Chegara o dia há muito temido pelos católicos. O reinado da amada Maria havia terminado com a morte da rainha, enquanto ouvia Missa, no dia 17 de novembro de 1558.

A filha do rei Henrique VIII e de Catarina de Aragão demonstrou ser uma governante corajosa, que julgava ser vontade de Deus que a fé católica voltasse a ser praticada abertamente no reino. Embora o pai, a fim de se livrar da esposa, tivesse dado o primeiro passo no controle da Igreja na Inglaterra, a Coroa só aderiu à heresia no reinado de seu meio-irmão Eduardo VI, filho de Henrique e Joana Seymour.

O governo de Eduardo foi marcado pelo expurgo da fé e o uso da força, física e jurídica, para impor a heresia protestante aos católicos da Inglaterra. Mas Eduardo era de saúde frágil, e o seu reinado duraria apenas seis anos. Os homens da corte responsáveis pela implementação da doutrina e do culto protestantes para a população, sendo Thomas Cranmer o principal deles, foram levados a julgamento no reinado de Maria.  

A Igreja Católica prosperou durante o reinado da amada rainha (o apelido bloody, que em inglês tem duplo sentido, sanguinário e infame, e foi associado ao nome dela por historiadores protestantes, é uma caricatura da caridade), mas o medo sempre esteve à espreita nos bastidores. A rainha não era casada quando assumiu o trono aos trinta e sete anos, mas isso logo se resolveu, quando ela se casou com o príncipe Filipe da Espanha. Infelizmente, da união não vieram herdeiros, o que alimentou o temor de que a meia-irmã de Maria, a protestante Elizabeth Tudor, filha do rei Henrique e de Ana Bolena, assumiria o trono após a morte dela.

Os católicos ingleses acreditavam que a legítima herdeira da coroa inglesa era Maria Stuart, rainha dos escoceses (1542–1567), por causa de sua fé católica e do relacionamento com a linhagem dos Tudor (ela era neta de Margarida Tudor, irmã de Henrique VIII). No entanto, intrigas políticas — a principal das quais foi a revolução religiosa na Escócia, desencadeada pelo revolucionário protestante John Knox — impediram Maria Stuart de assumir o trono inglês. 

Retrato da rainha Elizabeth I, por Marcus Gheeraerts, o Jovem.

Educada no protestantismo, Elizabeth dedicou boa parte de seu reinado de quarenta e cinco anos à supressão violenta da fé católica na Inglaterra. Elizabeth, que teve um dos reinados mais longos da história inglesa, é muito conhecida como “Boa Rainha Bess” — uma “Rainha Virgem”, forte, independente e inteligente que levou seu povo a uma era de prosperidade sem precedentes e representou o sólido protestantismo dele.

Essa narrativa foi descrita adequadamente pelo historiador católico Hilaire Belloc como a monstrous scaffolding of poisonous nonsense, “uma armação monstruosa de uma malignidade absurda”. Na realidade, Elizabeth foi uma monarca testa de ferro, controlada nos bastidores por homens poderosos que enriqueceram às custas da dissolução de mosteiros católicos no reinado de Henrique e receberam incentivo econômico para evitar a restauração permanente da fé católica na Inglaterra.

Durante o reinado de Elizabeth, os católicos ingleses sofreram muito com a primeira perseguição à Igreja patrocinada pelo Estado desde a época do Império Romano. As primeiras desculpas, apresentadas numa longa campanha legislativa para erradicar a fé católica na Inglaterra, começaram em 1559, quando Elizabeth foi declarada Governante Chefe de Todos os Assuntos Espirituais e Eclesiásticos na Inglaterra, por meio do Ato de Supremacia, que exigiu de todo o clero e de todos os professores universitários a profissão de um juramento de lealdade à rainha como chefe da Igreja. A recusa em fazer o juramento implicava confisco de bens, prisão e a possibilidade de pena de morte

Outra lei, conhecida como Ato de Uniformidade, restaurou o culto protestante na Inglaterra e exigiu que todos os cidadãos frequentassem as cerimônias da Igreja da Inglaterra. A recusa em participar delas era penalizada com multas severas. A legislação também tornou crime acreditar que o Papa era o chefe da Igreja na Inglaterra. Outra legislação anticatólica aprovada durante o reinado de Elizabeth incluía uma lei que tornava a conversão à fé católica um ato de traição punível com a morte. Quando os missionários jesuítas chegaram ao país sitiado para servir à Igreja clandestina, foram aprovadas leis que tornavam crime (de auxílio e incentivo à rebelião) abrigar ou ajudar um sacerdote jesuíta.

