A dolorosa via-sacra da Igreja de Cristo parece atravessar uma de suas piores tormentas destes dois milênios de história. A velha barca de Pedro segue seu percurso e assim refaz os passos do Mestre, cheio de cruzes, quedas e mortificações. De um ambiente afável, no qual a fé cristã encontrava mãos estendidas para acolhê-la, passou-se a uma esfera hostil, na qual punhos cerrados estão a todo instante desferindo seus golpes, seja com pedras e tochas de fogo em Catedrais, seja com calúnias e zombarias nas manchetes da imprensa. É uma situação dramática que suscita, acima de tudo, almas virtuosas, de vidas limpas e inteligências simples, que tenham a ousadia de pôr termo ao suicídio da sociedade que se avizinha e ameaça arrastar consigo a própria Igreja e o seu futuro.
No deserto que forjou a santidade de Santo Antão, a fumaça que cobre os céus do Egito, decorrente dos incêndios premeditados contra igrejas cristãs, lembra a caçada de Nero aos primeiros filhos do cristianismo e obriga o Santo Padre, não sem peso no coração, a reconhecer que "o tempo dos mártires não acabou". É a tragédia anunciada da primavera árabe, que se ergue em sangue e fogo contra aqueles que consideram seus inimigos. Milhares de cristãos mortos e templos profanados são o saldo até o presente momento da aventada libertação. E enquanto o morticínio caminha sem freios nas areias do Oriente Médio, no novo mundo o silêncio cínico da classe falante mantém-se inquebrantável e logo confirma a frase do tantas vezes caluniado - por essas mesmas pessoas, importante frisar - Pio XII: "Nada se perde com a paz, tudo se perde com a guerra".
A intelligentsia modernista, ávida a cumprir o projeto gramsciano de dominação, cujos princípios se aglutinam à estratégia de infiltração da Igreja e esvaziamento de seu conteúdo espiritual tradicional, a fim de transformá-la num palanque político, não poupa esforços no trabalho de corrupção de valores e distorção de palavras. Cospem todo tipo de bobagens, mesquinharias e intrigas, ora se fazendo de amigos, ora ladrando como verdadeiros cães de briga, sobretudo quando a eles se contrapõe à objetividade e à clareza do Magistério dos Papas. Da boca de um deles, a confissão reveladora: "Zombaremos de Jesus, mas não de Maomé".
E se fora dos muros da Igreja prossegue o colapso, dentro dela não é diferente. De repente, os mais ferrenhos inimigos do papado e da Sã Doutrina se convertem nos mais profícuos papistas, pontificando novos dogmas e teorias que nem de longe se assemelham ao pensamento do Sumo Pontífice. Ao mesmo tempo, pululam os oráculos da verdade que, cheios de certeza, imputam a dúvida a qualquer gesto e palavra de Roma, menos às suas próprias ideias e concepções que, para eles, são a genuína expressão do catolicismo e, portanto, questioná-las seria flertar com a heresia. Assim, tencionam objeções entre um e outro Papa, como se estes fossem antagonistas e não sucessores do mesmo Apóstolo e Chefe da Igreja. Louvam a pobreza, mas continuam ricos, exaltam a humildade, mas vivem na soberba, sempre teorizando suas análises de conjuntura e deleitando-se com a crítica impiedosa, cuja base verifica-se mais nas cartilhas ideológicas marxistas e liberais do que no Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Essas sombras perturbadoras às quais Paulo VI se referiu como "fumaça de Satanás" fragilizam a fé de inúmeros católicos e provocam a incerteza. Sobra alguma chance para a Boa Nova de Cristo? É preciso dizer que sim. Se a Barca de Pedro "parece uma barca que está para afundar, uma barca que mete água por todos os lados"01 e ameaça ruir sob os golpes simultâneos tanto dos de fora, quanto dos de dentro, no extremo oposto, há quem permaneça fiel à promessa irrevogável de Cristo de que "as portas do inferno não prevalecerão", como permaneceram todos os santos ao longo desses dois mil anos. E se há aqueles que propagam o desânimo e a moleza, há também aqueles que ainda ousam fazer guerra ao inferno com a Palavra de Deus.
Foi o enfrentamento bárbaro contra as heresias que obrigou a Igreja, no decurso de sua peregrinação nesta terra, a sair do comodismo e do estado de letargia no qual ameaçava cair de tempos em tempos. Desse processo de renovação, sempre emergiu uma espiritualidade nova, radicada na fidelidade e na disciplina, cuja sensibilidade pastoral se revelava ainda mais penetrante que no passado. Pode-se dizer, assim, que as palavras de São Paulo se confirmam em todas essas circunstâncias: "É necessário que entre vós haja partidos para que possam manifestar-se os que são realmente virtuosos" (Cf. I Cor 11, 19). Este é, para desgraça dos hereges e, por conseguinte, do diabo, o paradoxo de uma instituição guiada pelo Espírito Santo: não importa o número de cruzes, pois ao terceiro dia, sempre haverá a ressurreição!
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