São Pedro, homem de grande virtude e erudição, foi patriarca de Alexandria, sua cidade natal. Na época em que os imperadores Diocleciano e Maximiano tentavam eliminar a religião cristã, ele fez tudo o que estava ao seu alcance para confirmar os cristãos na verdadeira fé e encorajá-los a preparar-se para o martírio. Ele mesmo só desejava ardentemente dar a vida por Cristo, mas os fiéis o obrigaram a esconder-se até que cessasse a perseguição. 

A tormenta mal havia diminuído quando Melécio, bispo de Antioquia, causou-lhe novos problemas, propagando heresias e cometendo outros crimes, que obrigaram São Pedro a depô-lo de sua sede e excomungá-lo. Ário, um orgulhoso e ambicioso sacerdote de Alexandria, defendeu a conduta e a doutrina de Melécio, desafiando São Pedro. E como nem as orações nem as ameaças puderam demovê-lo de ações tão injustas e perversas, o zeloso patriarca viu-se obrigado a separá-lo igualmente da Igreja de Cristo, por meio da excomunhão.

Durante este cisma na Igreja, um funcionário do império foi a Alexandria, prendeu São Pedro e meteu-o num calabouço. Ário julgava que, morto o santo, certamente ele obteria a cátedra patriarcal, se fosse reconciliado com a Igreja. Por isso, fingiu estar arrependido de seu erro e, dirigindo-se aos clérigos, pediu-lhes que suplicassem ao patriarca a revogação da sentença de excomunhão, declarando que havia abandonado a causa de Melécio, estando decidido a viver e morrer como católico. 

Aquilas e Alexandre, tocados por essas palavras enganadoras, suplicaram a São Pedro que atendesse o pedido. O patriarca, iluminado por Deus, respondeu com um profundo murmúrio: 

Sei que Ário está tomado pela hipocrisia e pelo espírito de blasfêmia. Como posso recebê-lo na Igreja outra vez? Deveis saber que, ao excomungá-lo, não agi por vontade própria, mas por inspiração do Todo-Poderoso. Ainda ontem à noite, Cristo apareceu-me sob a forma de um belo jovem, trajando uma veste branca como a neve, que infelizmente estava rasgada. Fiquei aterrorizado e perguntei: “Senhor, qual o significado disso? Quem rasgou o vosso manto?” Ele respondeu: “Foi Ário, porque, com sua heresia, dividiu a minha Igreja e vai aumentar ainda mais a ruptura.”
Aparição de Jesus a São Pedro de Alexandria. Afresco do Mosteiro de Dionísio, no Monte Atos.

Pedro afirmou ainda que Cristo lhe havia proibido de acolher Ário novamente no seio da Igreja, e ordenou a Aquilas e Alexandre que também o rejeitassem, quando o sucedessem, um após o outro, na cátedra patriarcal. Tendo dito isso, o santo admoestou-os a proteger, com cuidado paternal, o rebanho de Cristo, dispensando-os em seguida com a bênção. 

Pouco depois, por ordem do imperador, São Pedro foi conduzido ao local da execução sem qualquer julgamento. Os cristãos tentaram interferir, mas o santo apressou-se alegremente para o lugar onde deveria receber a coroa do martírio. Sua morte ocorreu no ano 310. Os cristãos levaram o sagrado corpo até a igreja, paramentaram-no com as vestes pontifícias e colocaram-no sobre a cátedra de São Marcos, na qual a humildade de Pedro e a sua reverência pelo santo evangelista nunca lhe tinham permitido sentar-se em vida (pois ficava sempre sentado num dos degraus que a ela conduziam). Depois de prestarem as devidas honras ao sagrado corpo durante algum tempo, depositaram-no em um sepulcro.

* * *

São Conrado, que ficou muito célebre no século X por sua erudição e virtudes, bem como por seus milagres, era descendente da nobre casa dos condes de Altorf. A vida piedosa e recolhida que levou desde a juventude fez dele um predileto de todos. Estudou as artes liberais e os ramos mais elevados do conhecimento com tanto sucesso, que merece ser contado entre os grandes homens de seu tempo. Noting, bispo de Constança, homem que apreciava a virtude e o talento, admitiu Conrado entre os cônegos de sua igreja e consultava-o com frequência. Nessa função, Conrado se esforçou por viver ainda mais virtuosamente do que antes. Era humilde e reverente para com Deus, bondoso e liberal para com o próximo, mas austero e sem piedade para consigo, castigando constantemente o corpo com penitências e negando a si mesmo todo tipo de conforto e lazer. Numa palavra, sua conduta era irrepreensível e santa.

Dedicava especial atenção aos pobres e oprimidos, proporcionando-lhes livre acesso ao bispo e usando toda a sua influência para apoiar suas solicitações. Após a morte do reitor da catedral, Conrado foi unanimemente escolhido como o mais digno de ocupar o cargo. Foi elevado a uma dignidade ainda maior com a morte de Dom Noting. Ulrico, o santo bispo de Augsburgo, muito interessado no bem-estar da sé de Constança, decretou um tríduo de orações públicas e jejum para que Deus orientasse a escolha do sucessor do falecido bispo. Quando chegou o dia da eleição, os cônegos reunidos pediram-lhe que votasse primeiro naquele que considerasse mais digno. Sem hesitar, Ulrico votou em Conrado. 

Todos os presentes se juntaram a ele, sem mais deliberações, e assim Conrado tornou-se bispo, embora seu consentimento tenha sido obtido com dificuldade. Com grande proveito e satisfação de seu rebanho, governou sua sé durante 42 anos. Sua maior preocupação era agradar a Deus e à sua própria consciência pelo cumprimento dos deveres de seu cargo. Esforçou-se por adquirir e praticar as virtudes que o santo Apóstolo recomenda a um bispo, e todos os dias dedicava muitas horas à oração. Agradavam-lhe as conversas piedosas e, mais de uma vez, ele e Santo Ulrico mantiveram-nas até tarde da noite, pois sentia que isso o estimulava a servir com mais zelo ao Todo-Poderoso.

