Os Quarenta Mártires foram um grupo de soldados da XII Legião Romana mortos por causa da fé em Sebaste, na antiga Armênia, em 320 [N.T.: hoje Sivas, no território da Turquia]. O episódio ocorreu sete anos após o Edito de Milão e a paz da Igreja sob Constantino, cujo cunhado Licínio governava no Oriente e, após um período de tolerância, renovou a perseguição aos cristãos. Quando os Quarenta foram chamados a renunciar à fé e se recusaram a fazê-lo, foram condenados a várias torturas e depois a uma morte particularmente horrível: foram despidos e abandonados sobre o gelo de um lago congelado [i]. O governador que supervisionou a execução determinou que uma banheira com água quente fosse preparada na margem do lago; assim, qualquer um que apostatasse poderia se salvar da morte por congelamento.

O Breviário de São Pio V representa os mártires rezando após o início de seus sofrimentos: 

Quadraginta in stadium ingressi sumus, quadraginta item, Domine, corona donemur, ne una quidem huic numero desit. Est in honore hic numerus, quem tu quadraginta dierum jejunio decorasti, per quem divina lex ingressa est in orbem terrarum. Elias quadraginta dierum jejunio Deum quærens, ejus visionem consecutus est. — Quarenta entramos no estádio, quarenta coroas, Senhor, nos sejam dadas, para que não falte nenhuma aos deste número. É venerável este número, que tu honraste com um jejum de quarenta dias, pelo qual a lei divina entrou no mundo. Elias, como buscasse a Deus durante quarenta dias de jejum, [assim] alcançou a graça de o ver (Officium SS. Quadraginta Martyrum, Ad Matutinum, Lectio IV).

Trata-se de um tema muito antigo, pelo qual o jejum de quarenta dias observado na Lei (Moisés) e nos Profetas (Elias) é associado ao que foi observado por Cristo no Evangelho. Por essa razão, no I Domingo da Quaresma a Igreja lê a história do jejum de Cristo e, no II, o Evangelho da Transfiguração, no qual Moisés e Elias aparecem como testemunhas da divindade de Cristo.

Um dos Quarenta, no entanto, de fato abandonou o grupo e entrou na banheira com água quente; em alguns relatos, diz-se que ele morreu imediatamente com o choque térmico. Nesse meio tempo, um dos guardas teve uma visão de anjos que desciam sobre os mártires, portando trinta e nove coroas; isso o inspirou a tornar-se cristão, tomar o lugar daquele que abandonara o grupo e assim satisfazer o número místico 40. Vendo a constância dos mártires, os encarregados da execução decidiram acabar com eles, quebrando-lhes as pernas, como no caso dos ladrões crucificados ao lado do Senhor. Somente um deles não morreu depois disso, um jovem chamado Melito, mas ao fim e ao cabo não conseguiu sobreviver porque fora mortalmente ferido. Caminhando atrás da carroça, a própria mãe o levou ao local em que os demais membros do grupo foram ser cremados. Durante a jornada, o filho morreu-lhe nos braços, e foi depositado na pira entre os corpos dos companheiros.

Os Quarenta Mártires de Sebaste em um ícone de marfim em relevo. A obra é de Constantinopla e data do século X.

As cinzas deles foram espalhadas a fim de impedir a veneração de suas relíquias, mas os cristãos foram capazes de recuperar parte delas. São Basílio Magno menciona a presença das relíquias em Cesareia; o irmão dele, São Gregório de Nissa, afirma que seus pais, São Basílio, o Velho, e Santa Emília de Cesareia, foram sepultados numa igreja situada em Anesis, construída por eles mesmos e para a qual haviam conseguido algumas relíquias dos Quarenta. Mais tarde, algumas porções das cinzas foram levadas para Constantinopla e outros locais, e a devoção a eles chegou ao Ocidente por meio de São Gaudêncio de Bréscia, que recebeu parte das relíquias das sobrinhas de São Basílio quando passou por Cesareia a caminho de Jerusalém.

No Rito Bizantino, a festa deles é celebrada no dia 9 de março, e originalmente era celebrada na mesma data no Ocidente. Santa Francisca de Roma morreu no mesmo dia, em 1440; quando foi canonizada em 1608 (junto com São Carlos Borromeu), sua festa foi alocada naquela data, enquanto a dos mártires passou para o dia 10. Na reforma das rubricas de 1961, os dias feriais da Quaresma ganharam precedência sobre a maioria das festas, e a dos Quarenta foi permanentemente reduzida a uma comemoração, já que o dia 10 de março não pode cair fora da Quaresma. Apesar da grande veneração a eles no Oriente e da antiguidade da festa, ela foi abolida no calendário do Novus Ordo

Na tradição bizantina, a Eucaristia é celebrada somente aos domingos e sábados da Quaresma, mas não nos dias de semana, com exceção da Anunciação. Às quartas e sextas da Quaresma é rezada uma forma especial das Vésperas, chamada “Liturgia dos Dons Pressantificados”, na qual a sagrada Comunhão distribuída é a que foi consagrada no domingo anterior. As leituras da Sagrada Escritura nessas Vésperas são tiradas de Gênesis e Provérbios; porém, quando uma festa muito importante cai num desses dias, uma Epístola e o Evangelho são adicionados ao rito, cantados como na Divina Liturgia, e a festa dos Quarenta Mártires está entre eles. Além disso, o rigoroso jejum quaresmal é relaxado no dia 9 de março, de modo que vinho e óleo podem ser consumidos.

Nos anais da hagiografia cristã, há muitas histórias de pessoas que se converteram espontaneamente à fé ao testemunhar a constância dos mártires em meio a tormentos; não é raro que essas mesmas pessoas se tornem mártires, chegando inclusive a se unir por iniciativa própria e imediatamente aos cristãos que padecem, tal como fez o guarda mencionado entre os Quarenta. Esse fenômeno aconteceu outra vez recentemente, na pessoa de um certo Matthew Ayariga, um chadiano capturado na Líbia por muçulmanos fanáticos junto com um grupo de vinte coptas egípcios. Embora não fosse membro da Igreja Copta, recusou-se a aderir ao islã, mesmo sob ameaça de ser decapitado; vendo como os outros rezavam e pronunciavam o Santo Nome de Jesus enquanto eram mortos, disse sobre eles: “O Deus deles é o meu Deus”, e foi assassinado junto com eles. Como disse recentemente, os vinte e um foram canonizados como mártires pelo Papa copta Tawadros II.

Notas

  1. No Martirológio Romano atual, consta ainda hoje o seguinte elogio aos Quarenta Mártires, no dia 9 de março: “Em Sebaste, na antiga Armênia, hoje Sivas, na Turquia, a paixão dos santos quarenta soldados da Capadócia, que, unidos não pelo sangue mas pela fé e obediência à vontade do Pai celeste, no tempo do imperador Licínio, depois de sofrerem os cárceres e outros cruéis tormentos, foram expostos nus ao ar livre durante um inverno extremamente frio e obrigados a passar a noite num lago gelado; finalmente, foram-lhes quebradas as pernas e assim consumaram o seu glorioso martírio”. O Martirológio antigo descreve com ainda mais minúcias as torturas desses bravos mártires: “depois de sofrer as cadeias e os hediondos cárceres, depois de terem o rosto pisado com pedras, num inverno rigorosíssimo, foram obrigados a passar a noite nus sobre um lago gelado, a céu aberto, onde os membros se lhes abriam com o frio, e finalmente, quebrando-se-lhes as pernas, consumaram seu martírio” (N.T.).

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