O ataque à Igreja na Inglaterra elizabetana exigia uma resposta, principalmente se a fé quisesse sobreviver, ainda que na clandestinidade. O cardeal William Allen prontamente reconheceu a necessidade de preparar homens ingleses para o sacerdócio fora do país, os quais seriam depois reenviados à Inglaterra. Então, em 1568 ele fundou um seminário do outro lado do Canal em Douai (hoje, parte do território francês) conhecido como Colégio Inglês. Uma vez ordenados, os graduados no seminário retornavam para casa clandestinamente, a fim de cuidar dos fiéis perseguidos.

Um desses sacerdotes, Cuthbert Mayne (1544–1577), chegou em segredo à Inglaterra no dia 24 de abril de 1576. Ele serviu à Igreja clandestina por pouco mais de um ano até ser preso em 8 de junho de 1577 e condenado à morte. Deram-lhe oportunidade de salvar a sua vida, caso renunciasse à fé católica jurando sobre a Bíblia que Elizabeth era chefe da Igreja. O Pe. Mayne tomou a Bíblia, fez o sinal da cruz e disse: “A rainha nunca foi, não é nem jamais será chefe da Igreja.” Sofreu uma execução terrível: foi enforcado, afogado e esquartejado, tendo sido o primeiro de muitos sacerdotes martirizados na Inglaterra elizabetana.

Retrato do Papa Pio V, por Bartolomeo Passarotti.

Os Papas acompanharam muito consternados a perseguição à Igreja e apoiaram os esforços realizados para servir aos católicos clandestinos na Inglaterra. Finalmente, um Papa achou que era hora de dar uma resposta radical.

Após a sua eleição ao papado, o cardeal Michele Ghislieri tomou o nome de Pio V. Atormentada pela revolução protestante em toda a Europa, a Igreja precisava dar uma resposta vigorosa. Embora a Contrarreforma tivesse começado com os seus predecessores, foi o Papa São Pio V (1566–1572) quem implementou a grande Reforma e pôs a Igreja nos trilhos da restauração e da regeneração. Um santo dominicano, ex-chefe do Tribunal do Santo Ofício em Roma, Pio V foi resoluto em oferecer ajuda aos católicos sitiados na Inglaterra. Elizabeth reinava há doze anos, e os esforços dos pontífices anteriores para trabalhar com governantes seculares a fim de aliviar os sofrimentos dos católicos ingleses mostraram-se insuficientes. Por isso, Pio V decidiu que era hora de excomungar a rainha e exigir a destituição dela.

Em 27 de abril de 1570 (i.e., 450 anos atrás), Pio V promulgou a bula Regnans in Excelsis, na qual a “falsa rainha da Inglaterra e serva do crime” foi excomungada por abraçar os “erros dos hereges”. A bula apresentou um resumo da perseguição aos católicos sob o reinado de Elizabeth e declarou sua destituição.

Não foi a primeira vez que um pontífice excomungou um governante secular e convocou uma revolução. No entanto, como em muitos casos anteriores, tal intento não atingiu seu objetivo e o tiro ainda saiu pela culatra. Elizabeth e seus conselheiros, principalmente William Cecil (1520–1598), se aproveitaram do ato como “prova” de que era impossível ser católico e inglês leal ao mesmo tempo. Durante os trinta anos seguintes do reinado de Elizabeth, a Igreja passou por outros seis pontificados. A rainha continuou a perseguição sangrenta aos católicos na Inglaterra… 

Mas o sangue dos mártires não seria em vão, e a fé católica jamais desapareceria de solo inglês.

Notas

  • Na imagem acima está a intérprete da rainha Elizabeth I no filme “Duas Coroas” (Mary Queen of Scots), de 2018. A referência, porém, não significa uma aprovação ou recomendação desse filme (que, segundo o site IMDb, contém cenas bastante inapropriadas de sexo e nudez); é uma pena, aliás, que até produções históricas desse tipo apelem à vulgaridade para fazer sucesso (Nota da Equipe CNP).

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