Santa Cecília, donzela romana de elevada nobreza, teve a felicidade de ser instruída, desde a juventude, nas verdades do cristianismo. O amor a Cristo enraizou-se com tal profundidade em seu coração que, tomando-o por esposo, consagrou-lhe a virgindade com um voto e nada desejava mais ardentemente que derramar por Ele o seu sangue. Levava sempre consigo o Evangelho e lia-o com grande deleite, de modo a conformar cada vez mais as suas atitudes às lições da Escritura.

Enquanto procurava viver segundo os ditames do cristianismo, seus pais a prometeram a um jovem nobre e rico chamado Valeriano, e quando chegou o dia do casamento e tudo era alegria na casa de seus pais, só ela estava profundamente triste. Como convinha à sua posição, estava esplendidamente vestida e adornada com joias preciosas, mas, sob seu magnífico traje, usava, como de costume, uma tosca veste penitencial e, embora estivesse triste, sua confiança em Deus não vacilava. Ela havia jejuado durante os três dias anteriores para pedir a seu Esposo celeste que lhe guardasse a virgindade. Com essa mesma finalidade em mente, invocou seu anjo da guarda e Maria santíssima, Rainha das virgens.

“A infância de Santa Cecília”, por Marie Spartali Stillman.

Quando a cerimônia terminou e Valeriano ficou a sós com ela, Cecília, confiante em Deus, disse-lhe com suavidade e firmeza: “Valeriano, estou sob a proteção de um anjo, que protege a minha virgindade. Por isso, cuida muito bem para te comportares comigo de modo a que não se abata sobre ti a ira do Todo-Poderoso.” Esta fala inesperada causou um grande espanto em Valeriano. Mas, quando ela lhe disse que era cristã e fizera a Deus um voto de virgindade, explicando ao mesmo tempo como agrada ao Altíssimo manter a nossa palavra, e como o ofendemos ao descumprir os votos feitos a Ele, seu coração foi tocado e ele disse que também acreditaria em Cristo se pudesse ver o anjo que a protegia. Cecília respondeu-lhe que isso só seria possível se ele fosse batizado. O jovem, desejando ver o anjo, prometeu abraçar o cristianismo, se ela lhe desse a oportunidade de ser instruído. 

Cecília deu-lhe a conhecer o local onde estava escondido o Papa Urbano, por conta da perseguição que os cristãos enfrentavam à época. No dia seguinte, Valeriano foi até ele e, depois de ser instruído e batizado, voltou para junto de sua esposa. Encontrou-a em oração e viu ao seu lado o que desejava: um anjo envolto em brilho celestial. Dizem as histórias antigas que o anjo portava duas coroas de rosas e lírios, uma das quais foi entregue a Cecília e a outra ao recém-convertido, enquanto o anjo exortava os dois à constância. Prostrando-se, ambos renderam graças ao Todo-Poderoso. Nesse ínterim, foi visitá-los o irmão de Valeriano, Tibúrcio, o qual, inteirando-se do ocorrido, também decidiu fazer-se cristão. Conduzido até o Papa, este o instruiu e batizou, permitindo-lhe assim contemplar o mesmo anjo visto por seu irmão. 

Não foi possível manter muito tempo em segredo a conversão dos dois jovens. Almáquio, o governador, mandou chamá-los à sua presença e, como estavam decididos a perseverar na fé cristã, mandou executar os dois, após um longo e doloroso martírio. A santa virgem Cecília também foi obrigada a comparecer perante o juiz. Perguntaram-lhe primeiro onde estava escondida a fortuna deixada pelos dois irmãos. A santa respondeu-lhe que havia sido bem distribuída aos pobres. 

“Martírio de Santa Cecília”, por Orazio Riminaldi.

Enfurecido com a resposta, o governador mandou que Cecília fosse levada ao templo idólatra e, caso se recusasse a oferecer imediatamente um sacrifício aos deuses, que tivesse uma morte cruel. A santa foi conduzida até lá por um grupo de soldados brutos, aos quais, no entanto, enquanto estavam a caminho, apresentou com tanta convicção a veracidade da fé, que todos prometeram abandonar a idolatria. Almáquio, ainda mais irritado, ordenou que Cecília fosse levada a sua própria casa, trancada no banheiro e sufocada pelo calor. Tudo, porém, foi em vão. A água do banho foi aquecida ao longo de um dia inteiro, mas não causou o menor incômodo à santa. Finalmente, ela foi condenada à morte por decapitação.

