Bach († 1750); Leo († 1744); Galuppi († 1785), duas vezes; Martini († 1784); Cherubini († 1842); Donizetti († 1848), cinco vezes; Rossini († 1868); Elgar († 1934); e Stravinsky († 1971) — para citar apenas alguns.

Entre essas composições, o Credo em Mi Menor (RV 591), de Antonio Vivaldi, destaca-se como uma obra particularmente significativa. Provavelmente composta por volta de 1715, esta peça para coro, órgão e cordas é uma das suas criações mais poderosas e cativantes.

A composição tem quatro movimentos: 

  1. O primeiro (allegro) é uma vigorosa declaração coral de fé, inesperadamente composta em tom menor. 
  2. O segundo (adagio) é o Et incarnatus est (“E se encarnou”), com progressões harmônicas marcantes (especialmente em et homo factus est, “e se fez homem”) e pausas dramáticas, convidando à contemplação profunda. 
  3. O terceiro (largo) é o Crucifixus (“Também por nós foi crucificado”), uma das peças sacras mais profundas já escritas. Sua polifonia contida e misteriosa evoca uma atmosfera triste, quase fúnebre, com inflexões cromáticas que lembram o prelúdio em lá menor do “cravo bem temperado” de Bach. 
  4. O Credo conclui com um radiante allegro, que revisita o tema de abertura, uma marca registrada do estilo de Vivaldi, enquanto o expande com uma fuga majestosa e intricada que eleva toda a peça (Et vitam venturi saeculi. Amen — “E a vida do mundo que há de vir. Amém”).

Esta obra-prima foi apresentada na Sala Paulo VI, no Vaticano, a 5 de maio de 2011. No final do concerto, o Papa Bento XVI fez três comentários:

Primeiramente, um fato anômalo na produção vocal vivaldiana: não há solistas, só o coro. Deste modo, Vivaldi quer expressar o “nós” da fé. O “Credo” é o “nós” da Igreja que canta a sua fé, no espaço e no tempo, como comunidade de crentes; o “meu” ato de declarar “creio” está inserido no “nós” da comunidade. Depois, gostaria de pôr em relevo os dois maravilhosos quadros centrais: Et incarnatus est e Crucifixus. Vivaldi detém-se, como era costume, no momento em que Deus, que parecia estar distante, se aproxima, se encarna e se doa a si mesmo na Cruz. Aqui a repetição das palavras, as modulações contínuas exprimem o sentido profundo da admiração diante deste mistério e exortam-nos à meditação, à oração [iv].

A reflexão final de Bento XVI sublinha a profunda espiritualidade de Vivaldi:

Carlos Goldoni [† 1793], grande representante do teatro veneziano, em seu primeiro encontro com Vivaldi notava: “Encontrei-o rodeado de música e com o breviário nas mãos”. Vivaldi era sacerdote e a sua música nasce da sua fé.

Concluindo: o Concílio de Niceia, em 325, não só moldou a doutrina cristã, mas também deixou uma marca duradoura na liturgia e na música sacra. O Credo niceno-constantinopolitano, nascido dessa grande assembleia eclesial, continua a ser uma pedra angular da fé cristã e inspirou inúmeras composições musicais ao longo dos séculos. Obras como o Credo em Mi Menor, de Vivaldi, ilustram como a arte pode expressar com força os mistérios da fé, criando um diálogo atemporal entre a tradição e o espírito humano.

Referências

  1. A. Turco, Il canto gregoriano, Corso fondamentale. Rome 1996, p. 55.
  2. V. Donella, Musica e liturgia: indagini e riflessioni musicologiche. Bergamo 1991, p. 195.
  3. A. Turco, ibidem, p. 56.

O que achou desse conteúdo?

2
15
Mais recentes
Mais antigos


RM
Regina Maia
25 Mai 2025

Maravilhoso padre Paulo Ricardo! Uma riqueza de conhecimento que o senhor me proporcionou.Preciso estudar mais.Muito obrigado!❤️🙌

Responder
RC
Robson Cola
24 Mai 2025

Sou apaixonado pelo Canto Gregoriano! Domina o meu coração, e alimenta a minha fé!!!

Responder