Durante grande parte de sua vida, John Henry Newman foi uma figura proeminente na Igreja da Inglaterra. Brilhante teólogo, pregador e professor em Oxford, era amplamente respeitado por sua inteligência e piedade. Por muito tempo, como sacerdote anglicano, Newman dedicou-se a defender a Igreja da Inglaterra contra o secularismo e os supostos erros do catolicismo. No entanto, numa dramática reviravolta da Providência, o próprio trabalho que ele empreendeu para defender o anglicanismo acabou por levá-lo a abraçar a Igreja Católica, à qual por tanto tempo ele se opusera.
Newman foi uma figura central no Movimento de Oxford (1833-1845), um grupo de estudiosos e clérigos anglicanos que buscavam revitalizar a ligação da Igreja da Inglaterra com suas antigas raízes católicas. Eles enfatizavam a importância dos primeiros Padres da Igreja, da sucessão apostólica, da beleza litúrgica e dos sacramentos, mantendo-se firmemente dentro da tradição anglicana. Newman e seus colegas acreditavam que a Igreja da Inglaterra representava uma via media, um caminho intermediário, entre os extremos da Reforma Protestante e da autoridade católica romana.
À medida que a oposição ao Movimento de Oxford crescia e as disputas teológicas se intensificavam, Newman sentiu-se compelido a defender a integridade do anglicanismo com base em fundamentos intelectuais mais sólidos. Ao fazê-lo, decidiu escrever uma obra teológica que distinguisse o ensino anglicano do catolicismo romano, sem deixar de afirmar sua legitimidade como verdadeiro legatário do cristianismo apostólico. O resultado foi sua obra-prima de 1845: An Essay on the Development of Christian Doctrine [“Ensaio sobre o Desenvolvimento da Doutrina Cristã”, publicado em português brasileiro pela editora Cultor de Livros].
A ironia é inevitável: a tentativa de Newman de defender o anglicanismo tornou-se o próprio instrumento de sua conversão.
À medida que Newman estudava a história da Igreja com cada vez mais profundidade, ficou convencido de que muitas das doutrinas por ele rejeitadas como “acréscimos” católicos — por exemplo: o papado, a devoção mariana e o purgatório — não eram corrupções, mas desenvolvimentos orgânicos que brotavam da semente do ensino apostólico. Em contrapartida, começou a perceber que a pretensão anglicana de possuir plena continuidade com a Igreja primitiva era historicamente frágil e teologicamente inconsistente.
Foi neste contexto que Newman escreveu a sua famosa frase: “Aprofundar-se em história significa deixar de ser protestante.”
Quando terminou de escrever seu “Ensaio”, Newman já tinha tomado a sua decisão. Sua honestidade intelectual, somada a muitos anos de luta espiritual, levou-o à convicção de que a Igreja Católica era a verdadeira continuação da Igreja fundada por Cristo. Em outubro de 1845, ele foi recebido na Igreja pelo missionário passionista italiano Beato Domingos Barberi.
A conversão de Newman chocou a sociedade inglesa e escandalizou a muitos de seus antigos colegas anglicanos. Para eles, Newman não tinha apenas deixado uma igreja; tinha se aliado a um inimigo.
Mas a jornada de Newman não era de traição e, sim, de integridade. Ele seguiu a verdade aonde quer que ela o levasse, mesmo que isso tivesse um custo muito alto, pessoal e profissional.
Nos anos que se seguiram, Newman tornou-se um dos pensadores católicos mais célebres do mundo anglófono. Acabou sendo nomeado cardeal pelo Papa Leão XIII, em 1879. Sua influência foi muito além da teologia, estendendo-se à educação, à filosofia e à literatura. Em 2019, o Papa Francisco o canonizou, reconhecendo sua santidade, brilhantismo e impacto duradouro.
Agora, o Papa Leão XIV está se preparando para declarar São John Henry Newman Doutor da Igreja, um título reservado aos santos cujos escritos teológicos contribuíram significativamente para a compreensão universal da fé. Tal honra confirmaria o que muitos católicos reconhecem há muito tempo: as ideias de Newman sobre a doutrina, a consciência e o desenvolvimento da fé continuam essenciais para o nosso tempo.
A história de Newman é particularmente impactante hoje, quando muitos protestantes sinceros se debatem com questões relativas à autoridade, à doutrina e à continuidade histórica [de suas denominações]. A própria jornada do santo é um lembrete: a busca pela verdade deve ser fundamentada tanto na fé como na razão. Sejam as nossas orações para que São João Henry Newman continue a conduzir outras pessoas à plenitude da verdade e à beleza da fé católica.
Sua vida é um exemplo de que, às vezes, Deus age de forma irônica — e aqueles que procuram defender o erro de boa-fé podem acabar se tornando seus críticos mais contundentes, simplesmente por seguirem a verdade até a sua fonte.

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