Somente na santa fé católica conseguimos pensar detidamente em algo ao mesmo tempo terrível e maravilhoso, horripilante e belo, algo que queremos evitar desesperadamente, mas em que um dia também estaremos dispostos a nos lançar. Queridos pais, esta é a incrível realidade do Purgatório, o lar da Igreja padecente.

É tão óbvia esta doutrina, que o fato de os protestantes a rejeitarem nos deixa desconcertados. Eis uma uma ideia completamente chocante, mas defendida por todo protestante: desde que não sejas condenado ao inferno, quando morreres, tu te apresentarás imediatamente ao trono de Deus todo-poderoso, com toda a sujeira em tua alma deixada pelos pecados veniais, sem a necessidade de fazer penitência, sem qualquer purificação após uma vida pecaminosa; e muito mais terrível é a noção de que uma alma humana caminharia com orgulho diante do trono de Deus, em meio aos santos e aos anjos e sem pensar minimamente em purificação.

Ora, vede como nos limpamos, lavamos a roupa, lustramos os sapatos, penteamos o cabelo, vestimos jóias, tornamo-nos o mais atraentes possível, simplesmente para ir a uma reunião com tolos ou interesseiros, que se importam conosco na exata medida que lhe ditam seus caprichos em tal ocasião.

E no entanto cremos poder entrar no Paraíso, o banquete celestial, a exalar o mau cheiro do orgulho, cobertos com trapos de inveja, com o rosnado da ganância a sair-nos por entre dentes cerrados e a baba da glutonaria a escorrer-nos pelo rosto, tendo as mãos tintas do sangue da ira, a preguiça estampada nos olhos e a imundície da luxúria à vista de todos!

Ora, a doutrina do Purgatório, confirmada por inúmeras aparições, ensina que a alma se enche de confusão ao ver-se diante de Deus antes de ser purificada no fogo do amor divino. O Pe. Frederick Faber (1814–1863), mestre de vida espiritual, nos oferece uma bela explicação a este respeito em seu breve mas imponente livro Purgatory:

Após o juízo particular a alma entra no Purgatório com os olhos fascinados e o espírito docemente tranquilizado pela face de Jesus, sua primeira visão da Humanidade Sagrada. A visão permanece imóvel na alma, e embeleza os terrores desiguais de sua prisão, como se fosse atingida por um perpétuo banho prateado de luz da lua, que parece cair dos amorosos olhos de Nosso Senhor. No oceano de fogo, a alma se agarra àquela imagem. No momento em que o enxerga, ela percebe que não está preparada para entrar no Paraíso e assim vai de forma voluntária para o Purgatório, como uma pomba busca seu ninho em meio às sombras da floresta. Não são necessários anjos para conduzi-la até lá. Ela o faz por um ato de livre adoração da pureza de Deus.

O Pe. Faber cita ainda uma incrível revelação de Santa Gertrudes, tomada em êxtase divino na cena seguinte:

A santa teve uma visão espiritual de uma religiosa que passara sua vida exercitando as mais elevadas virtudes. Ela estava em pé diante de Deus, vestida e adornada com a caridade, mas não ousava erguer os olhos para observá-lo. Olhava para baixo, como se estivesse envergonhada por estar na presença dele, e mostrava com algum gesto o desejo de ficar longe dele. Gertrudes ficou assombrada com o que viu e se atreveu a questioná-lo: “Deus cheio de misericórdia! Por que não recebestes esta alma nos braços de vossa infinita caridade? O que são os estranhos gestos de acanhamento que vejo nela?”

Nosso Senhor estendeu-lhe então o braço direito amorosamente, como se a quisesse mais perto de si; mas ela, num gesto de profunda humildade e grande modéstia, afastou-se. Vendo-a absorta num fascínio ainda mais profundo, perguntou-lhe por que fugira aos abraços de um Esposo tão digno de ser amado. A religiosa respondeu:

Porque não estou ainda purificada de todo das manchas deixadas por meus pecados; e ainda que Ele me desse livre passagem até o Paraíso nesta situação, eu não aceitaria; por mais que eu pareça resplandecente aos seus olhos, sei que ainda não sou uma esposa digna do meu Senhor.

Portanto, é assombroso o fato de os protestantes acharem que um homem pecaminoso possa perambular pelos portões perolados do Céu. A alma verdadeiramente humilde deseja ser purificada, pois sabe que continua se manchando com maior ou menor intensidade, apesar do Sangue de Cristo derramado no Calvário, que tornou possível a salvação.

“Nossa Senhora com o Menino Jesus, São Nicolau de Tolentino e as Almas do Purgatório”, de Bartolomeo Guidobono.

