Nenhum artefato tem moldado tanto nossa vida diária quanto o smartphone. A maioria de nós tem vergonha de ser dependente dele, mas abandoná-lo está fora de cogitação — pois parece algo impossível de se fazer. Aparentemente, muitos pais também não consideram privar seus filhos adolescentes dos aparelhos, tão necessários eles parecem ser à nova forma de vida social.

No lugar dessas soluções, então, nós oscilamos entre explosões irracionais de frustração e declarações irônicas sobre a bagunça em que estamos e, em seguida, pegamos o telefone para dar outra olhada nele. Clara e indisfarçavelmente, há um problema. Desenhos animados zombando de como os smartphones nos tornam cegos e surdos são agora um dado corriqueiro da vida, mas não tiveram um efeito sensível sobre as vendas dos dispositivos. Os jornais costumam fazer perguntas como: “Os smartphones destruíram uma geração?”, mas os debates subsequentes permanecem teóricos, com pouca mudança de comportamento. Todos os meses, publicam-se novos livros sobre distração digital, mas nossos investimentos na Apple, no Google e no Facebook não diminuem. Estamos em um dilema, mas o fato central é indiscutível: agora, o smartphone define nossa cultura e estilo de vida.

A socióloga de tecnologia Sherry Turkle usou a expressão “nativos digitais” para caracterizar aqueles de nós para quem “a vida numa bolha virtual passou a parecer natural”. Será que não somos todos nativos digitais agora?

Se sim, precisamos fazer uma avaliação honesta da situação. Ainda que seja abordado de diferentes ângulos por psicólogos, teóricos de tecnologia, neurocientistas e cientistas políticos, estamos lidando com um fenômeno fundamentalmente cultural. Nós entramos na “era digital”, um padrão de vida que podemos caracterizar a partir de três paradoxos centrais:

  1. Confortáveis com dispositivos pessoais, os nativos digitais são tecnologicamente hábeis, mas estão sujeitos a distrações e comportamentos compulsivos. 
  2. Conectados, curiosos e atentos às notificações, os nativos digitais são surpreendentemente bem informados, mas altamente suscetíveis a um sentimento de ansiedade e falta de propósito. 
  3. Graças às mídias sociais, os nativos digitais estão constantemente conectados uns com os outros, mas não fazem a experiência de estar fisicamente presentes a seus amigos e familiares.

No coração desses paradoxos está o próprio dispositivo de mídia habilitado para a internet, esteja ele à mão, no pulso ou aberto numa mesa ou escrivaninha. A promessa do aparelho — especialmente em formas fáceis de se transportar o tempo todo — é tornar-nos presentes informações ou pessoas que, de outra forma, estariam a uma distância inacessível, e conectar-nos a elas em tempo real, independentemente do que estejamos fazendo naquele momento.

Parece possível dizer, então, que no coração da cultura digital está a alegação implícita de que sempre estaremos fazendo duas ou mais coisas ao mesmo tempo. Enquanto sociedade, pode ser que consigamos fixar como limite “não digitar no celular enquanto se dirige”, mas, noutras situações, parecemos aceitar o fato de que o telefone permanecerá sempre ligado e sendo usado para alguma coisa, muito provavelmente algumas coisas, durante quase todas as nossas outras atividades ao longo de um dia comum.

Já é difícil dar atenção a duas tarefas no mesmo espaço físico e mental — conta-se que São João Paulo II foi capaz de compor uma encíclica ao mesmo tempo que um assistente lia outro documento para ele. Mas todos nós sabemos, por instinto, que simplesmente não podemos dar toda a nossa atenção — sensorial, emocional e mental — a mais de uma pessoa ou a mais de uma tarefa ou pensamento complexo em um momento determinado.

O que nós podemos fazer é alternar entre um objeto de atenção e outro, e tentar fazê-lo com tanta rapidez que a pessoa à qual supostamente estamos dando atenção não seja capaz de perceber o que estamos fazendo. Isso já é bastante difícil quando um grupo de pessoas se senta junto e compartilha o mesmo espaço, tentando se entender. Tentar alternar nossa atenção entre o espaço físico e o virtual, porém, ultrapassa os limites da capacidade humana. Por mais que tentemos (em encontros e à mesa de jantar), não somos realmente capazes de enganar nossos colegas, cônjuges ou amigos quando fingimos ainda estar com eles… olhando para uma tela. Quando tentamos fazer isso, nós não enganamos nem a eles nem a nós. Quando você pega o telefone, quase sempre alguma tarefa, ou alguma pessoa, é passada para trás pelo menos um pouco.

