Você é “pré”, “meso” ou “pós”? Se não sabe responder a esta pergunta, provavelmente você é católico. A maioria dos fundamentalistas e dos evangélicos sabe que essas palavras são abreviações de pré-tribulacionista, meso-tribulacionista e pós-tribulacionista. Todos os termos se referem a quando o “arrebatamento” supostamente acontecerá.
O milênio
Lemos o seguinte em Apocalipse 20, 1-3.7-8:
Vi, então, descer do céu um anjo que tinha na mão a chave do abismo e uma grande algema. Ele apanhou o Dragão, a primitiva Serpente, que é o Demônio e Satanás, e o acorrentou por mil anos. Atirou-o no abismo, que fechou e selou por cima, para que já não seduzisse as nações, até que se completassem mil anos. Depois disso, ele deve ser solto por um pouco de tempo. [...] Depois de se completarem mil anos, Satanás será solto da prisão. Sairá dela para seduzir as nações dos quatro cantos da terra (Gog e Magog) e reuni-las para o combate. Serão numerosas como a areia do mar.
O autor nos diz que o período de mil anos é o reino de Cristo, o qual é popularmente conhecido como milênio. Este, por sua vez, é um precursor do fim do mundo, e o capítulo 20 do Apocalipse é interpretado de três modos diferentes por protestantes conservadores. As três escolas de pensamento são chamadas pós-milenarismo, amilenarismo e pré-milenarismo. Vejamos cada uma delas.
Pós-milenarismo
Na obra The Millennium [“O Milênio”, sem tradução portuguesa], Loraine Boettner diz que o pós-milenarismo é “a opinião sobre as últimas coisas segundo a qual o reino de Deus está se expandindo no mundo por meio da pregação do evangelho e da obra salvífica do Espírito Santo, que o mundo terminará sendo cristianizado e o retorno de Cristo ocorrerá no final de um longo período de justiça e paz, comumente chamado de milênio”.
Essa opinião era popular entre os protestantes do século XIX, quando o progresso era esperado até na religião e antes de a humanidade experimentar os horrores do século XX. Hoje poucos aderem a ela, exceto grupos como os reconstrucionistas cristãos, fruto do movimento presbiteriano conservador.
Em geral, os pós-milenaristas dizem que o milênio do qual fala Apocalipse 20 deveria ser compreendido de modo figurativo e que a frase “mil anos” se refere não a um período fixo de dez séculos, mas a um longo e indefinido período. Por exemplo, o Salmo 49, 10, fala da soberania de Deus sobre tudo o que existe e nos diz: “A mim pertencem todas as feras das brenhas / Os animais das montanhas aos milhares” [i]. Este número não deve ser interpretado literalmente.
Ao fim do milênio ocorrerá a segunda vinda, a ressurreição geral dos mortos e o Juízo Final.
O problema do pós-milenarismo é que a Sagrada Escritura não diz que o mundo passará por um período completo (ou relativamente completo) de cristianização antes da segunda vinda. Há diversas passagens que falam do período entre a primeira e a segunda vinda como uma época de grande tristeza e contenda para os cristãos. Uma passagem reveladora é a parábola do joio e do trigo (cf. Mt 13, 24-30; 36-43). Nela Cristo declara que os justos e os iníquos serão plantados e crescerão juntos no campo de Deus (“o campo é o mundo”, Mt 13, 38) até o fim do mundo, quando serão separados, julgados e uns serão jogados no fogo do inferno e outros herdarão o Reino de Deus (cf. Mt 13, 41-43). Não há evidências bíblicas de que no final das contas o mundo será integralmente (ou quase integralmente) cristão. Em vez disso, há evidências de que sempre existirá um desenvolvimento concomitante dos justos e dos perversos até o Juízo Final.
Amilenarismo
A perspectiva amilenarista interpreta Apocalipse 20 de modo simbólico e enxerga o milênio não como uma era de ouro terrena na qual o mundo será totalmente cristianizado, mas como o período atual do governo de Cristo no Céu e na terra por meio de sua Igreja. Esta era a perspectiva dos reformadores protestantes e até hoje é a mais comum entre os protestantes tradicionais.