Três vezes o machado do carrasco lhe golpeou a cabeça, sem que conseguisse separá-la de seu corpo. Quando, no terceiro golpe, a santa caiu no chão, o carrasco deixou-a como que morta. Cecília, porém, viveu mais três dias e deu a todos que foram vê-la as mais salutares instruções. Entregou seus bens ao Santo Padre, a fim de que fossem doados aos pobres, e manifestou o desejo de que sua casa fosse consagrada como uma igreja, o que se fez. Depois, sua alma triunfante foi ao encontro do Esposo celeste, em meados do século III. 

Não devemos omitir, também, o que diz o Breviário Romano sobre essa santa virgem: ao ouvir a harmonia da música com que celebravam seu casamento, ela cantou a Deus no interior de seu coração: “Senhor, conservai meu coração e meu corpo imaculados, para que eu não pereça.” A biografia de Cecília mostra o quão santo foi este cântico, recebido como oração agradável a Deus e aos santos anjos.

* * *

Junto a Santa Cecília, que deu a vida pela verdadeira fé, colocaremos outra virgem que morreu para conservar a pureza. O nome dela é Santa Maxilinda (ou Maxellende), e sua memória se celebra no dia 13 de novembro. Nasceu em Caudry, atual território francês. A conduta de seus pais era tão edificante quanto sua riqueza em bens materiais. 

Desde a mais tenra infância, Maxilinda não mostrava inclinação para as mesmas coisas de que gostavam as outras crianças. Aprazia-lhe trancar-se em seu quarto e passar o tempo em oração, no trabalho e na leitura de livros devotos. Sua conduta era amável e gentil, mas ao mesmo tempo séria e modesta. No convívio com as outras pessoas, do qual só participava a mando dos pais, era tão reservada, que todos a admiravam e se sentiam edificados. 

Admitia-se em geral que, naquela região, ninguém podia comparar-se a ela, nem em dotes naturais, nem em virtude e piedade. Por isso, muitos jovens nobres procuravam ansiosamente pedir-lhe a mão, mas os pais, sabendo que ela jamais se casaria, rejeitavam com firmeza todos os pretendentes. Até que um deles, chamado Arduíno, de ascendência muito rica e distinta, conseguiu conquistar com súplicas e promessas o favor dos pais de Maxilinda, de tal modo que, finalmente, deram-lhe o seu consentimento, sem que ela soubesse disso. 

Quando Maxilinda soube do ocorrido, ficou tão angustiada que mal conseguiu dizer uma única palavra. Recuperada do primeiro choque, pediu um dia de reflexão e, recolhendo-se em seu quarto, passou toda a noite em oração, suplicando com fervor ao Todo-Poderoso que conservasse graciosamente a castidade virginal que lhe havia consagrado. Deus aceitou sua prece, entremeada de lágrimas, e enviou um anjo para assegurar-lhe que sua pureza permaneceria imaculada, desde que ela fosse firme e confiasse no Senhor. 

No dia seguinte, Maxilinda disse aos pais, de forma simples, que não se casaria nem com Arduíno nem com qualquer outro, pois desde a infância havia se unido, por voto de castidade, a um noivo muito mais nobre e rico: o Senhor Jesus Cristo. Apesar de tal declaração, e com a anuência dos pais dela, Arduíno marcou um dia para o casamento. 

Chegado o dia, veio com ele o noivo, acompanhado de muitos amigos, a fim de celebrar as núpcias. O pai de Maxilinda usou todas as suas forças para vencer a resistência da filha: começou usando um tom mais gentil e depois adotou um tom mais sério, pedindo-lhe que não o desonrasse diante de tantas pessoas. Vendo que nenhuma das súplicas servia de nada, levou-a à força para o local onde Arduíno e seus amigos a esperavam. Tendo lá chegado, dirigiu-se sem receio a seus pais e amigos, dizendo: “Com a ajuda do Senhor, a quem me consagrei, Arduíno jamais me chamará de esposa, mesmo que venha a mim com uma espada desembainhada.” Os amigos, que haviam comparecido para assistir à cerimônia, dispersaram-se ao ouvir essas palavras, mas o noivo, transbordando de raiva, pôs-se a correr de um lado para o outro, e acabou saindo da casa. 

Ícone de Santa Maxilinda, Virgem e Mártir.

Maxilinda entrou em seu quarto e, prostrando-se diante do crucifixo, agradeceu a Deus a proteção que lhe dispensou no auge do perigo. Temendo, porém, que outras perturbações lhe estivessem reservadas, entregou-se com mais fervor do que nunca à prática de boas obras, para merecer a contínua proteção do Altíssimo daquele momento em diante. Pouco tempo depois, os pais de Maxilinda foram a um banquete e deixaram em casa a filha, que nunca ia a tais divertimentos. Aí, então, ela se entregou à oração. 