O nativo digital, constantemente tentado a fazer outra coisa, desenvolve o hábito de tentar fazer duas (ou mais) coisas ao mesmo tempo. Se fosse possível, teríamos poderes sobre-humanos. Mas o que acaba acontecendo, na verdade, é que nos tornamos menos capazes de estar presentes genuína e continuamente a qualquer pessoa ou objeto que seja digno da nossa atenção.

A longo prazo, então, a dinâmica central da cultura digital ameaça tornar-nos pensadores superficiais e indivíduos solitários. Tentamos estar presentes a mais de uma coisa ao mesmo tempo, e acabamos não conseguindo dar atenção a nada direito.

Eis a razão pela qual esta poderosa tecnologia exige, dos que a usam, que encontrem recursos ainda mais poderosos para o autodomínio. Se quisermos controlar nossa tecnologia da informação, ao invés de sermos controlados por ela, devemos primeiro controlar nossos desejos de estar conectados e ser informados nas formas que esses dispositivos oferecem.

A tarefa será difícil porque os desejos a que esses dispositivos apelam são eles próprios bons e normais, alguns dos desejos mais básicos da natureza humana. São, em sua raiz, desejos religiosos.

Nós somos animais sociais, vivemos em amizade e para ela. Além disso, somos criaturas que anseiam pela vida eterna; não admitimos que a morte e a separação de entes queridos sejam normais, naturais ou boas. A morte em si é trágica, e é por isso que nos alegramos de ter, em Cristo, nosso Salvador e Redentor. Toda separação de um amigo é um pequeno antegosto da morte. Daí o desejo que temos de manter para sempre as nossas amizades, sejam quais forem as distâncias que haja. Também ansiamos pela fraternidade eterna do Céu, na qual serão esquecidas todas as diferenças e discórdias — e é por isso que desejamos multiplicar ad infinitum o número dos nossos amigos. As redes sociais respondem, portanto, a desejos profundos dentro de nós.

O mesmo vale para a promessa de informação oferecida pela internet. Nós não admitimos limites ao que podemos conhecer ou aprender. Nossas mentes estão abertas para o ser de todas as coisas. Procuramos pelas menores partículas da matéria, pelas galáxias no fim do universo, pelas fontes de vida e morte aqui na Terra, e pelo conhecimento do mundo invisível da alma, dos anjos e de Deus. A internet nos promete acesso instantâneo a tudo o que nossos semelhantes pensaram, conjecturaram, criaram e imaginaram. Apresenta-se, então, como complemento de nossa natureza intelectual e resposta aos nossos desejos mais profundos enquanto criaturas finitas.

É justamente por se apresentarem como resposta a esses desejos profundos que os meios de comunicação digitais e a tecnologia da informação — em sua forma mais popular, o smartphone — agora definem nossa cultura. Se quisermos navegar na nova era digital — ficando informados sem ficar ansiosos, conectando-nos sem alhearmo-nos das pessoas à nossa volta e sendo capazes de usar o smartphone como uma ferramenta, sem nos tornarmos uma extensão da máquina —, então precisamos entender melhor a nós mesmos e pensar com profundidade nisto: em que consiste de fato nossa felicidade duradoura e eterna? Noutras palavras, precisamos de uma abordagem de autodomínio que seja suficientemente profunda e abrangente a ponto de nos dar razões convincentes para deixar de lado nossos smartphones, olhar para o outro diante de nós e entrar de cabeça na realidade.

Os riscos são altos. Se continuarmos dizendo a nós mesmos que está tudo bem e que não existe vício em smartphones, estaremos caminhando, de olhos fechados, para um precipício cultural. Se, ao contrário, reconhecermos o problema à nossa frente — e nossos próprios limites naturais, que estão na raiz do problema —, então talvez haja ao menos uma chance de transformar essas ferramentas poderosas numa força para o bem.

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