Os amilenaristas também creem que o bem e o mal coexistirão na terra até o fim. A tensão existente na terra entre os justos e os iníquos só será resolvida pela volta de Cristo no fim dos tempos. A era de ouro do milênio é, em vez disso, o reino celestial de Cristo com os santos, do qual a Igreja terrena participa até certo ponto, embora não da forma gloriosa como participará na segunda vinda.
Na visão dos amilenaristas, os tronos dos santos que reinam com Cristo durante o milênio estão aparentemente estabelecidos no Céu (cf. Ap 20, 4; cf. 4, 4; 11, 16), e o texto não diz em momento algum que Cristo está na terra durante este reino com os santos.
Eles explicam que, embora o mundo só venha a ser totalmente cristianizado na segunda vinda, o milênio realmente tem influência sobre a terra, porque Satanás está limitado de tal maneira que não pode enganar as nações impedindo a pregação do Evangelho (cf. Ap 20, 3). O milênio é uma era de ouro não em comparação às glórias da época vindoura, mas em relação a todas as épocas antecedentes da história humana, nas quais o mundo foi tragado pelas trevas do paganismo.
Pré-milenarismo
A terceira corrente da lista é o pré-milenarismo, atualmente a mais popular entre fundamentalistas e evangélicos. A maioria dos livros escritos sobre o fim dos tempos, tal como The Late Great Planet Earth, de Hal Lindsey, é escrita a partir de uma perspectiva pré-milenarista.
Tal como os pós-milenaristas, os pré-milenaristas creem que os mil anos são uma era de ouro terrena durante a qual o mundo será completamente cristianizado. Ao contrário dos pós-milenaristas, eles creem que esse período ocorrerá após a segunda vinda, não antes. Assim, Cristo reinará fisicamente na terra durante o milênio. Eles acreditam que o Juízo Final só ocorrerá após o fim do milênio (que muitos interpretam como um período com exatamente mil anos de duração).
Mas a Sagrada Escritura não sustenta a ideia de um período de mil anos entre a segunda vinda e o Juízo Final. Cristo declara:
Porque o Filho do homem há de vir na glória de seu Pai com os seus anjos, e então recompensará a cada um segundo suas obras (Mt 16, 27).
Quando o Filho do Homem voltar na sua glória e todos os anjos com ele, se sentará no seu trono glorioso. Todas as nações se reunirão diante dele e ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos [...] E estes irão para o castigo eterno, e os justos, para a vida eterna (Mt 25, 31-32.46).
Arrebatamento
Os pré-milenaristas muitas vezes dão bastante atenção à doutrina do “arrebatamento”. De acordo com essa doutrina, quando Cristo retornar, todos os eleitos que tiverem morrido serão ressuscitados e transformados, elevados a um estado glorioso junto com os eleitos vivos, e então levados para ficar com Cristo. O principal texto que faz referência ao fenômeno é 1Ts 4, 16-17, que diz o seguinte:
Quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, o mesmo Senhor descerá do céu e os que morreram em Cristo ressurgirão primeiro. Depois nós, os vivos, os que estamos ainda na terra, seremos arrebatados juntamente com eles sobre nuvens ao encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor.
Os pré-milenaristas afirmam, como o fazem praticamente todos os cristãos (exceto alguns pós-milenaristas) que a segunda vinda será precedida por uma grande confusão e pela perseguição do povo de Deus (cf. 2Ts 2, 1-4). Esse período é frequentemente chamado de grande tribulação. Até o século XIX, todos os cristãos concordavam que o arrebatamento — embora não tivesse esse nome naquela época — ocorreria imediatamente antes da segunda vinda, no final do período de perseguição. Hoje essa posição é chamada de “pós-tribulacionista”, por afirmar que o arrebatamento ocorrerá depois da tribulação.