Arduíno, depois de constatar que ela estava sozinha, foi com alguns de seus criados à casa da moça e revistou todos os cômodos, até chegar àquele onde a casta virgem se achava em oração. Abriu a porta à força e pôs-se de joelhos diante dela, suplicando-lhe, com lágrimas nos olhos, que atendesse à sua súplica. Maxilinda permaneceu firme, dizendo que preferia mil vezes morrer a perder a virgindade. Depois disso, ele começou a mudar de atitude, chegando inclusive a ameaçá-la de morte, se ela insistisse em rejeitá-lo. 

A casta virgem não se intimidou, e gritou bem alto: “Não me importo contigo nem com as tuas ameaças; nunca conseguirás impedir-me de cumprir o voto que fiz a Deus. Podes matar o meu corpo, mas não tens poder sobre a minha alma.” Dito isso, ela afastou-se dele e fugiu. Arduíno, feito um possesso, correu atrás dela, a agarrou e estrangulou, ou, como dizem outros, trespassou-a com a espada. Logo depois que a casta virgem deu o último suspiro, Deus castigou o perverso assassino com a cegueira total. Apavorado com a escuridão que subitamente o envolveu, clamou aos seus servos por socorro, mas eles, também receando ser castigados por Deus, fugiram. Nesse ínterim, os pais da santa mártir voltaram para casa e encontraram sua querida filha morta, enquanto Arduíno derramava lágrimas de amargura pelo crime terrível que cometera em sua fúria cega. 

É desnecessário descrever os sentimentos de seus pais perante a cena. O corpo sagrado de Maxilinda foi enterrado, com grande pompa, depois que o ocorrido tornou-se público. Todo o clero e um grande número de pessoas acompanharam o cortejo até a cidade vizinha, onde as relíquias foram depositadas na igreja de São Pedro e São Paulo. Três anos depois, o bispo de Caudry transportou-a para o local onde a santa virgem terminara de forma tão heroica a sua vida.

Arduíno, que chorava dia e noite pela maldade cometida no passado, foi levado por seus servos ao encontro das relíquias sagradas e, prostrando-se diante delas, confessou publicamente seu crime, implorou o perdão da santa e rezou para que sua visão fosse restaurada por intercessão dela. Sua prece foi ouvida imediatamente e, depois de dar graças ao Todo-Poderoso, não parou, até o fim da vida, de louvar Santa Maxilinda e invocá-la como intercessora diante de Deus. Esse martírio ocorreu na segunda metade do século VII.

Considerações práticas     

I. As duas santas cuja história narramos foram virgens e mártires. Santa Cecília foi mártir da fé; Santa Maxilinda, mártir da castidade. Santa Cecília manifestou por meio de obras que estimava a verdadeira fé acima da honra, da riqueza e da vida, ao passo que Santa Maxilinda provou com a morte que preferia a castidade a todos os tesouros do mundo e até à sua própria vida. A primeira morreu para não renunciar à verdadeira fé; a segunda, para não quebrar o voto que havia feito a Deus. 

Santa Cecília de Roma, retratada por François-Joseph Navez.

Que o mundo cristão inteiro aprenda com essas duas heroínas cristãs o valor da verdadeira fé e da castidade. São muitos os que, visando ganhos temporais, abandonam a verdadeira fé, ou, devido a um casamento inoportuno, correm grande risco de se tornarem apóstatas. Um dia, ainda que tarde demais, eles saberão o que perderam e o que ganharam, para sua infelicidade eterna. Há também muitos outros que, para obter alguma vantagem temporal, ou para satisfazer os próprios desejos, perdem a inocência, imitando assim Judas, o traidor, quando se ofereceu para vender o divino Mestre, dizendo: “Que me quereis vós dar, e eu vo-lo entregarei?” (Mt 26, 14-15). 

Ai de todos esses insensatos! Na eternidade, amaldiçoarão a sua perversidade e cegueira, e clamarão: “Extraviamo-nos do caminho da verdade; a luz da justiça não raiou para nós” (Sb 5, 6). Espero que você, meu leitor, não se assemelhe a essas pessoas cegas e tolas.

II. Santa Cecília sempre levava consigo o Evangelho, lia-o com grande prazer e esforçava-se por conformar a sua vida aos preceitos da Escritura. Santa Maxilinda dedicava muito tempo à leitura devota, e dela extraía não só o espírito de piedade que a animava, mas também o amor à castidade e a força para guardá-la. 

