Uma vez que a doutrina social da Igreja diz respeito à dignidade e à vida humanas, à organização adequada da sociedade, todos os tópicos por ela abordados são importantes, mas não é necessário que sejam igualmente importantes. Sua importância pode variar conforme os princípios envolvidos, os bens e os prejuízos em jogo, os recursos disponíveis para promover o bem e vencer o mal, e as obrigações e compromissos que as diversas pessoas venham a ter.

Nem todas as ações, nem todas as práticas ou instituições promovem necessariamente os princípios da doutrina social da Igreja do mesmo modo, nem todas as más ações, más práticas ou instituições os violam necessariamente na mesma medida. Por exemplo, o direito à propriedade privada é um aspecto da dignidade da pessoa humana. Se uma gangue de rua picha todas as casas de um bairro, a gangue viola o direito das pessoas à propriedade. Isso está errado. Mas não é tão errado quanto um assassinato perpetrado pela gangue. O direito à propriedade privada não é, em si, tão importante quanto o direito à vida, embora ambos os direitos sejam fundamentais para o desenvolvimento humano.

Às vezes a questão gira em torno da conexão entre os temas. Por exemplo, o Papa São João Paulo II defendeu o que chamava de “inviolabilidade da pessoa humana”. A ideia está relacionada com o princípio da dignidade humana, um dos fundamentos da doutrina social da Igreja. De acordo com João Paulo II, a inviolabilidade da pessoa “tem a sua primeira e fundamental expressão na inviolabilidade da vida humana”. Em outras palavras, para respeitar a dignidade do homem, deve-se antes e sobretudo respeitar seu direito a viver. João Paulo II continua: 

É totalmente falsa e ilusória a comum defesa, que aliás justamente se faz, dos direitos humanos — como por exemplo o direito à saúde, à casa, ao trabalho, à família e à cultura —, se não se defende com a máxima energia o direito à vida, como primeiro e fontal direito, condição de todos os outros direitos da pessoa (Christifideles Laici, 38).

Tire-se o direito à vida, e todos os demais direitos são anulados. Questões diretamente referentes ao direito à vida tendem, portanto, a ser mais importantes do que as referentes a direitos dependentes do direito à vida. Mas o fato de algumas questões serem mais importantes que outras não quer dizer que estas não tenham importância alguma.

Em 2004, o Cardeal Joseph Ratzinger, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e futuro Papa Bento XVI, enviou um comunicado à Conferência Episcopal dos Estados Unidos delineando os princípios de dignidade para receber a Sagrada Comunhão na Igreja Católica. Referindo-se aos posicionamentos do comungante em matéria de moral e de política, o Cardeal Ratzinger sublinhou que, quando se trata do julgamento consciencioso de um católico, alguns assuntos têm maior peso moral que outros

Nem todas questões morais têm o mesmo peso moral que o aborto ou a eutanásia. Por exemplo, se um católico discordasse do Santo Padre quanto à aplicação da pena capital ou à decisão de declarar uma guerra, ele não seria considerado, por esta razão, indigno de se apresentar para receber a Sagrada Comunhão [i]. Se, por um lado, a Igreja exorta as autoridades civis a buscarem a paz ao invés da guerra e a terem moderação e misericórdia na aplicação das penas aos criminosos, por outro lado ainda se pode permitir o uso de armas para expulsar um agressor ou o recurso à pena capital. Pode haver legítima diversidade de opiniões, mesmo entre os católicos, sobre a decisão de se mover uma guerra ou de se aplicar a pena de morte, mas em nenhum caso pode havê-la sobre o aborto e a eutanásia.

Deixemos de lado, por enquanto, os debates sobre a guerra e a pena de morte. O ponto digno de nota aqui é o princípio do Cardeal Ratzinger de que nem todas as questões têm o peso que o aborto e a eutanásia

Além disso, inúmeros fatores podem estar envolvidos na hora de avaliar a importância de uma questão. Se um vilarejo do outro lado do mundo, numa área remota e de difícil acesso, é afligida por um vírus letal, é claro que se trata de uma situação alarmante. No entanto, por grave que seja a situação, talvez não sejamos capazes de fazer muito, se é que podemos fazer alguma coisa para ajudar. Mas, voltando ao exemplo anterior, talvez possamos intervir na situação da gangue de rua que está pichando o nosso bairro. Talvez nós e nossos vizinhos possamos nos reunir para vigiar a pichação e denunciar os culpados à polícia. Talvez possamos apoiar programas comunitários que direcionem os jovens para atividades mais construtivas.

Com efeito, podemos dar assistência ao vilarejo remoto por meio de orações e de doações, ou pressionando o governo para que o ajudem. Mas, ainda que haja vidas humanas em risco lá longe, é justo que escolhamos empregar nossos recursos para ajudar a comunidade em que vivemos, porque podemos resolver seus problemas com mais prontidão.

O bombardeamento atômico de Nagasaki, um dos casos recentes mais célebres de “atos intrinsecamente maus”. Fotografia de 9 de agosto de 1945, tirada por Charles Levy.

Há aqui um ponto relacionado, mas distinto, quando o assunto é a aplicação da doutrina social da Igreja a diferentes questões: algumas delas envolvem coisas que são por si erradas. São frequentemente o que chamamos de ações intrinsecamente más. Por exemplo, o aborto, a eutanásia, o genocídio, o ataque à população civil em guerras internacionais. O que é intrinsecamente mau jamais pode ser objeto de escolha ou de apoio nem se tornar direito ou bandeira política

Mas há coisas que não são intrinsecamente más. Podem ser erradas sob determinadas condições, e no entanto aceitáveis em outras. Ir à guerra é um exemplo. Discutiremos o ensinamento da Igreja sobre a guerra justa noutra ocasião [ii]. Por ora, basta notar que a justificativa moral de uma guerra depende de uma variedade de fatores, diferentemente do aborto, da eutanásia, do genocídio e do ataque intencional a civis numa guerra, injustificáveis por princípio.

Considere-se por outro lado a diminuição de impostos, que não pode ser nem boa nem má enquanto tal. Há situações em que diminuir impostos pode ser a coisa certa a fazer. Mas há situações em que baixar os impostos pode incapacitar o governo de cumprir suas obrigações para com os cidadãos, entre os quais sempre há os que saem seriamente prejudicados. 

Os católicos devem opor-se a coisas que são erradas sempre e em todo lugar (intrinsecamente más). É impossível apoiar e promovê-las sem cooperar formalmente com elas e, em certo sentido, sem fazer delas nossos próprios males. Mas isso não significa dizer que devamos apoiar, nem que estejamos moralmente obrigados a nos opor, a qualquer coisa que não seja intrinsecamente má. 

O modo de abordar uma questão que envolva o bem ou o mal em função das circunstâncias é matéria de prudência.

Notas

  1. Embora o ensinamento mais recente dos Papas (cf. v.g., a encíclica Evangelium Vitae, do Papa São João Paulo II), com base num juízo prudencial e “em função das circunstâncias” sociais e políticas em que vivemos, seja de repúdio ao recurso da pena capital, o próprio fato de a Igreja o ter considerado, noutros tempos, “como uma resposta adequada à gravidade de alguns delitos e um meio aceitável [...] para a tutela do bem comum” (Catecismo da Igreja Católica § 2267) mostra que a pena de morte não é intrinsecamente má, como o são o aborto e a eutanásia (N.T.).
  2. Cf. a esse respeito Catecismo da Igreja Católica § 2309 (N.T.).

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