Vitral de São Conrado, na Paróquia de São Genésio, em Blumberg, Alemanha.

[Imagem à esquerda: Vitral de São Conrado, na Paróquia de São Genésio, em Blumberg, Alemanha.]

Era, porém, inimigo de todas as conversas inúteis e ainda mais das frívolas. Procurava, por meio da pregação, manter seu rebanho longe do pecado e do crime, e conduzi-lo à virtude. Reforçava as suas palavras o belo exemplo que lhes dava com sua vida santa. Buscou aumentar a glória de Deus ao construir três magníficas igrejas. Cruzou o mar três vezes para visitar os lugares consagrados pelos passos de Nosso Senhor. Construiu na cidade um hospital para consolar os pobres, e nele hospedava e alimentava doze pobres por dia, em honra dos Apóstolos.

Por falta de espaço, temos de omitir muitas outras obras generosas realizadas por ele, e acrescentar apenas que muitas vezes Deus preservou a vida de seu servo fiel de modo milagroso e o glorificou perante o mundo com graças admiráveis. Dentre elas estavam os dons de milagres e profecia. Como prova deste último, há em sua biografia o episódio seguinte. 

Certo dia, o santo bispo pegou de surpresa um jovem piedoso, chamado Gebardo, que havia se sentado sem querer na cátedra episcopal. Assustado com a presença do bispo, o jovem levantou-se e fugiu. Conrado, porém, ao chamá-lo de volta, disse: “Gebardo, tomaste o meu lugar demasiado cedo: não tomarás posse dele depois de mim, mas depois do meu sucessor.” A palavra do santo foi cumprida. Depois de sua morte, ocorrida no 43.º ano de seu ministério episcopal, Gamenoldo foi eleito bispo e, depois dele, Gebardo. O túmulo de São Conrado tornou-se o refúgio de todos os doentes e aflitos.

Considerações práticas

I. São Pedro de Alexandria é um desses mártires gloriosos, que se dirigiram com alegria ao lugar de sua execução para dar a vida pela verdadeira fé. 

Execução de São Pedro de Alexandria, retratada no Menológio de Basílio II.

[Imagem central: Execução de São Pedro de Alexandria, retratada no Menológio de Basílio II.]

Será que você nunca sentiu o desejo de ter vivido naquela época e ter derramado o sangue por Cristo? Eu o felicito por haver nutrido um tão piedoso desejo. Mas como agora você não tem a oportunidade de morrer como mártir por amor ao Salvador, esforce-se ao menos por viver para Ele e tornar-se um mártir sem derramamento de sangue. 

Como é possível fazer isso? Orígenes responde: “Podemos ser mártires sem derramar nosso sangue, suportando com paciência as cruzes e provações.” São Bernardo diz o mesmo: “Conservando sempre em teu espírito a verdadeira paciência, podes tornar-te mártir sem a espada.” São Gregório também pensa assim, e acrescenta: “Suportar com paciência as injustiças e as perseguições, e amar o inimigo, é uma espécie de martírio.” Diz São João Crisóstomo: “Martírio é suportar com paciência a pobreza por amor a Deus.” E Santo Agostinho: “Se um cristão vive em conformidade com o Evangelho, sua vida inteira é uma cruz, um longo martírio.” Em outra ocasião, o mesmo santo mestre nos ensinou que somos mártires quando vencemos nossas paixões, evitando a luxúria, preservando a justiça, desprezando a avareza e refreando o orgulho. São Lourenço, num sermão, ensina-nos que “mártir” significa “testemunha” em grego. “Portanto”, ele conclui, “sempre que cumprimos as ordens de Cristo e fazemos o bem, somos testemunhas do Senhor e, nesse sentido, mártires.” 

Eis como você pode se tornar um mártir de Cristo, e sem dúvida haverá muitas oportunidades de fazê-lo. Procure, então, suportar com paciência as cruzes e os sofrimentos, viva em conformidade com o Evangelho do Senhor, modere suas paixões, seja casto e evite todos os vícios, deixe que sua conduta seja testemunha de sua fidelidade a Jesus Cristo, e você se tornará um verdadeiro mártir, mesmo sem derramar o próprio sangue.

II. São Conrado amava as conversas devotas, era inimigo das inúteis e ainda mais das frívolas. Se quiser evitar muitos pecados, fuja das conversas vãs, inúteis, pouco castas; em suma, das conversas pecaminosas, e busque ocasiões para falar de assuntos piedosos, a fim de ser estimulado a servir com mais zelo ao Senhor. Santo Tomás de Aquino diz: “A natureza deu aos animais irracionais a audição, a visão, o paladar e o olfato; mas a linguagem só foi dada ao homem, como ser racional, para nos ensinar que a fala é caraterística da razão e deve ser usada com razão.” 

Agora, permita-me perguntar-lhe: não é absolutamente contrário a toda a razão o fato de você raramente ou nunca falar de Deus e de assuntos sagrados, e falar muito e com frequência de coisas que ofendem aquele que lhe deu e preservou o dom da fala? Não seria isso contrário a toda a razão? “Deus nos deu boca, olhos e ouvidos”, diz São João Crisóstomo, “para que com eles o servíssemos”. Então, como poderemos nos justificar, se não os usamos com esse fim, mas abusamos deles para ofender a majestade do Altíssimo? Será razoável transformar os meios que nos foram dados para servir a Deus em meios de ofendê-lo?

Referências

Extraído, traduzido e adaptado passim de: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 665ss.


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