O Purgatório, querido pai, é uma doutrina gloriosa que tu deverás ensinar aos teus filhos, um meio esplêndido de lhes preparar a alma para a visão beatífica.

Essa bela noção da disposição da alma para voar em direção às chamas não lhes diminui de modo algum a brutalidade. Ao longo de toda a história da Igreja, místicos e até algumas almas que retornaram da Igreja padecente para alertar a Igreja militante relataram que a dor da purificação é maior do que todas as dores terrenas juntas. Não é necessário ter uma imaginação vívida para concluir o quanto esse fogo deve ser dolorido, caso não sejamos capazes de repousar a mão sobre uma chama por apenas alguns segundos. É algo verdadeiramente extraordinário. É, na verdade, um mistério incompreensível para os vivos. Mas tu, querido pai, podes escutar os alertas das santas almas no Purgatório e ensinar teu filho a respeito desta bela e terrível realidade.

É absolutamente necessário que ensines teu pequeno a rezar pelas pobres almas do Purgatório. Elas desejam isso desesperadamente. Inúmeros santos e místicos testemunharam a importância do auxílio à Igreja padecente. Até Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico, afirmou: “É mais aceito o sufrágio pelo morto que pelo vivo, porque [aquele] tem mais necessidade, já que não pode ajudar-se a si mesmo como o vivo” (Suppl. 71, 5 ad 3).

Um amigo distante, que talvez tenha inclusive abandonado a Igreja, pode escolher livremente restaurar a amizade com Deus e contigo. Mas nossos amigos no Purgatório não podem mais merecer sua própria saída das chamas. Tu e tua família devem rezar pelos mortos com sinceridade e devoção. Este é mais um mistério glorioso da infinita compaixão de Deus: que Ele dê aos vivos tal poder sobre os mortos.

O Pe. Faber veste a ideia com belas palavras: 

Enquanto ajudamos as santas almas, amamos Jesus com um amor que está além de quaisquer palavras, um amor que quase nos faz ter medo, mas que medo agradável! Porque nesta devoção movemos as mãos dele, como se estivéssemos movendo as mãos inábeis de uma criança. Ó Deus caríssimo, que nos permite fazer estas coisas! Que nos permite fazer o que quisermos com sua complacência e borrifar seu Precioso Sangue como se fosse a água do poço mais próximo! Que nos permite limitar a eficácia de seu sacrifício incruento, nomear almas para Ele e esperar que Ele nos obedeça e que deva agir assim! Belo foi o abandono de sua infância bem-aventurada; belo é o seu abandono no Santíssimo Sacramento; belo é o abandono no qual, por amor a nós, Ele deseja estar plenamente em relação a suas queridas [almas] esposas no Purgatório, por cuja entrada na glória seu Coração tanto espera! Oh, que pensamentos, sentimentos e amor deveríamos ter enquanto olhamos fixamente, como coros de anjos terrenos, para o reino vasto, silencioso e imaculado do sofrimento; e então, com nosso ousado toque, brandimos a mão de Jesus empunhando o cetro sobre aquelas amplas regiões, nas quais cai com abundância o bálsamo de seu Sangue salvífico!

Por isso, querido pai, ensina teu filho a rezar sempre pelas almas benditas. Terminadas as refeições, faze com ele a seguinte oração: “Que as almas dos fiéis defuntos, pela misericórdia de Deus, descansem em paz”. Procura outras orações para recitar com teus pequenos todos os dias antes de irem dormir. E quando alguém que conheceres, ou de quem tiveres ouvido falar, deixar esta vida terrena, reúne tua família e reza uma das muitas orações pelos fiéis defuntos.

Se ensinares teu filho a sempre ter cuidado pelos membros da Igreja, tu lhe terás prestado um grande serviço. Convence-o de que suas orações literalmente libertam as santas almas de seus sofrimentos. Faze-o imaginar o quanto lhe serão agradecidas essas pobres almas quando chegarem ao Céu e como lhe pagarão o favor com suas próprias orações.

O ponto, querido pai, é que teu filho deve ter uma percepção de integralidade da Igreja, não apenas do edifício de tijolo e cimento que frequentais aos domingos. Com que frequência tu ouves falar de alguém que precisa de orações? Tu falas sobre a pessoa que delas necessita, partilhas isso com teus amigos e filhos e a colocas em tua lista de orações. Porém, a tradição prova de modo reiterado que os membros da tua Igreja estão no Purgatório e precisam de tuas orações desesperadamente, imediatamente. Eis o que significa ser membro da Igreja. Por favor, não deixes nunca que teu filho esqueça esta verdade.

Referências

  • Este artigo foi retirado de um capítulo da obra Parenting for Eternity, de Conor Gallagher, comercializada pela TAN Books.

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