Em qualquer tradição, a fidelidade à mensagem recebida é fundamental, seja em reverência àquele que anuncia a mensagem – e não quer vê-la distorcida ou modificada –, seja em respeito a quem ouve a palavra – e não quer, obviamente, ser enganado. Se não se procede assim, tudo se torna uma brincadeira de “telefone sem fio" e, no final, ao invés de comunicação, edifica-se uma torre de Babel, repleta de erros e confusão.
Ora, tudo isso é muito mais verdadeiro quando se trata da revelação de Deus, “o qual não pode enganar-se nem enganar" [1]. Alguém duvida da grande responsabilidade dos Apóstolos, que receberam de Cristo o encargo de “fazer discípulos entre todas as nações" e ensinar-lhes “a observar tudo o que vos tenho ordenado" ( Mt 27, 19. 20), sabendo que de sua fidelidade dependia, por assim dizer, a eficácia da visita de Deus ao mundo? Qual também não é o tamanho da missão confiada a todos os cristãos, chamados a “ordenar segundo Deus as realidades temporais e impregnar o mundo com a força do Evangelho" [2]? Em nossas palavras e obras, ou deixamos transparecer o Deus verdadeiro ou exibimos um simulacro, moldado impiedosamente por nossas próprias mãos.
Por isso, hoje, mais do que nunca, as palavras do Apóstolo são importantes: “ Ego enim accepi a Domino quod et tradidi vobis – Eu recebi do Senhor o que também vos transmiti" (1 Cor 11, 23). O Papa Bento XVI comenta que, mesmo para São Paulo, “originariamente chamado por Cristo com uma vocação pessoal, (...) conta sobretudo a fidelidade a quanto recebeu. Ele não queria 'inventar' um novo cristianismo, por assim dizer 'paulino'" [3], mas tão somente transmitir aquilo que ele mesmo tinha encontrado. É essa atitude que nos dá “a garantia de que cremos na mensagem originária de Cristo, transmitida pelos Apóstolos" [4].
Este ponto é particularmente importante: da integridade e autenticidade da mensagem passada depende a própria salvação eterna das almas, que encontram em perigo de perder-se por conta de mensageiros infiéis.
Foi com coragem que o Papa Paulo VI denunciou a cultura de morte na encíclica Humanae Vitae, enfrentando uma dura oposição do mundo e de prelados em conluio com o mundo. A sua resposta aos que pretendiam atenuar a doutrina moral da Igreja em favor de certa “abertura" era bem clara: “Não minimizar em nada a doutrina salutar de Cristo é forma de caridade eminente para com as almas" [5].
O santo Papa Pio X também enfrentou dificuldades quando decidiu combater com pulso firme a heresia modernista. Mesmo depois da encíclica Pascendi e da instituição do juramento antimodernista, grande foi a resistência das pessoas, às vezes dentro da própria Igreja.
Um fato significativo com relação a um padre, de nome João Semeria, merece nota. Esse sacerdote, “antes e depois da 'Pascendi', mantinha estreita relação com os mais insignes modernistas" e a sua obra “deixava entrever que no seu afecto ao modernismo talvez houvesse uma parte de convicção pessoal". Conta-se que “Pio X censurou-o um dia, porque 'tendo recebido tantos dons de Deus para fazer o bem, os empregava em escrever livros não conformes com os ensinamentos da Igreja'. Semeria respondeu que o fazia para pôr a religião ao alcance de todos. O Papa acrescentou: – Alargais as portas para que entrem os que estão de fora, mas entretanto obrigais a sair os que estão dentro" [6].
Não importa que o número de fiéis pareça pequeno, mas que se ensine a verdadeira fé e se evangelize com destemor. Sem proselitismo, pois não se pode trair a Nosso Senhor, trocando-O pelos aplausos do mundo ou por alguns trocados, como fez Judas. Não foi o próprio Cristo quem comparou o Reino dos céus a um “grão de mostarda" (cf. Mt 13, 31-32)?
Além disso, não só o Deus Todo-Poderoso não se engana e não engana a ninguém, como não pode ser enganado. Quando alguém escuta a palavra do Evangelho mas prefere modificá-la e adaptá-la aos seus próprios gostos antes de passá-la adiante, não só está enganando as pessoas, como tentando enganar o próprio Deus. E d'Ele – lembra São Paulo – não se zomba: Deus non irridetur (Gl 6, 7). Um dia, todos prestaremos contas a Deus do que fizemos com a mensagem que d'Ele mesmo recebemos.
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