As reações começaram assim que o tiro foi disparado na Universidade de Utah Valley. Muitos da esquerda comemoraram cruelmente a morte de Charlie Kirk, sem pensar em sua esposa e em seus dois filhos.

Na direita, muitos apressaram-se em enaltecê-lo como um mártir da liberdade de expressão e do discurso civil.

Embora o elogio seja bem-intencionado, precisamos ir muito mais longe.

Ao contrário da cultura de cancelamento da esquerda, o compromisso de Charlie com o debate aberto sobre as questões mais importantes da nossa sociedade era corajoso e admirável. Mas lembrar dele principalmente como um campeão do discurso civilizado é honrar a ferramenta, ao mesmo tempo que se ignora o templo que ele estava construindo. 

Charlie não foi assassinado porque defendia o livre intercâmbio de ideias. Ele foi morto a tiros porque era um cristão conservador corajoso, alguém com um talento singular para articular pontos de vista enraizados em milhares de anos de tradição.

Ele exortava seu público a ter fé em Jesus e a acreditar na sabedoria das Escrituras e da civilização ocidental, bem como na convicção conservadora de que existe uma ordem moral objetiva à qual todos devemos nos submeter de corpo e alma. Existe um Deus das nações diante do qual o homem deve dobrar seus joelhos. 

Essas opiniões ainda são defendidas por conservadores comuns em todos os Estados Unidos, mas são vistas como blasfemas pelos sumos sacerdotes do progressismo, que ocupam a maioria das nossas instituições de elite. 

Multidão participa de vigília por Charlie Kirk, dia 14 de setembro, em Dublin, Ohio. Foto: Adam Cairns/Columbus Dispatch.

A organização em que trabalho, o Intercollegiate Studies Institute, ensina todos os anos, a milhares de estudantes universitários, os princípios e virtudes que formaram a nossa nação e que Charlie defendia. Nossos líderes estudantis e oradores também têm sofrido violência e ameaças por organizarem eventos desafiando as ortodoxias progressistas nos campi. Por causa do meu trabalho, tive uma vez a oportunidade de passar uma hora conversando com Charlie.

Além desse encontro pessoal, no entanto, a morte de Charlie me atingiu ainda mais de perto. Minha esposa e eu vimos as publicações nas redes sociais de pessoas do nosso círculo, incluindo parentes — as zombarias e os aplausos irônicos, até mesmo as comemorações flagrantes por sua morte —, e nos perguntamos: o que essas pessoas estão dizendo a nós?

Se elas acham que as opiniões de Charlie eram cheias de ódio, racistas, transfóbicas e fascistas, então elas acham que as nossas também são. Muito do que ele defendia era defendido por nós também, assim como por milhões de compatriotas nossos. Estamos educando nossos filhos para serem cristãos e conservadores corajosos, que aceitarão a maior parte das coisas que ele defendia.

Não tenho o talento nem os meios de que dispunha Charlie Kirk. Mas quando pessoas da nossa comunidade insinuam que o mundo está melhor sem ele por causa do que pregava, ou que ele teve o que merecia, estão sugerindo que o mundo também ficaria melhor sem nós. Je suis Charlie, de fato. 

O tempo cicatrizará algumas das feridas causadas por essa tragédia. Em nossas comunidades e famílias, quando os ânimos se acalmarem, poderemos novamente nos cumprimentar e “concordar em discordar”. Mas será uma trégua instável, na melhor das hipóteses. Ela não durará. 

E não vai durar porque o seu preço é muito elevado. Só poderemos manter a paz enquanto nos abstivermos de dizer a verdade uns aos outros. No entanto, o amor exige que digamos a verdade.

Afinal, o diálogo não é um fim em si mesmo. Queremos viver retamente. E, para decidir como fazer isso, precisamos ser capazes de chamar uma boa ação de boa ação e um pecado de pecado. Devemos ser capazes de falar sobre amores ordenados e desordenados. Devemos distinguir a verdade da mentira.

Charlie compreendeu isso. Num evento realizado em um campus universitário, ao ser questionado sobre o que Jesus defendia, Charlie disse ao seu público:

Às vezes, no Evangelho moderno, nós enfatizamos demais a graça e subestimamos a verdade [...]. Cristo não se concentra apenas na graça. Ele também se concentra na verdade [...]. Imagine quantos problemas teríamos hoje se abordássemos alguém e disséssemos: pare de pecar. —  Não, não — na verdade, estaríamos sendo semelhantes a Cristo [...]. Cristo nos ama demais para permitir que continuemos a viver no pecado.
“Jesus e a adúltera”, por Ticiano.

O debate civilizado é um bom meio, mas não é o fim. O fim é a submissão total à verdade: a obediência a Deus. 

A liberdade de expressão e o mercado de ideias não produzem mártires. A fé sim. Como todos os mártires, no fim das contas, Charlie morreu por causa de sua fé. 

Aqueles que, como nós, têm a mesma visão de mundo que ele, devem renovar seu compromisso com ela e proclamá-la com mais força do que nunca. Em nosso círculo de colegas, amigos e parentes, devemos insistir não apenas na importância do diálogo, do debate e da convivência, mas também na veracidade daquilo em que acreditamos. O amor exige isso. 

“Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça”. Para a maioria de nós, isso não se traduzirá em atentados à bala, mas em perseguições mais sutis: a exclusão discreta de certos empregos, o abandono por velhos amigos ou o recebimento de mensagens sugerindo que o mundo seria melhor sem a nossa presença — mensagens enviadas ou compartilhadas até mesmo por pessoas que amamos.

Charlie pagou o preço mais elevado. Sua morte não deve diminuir nossa confiança na verdade. Ao contrário, ela deve nos tornar mais conscientes do preço a ser pago por ela.


Spencer Kashmanian, autor deste artigo, é chefe de gabinete do Intercollegiate Studies Institute, além de ser marido e pai católico. Formou-se em Política, Filosofia e Economia pelo King’s College, em Nova Iorque. Seu texto foi publicado originalmente no site Crisis Magazine.

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