Mas no início do século XIX alguns começaram a alegar que o arrebatamento ocorreria antes do período de perseguição. Essa posição, hoje conhecida como “pré-tribulacionista”, também foi adotada por John Nelson Darby, um dos primeiros líderes de um movimento fundamentalista que ficou conhecido como dispensacionalismo. A visão pré-tribulacionista de Darby a respeito do arrebatamento foi então adotada por um homem chamado C. I. Scofield, que ensinava essa perspectiva nas notas de rodapé de sua Scofield Reference Bible. Muitos protestantes que leram essa Bíblia de forma acrítica adotaram a posição pré-tribulacionista, muito embora nenhum cristão tivesse ouvido falar dela nos 1800 anos anteriores da história da Igreja.
Surgiu enfim uma terceira posição, conhecida como “meso-tribulacionista”, para a qual o arrebatamento ocorrerá em meio à tribulação. E, por fim, apareceu uma quarta perspectiva, segundo a qual não haverá nenhum arrebatamento onde todos os fiéis serão unidos a Cristo, mas sim uma série de miniarrebatamentos que ocorrerão em momentos distintos da tribulação.
O problema de todas essas posições (exceto a histórica, pós-tribulacionista) é o fato de dividirem a segunda vinda em dois eventos distintos. Na perspectiva pré-tribulacionista, por exemplo, são três as vindas de Cristo — a primeira, quando Ele nasceu em Belém; a segunda, quando retornar para o arrebatamento no início da tribulação e a terceira ao final da tribulação, quando Ele estabelecer o milênio. Essas três vindas são estranhas à Sagrada Escritura.
Os problemas da visão pré-tribulacionista são destacados por Dale Moody, teólogo batista (e pré-milenarista), que escreveu o seguinte:
A crença num arrebatamento pré-tribulacionista [...] contradiz todos os três capítulos do Novo Testamento que mencionam a tribulação e o arrebatamento juntos (cf. Mc 13, 24-27; Mt 24, 26-31; 2Ts 2, 1-12) [...]. A teoria é tão carente de fundamentos bíblicos, que a defesa usual é feita usando três passagens que sequer mencionam a tribulação (cf. Jo 14, 3; 1Ts 4, 17; 1Cor 15, 52). São passagens importantes, mas elas não dizem nada sobre um arrebatamento pré-tribulacionista [...]. O pré-tribulacionismo não tem fundamento bíblico (The Word of Truth, 556-7).
Qual a posição católica?
Com relação ao milênio, tendemos a concordar com Santo Agostinho e, por consequência, com os amilenaristas. Portanto, historicamente a posição católica é “amilenarista” (esta também tem sido a posição cristã majoritária), mas normalmente os católicos não usam esse termo. A Igreja rejeitou a posição pré-milenarista, às vezes chamada de “milenarista” (cf. Catecismo da Igreja Católica, § 676). Na década de 1940, o Santo Ofício determinou que o pré-milenarismo “não pode ser ensinado com segurança”, apesar de a Igreja não ter definido o assunto de forma dogmática (cf. DH 3839).
Já em relação ao arrebatamento, os católicos certamente creem no evento de nossa união a Cristo, embora de modo geral não usem o termo “arrebatamento” para se referir a esse acontecimento — o que não deixa de ser irônico, já que o termo “arrebatamento” deriva do texto da Vulgata Latina de 1Ts 4, 17: rapiemur, “seremos arrebatados”.
Muitas pessoas gastam seu tempo à procura de sinais nos céus e nas manchetes. Isto é particularmente verdadeiro em relação aos pré-milenaristas, que esperam ansiosamente a tribulação, porque ela inaugurará o arrebatamento e o milênio. São Pedro apresenta uma perspectiva mais equilibrada:
Mas há uma coisa, caríssimos, de que não vos deveis esquecer: um dia diante do Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia. [...] Nós, porém, segundo sua promessa, esperamos novos céus e uma nova terra, nos quais habitará a justiça. Portanto, caríssimos, esperando essas coisas, esforçai-vos em ser por ele achados sem mácula e irrepreensíveis na paz (2Pd 3, 8.13-14).
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