Que obra você leva sempre consigo? Que livros anda lendo? E que tipo de lição extrai deles? Seus livros são bons a ponto de permitir que, através de suas lições, você alcance a saúde eterna? Ou são de tal natureza que só se aprende com eles vaidade, orgulho, licenciosidade, infidelidade, heresia e desprezo a Deus e à sua santa religião? Se você dá valor à sua alma, leia apenas o tipo de livro recomendado por São Paulo a Timóteo: obras que o instruirão no caminho a ser seguido para alcançar a salvação. Evite aqueles que o levariam para o caminho largo da maldade, precipitando-o assim na ruína eterna. 

Esteja certo de que muitos cometeram grandes crimes devido à leitura de livros imorais e heréticos, e por isso se perderam eternamente. Outros, pelo contrário, com a leitura de um livro devoto, foram alimentados com a verdadeira piedade, que depois, fortalecida da mesma forma, conduziu-os ao caminho do Céu. Siga o exemplo deles e reserve um tempo para ler o Evangelho ou outro livro piedoso; e ao mesmo tempo cuide para que, seguindo os exemplos de Santa Cecília e Santa Maxilinda, você conforme sua vida às lições que receberá. “Deveis saber”, escreve São Jerônimo, “que Deus nos manda não só conhecer as suas leis, mas também viver de acordo com elas.”

III. A pureza dessas duas santas virgens foi maravilhosamente preservada pelo Todo-Poderoso. Protegeu-as quando se encontravam diante do perigo mais iminente. Para aumentar a glória de Maxilinda no Céu, Deus permitiu que ela fosse morta em defesa de sua castidade. Mas por que o Senhor protegeu as duas? Porque ambas depositaram nele a sua confiança, rezaram pedindo o seu auxílio e fizeram tudo o que estava ao seu alcance para ajudar a si próprias. 

Se você não recebe de igual modo a proteção divina, nas tentações do corpo e da alma, então a culpa é sua, não de Deus. Sua confiança no Todo-Poderoso está aquém do esperado. Sua oração é imperfeita ou, talvez, completamente negligenciada, e você não resiste com seriedade suficiente. Corrija sua conduta nesse campo, se quiser que Deus o escute. Faça tudo o que estiver ao seu alcance e implore o auxílio do Altíssimo. Repita com frequência a breve mas expressiva oração de Santa Cecília: “Ó Senhor, conservai puros o meu coração e o meu corpo, para que eu não caia na perdição.” 

A padroeira dos músicos, em pintura de Eduard Veith.

Acrescente penitência à oração, como fez Santa Cecília, e então confie inteiramente no Senhor, pois a Sagrada Escritura assegura-nos: Deus não abandona os que nele confiam. Ele tem o poder de proteger, e certamente estenderá sobre você a sua mão. “Faze tudo o que estiver ao teu alcance”, diz São Bernardo, “e deixa o resto com Deus”. Ele fará tudo o que você não for capaz de fazer. Assim fala São Tiago de Nísibe: “Em todos os perigos e tentações, devemos procurar nos ajudar com o máximo de esforço, como se não houvesse Deus para nos ajudar, ou como se tivéssemos tudo a fazer por nós mesmos, mas, ao mesmo tempo, devemos pedir ajuda a Deus Altíssimo, como se não possuíssemos nenhum meio para nos ajudar.” 

Finalmente, todos os pais devem aprender, com a história de Santa Maxilinda, a grande desgraça que podem causar, prometendo seus filhos a quem quer que seja, sem o consentimento deles ou obrigando-os a casar contra sua vontade. É natural que os pais aconselhem os filhos em matéria de matrimônio, e quando um filho quer casar com alguém que não é católico, é dever deles opor-se a isso com todas as suas forças, mas forçá-los a unir-se por toda a vida a uma pessoa pela qual não têm atração alguma, isto não é permitido; porque provoca discórdias e muitos crimes pelos quais eles terão, um dia, de prestar contas ao Todo-Poderoso. 

Os filhos, porém, também precisam saber que cometem pecado grave quando, sem motivo suficiente, se prometem em casamento a alguém, quando se casam sem o conhecimento de seus pais, ou talvez até mesmo contra a proibição deles. Em geral, observamos que tais casamentos não são abençoados, pois, segundo a Sagrada Escritura, o Todo-Poderoso reservou uma maldição específica aos filhos que entristecem os seus pais ou que, por maldade, provocam a sua ira. 

Referências

  • Extraído, traduzido e adaptado passim de: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 645ss.

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