Em uma tarde recente, comprei flores para minha esposa, Lisa, num supermercado perto de casa, na Flórida. O caixa, um senhor na casa dos 80 anos, viu as flores e perguntou: “É uma ocasião especial?”

— Bem, estou casado há uns trinta anos —, respondi.

— Eu costumava fazer isso — respondeu com tristeza —, mas agora ela se foi…

— Sinto muito…

— Eu também — respondeu ele delicadamente.

Depois que paguei a conta e peguei o arranjo, o velho cavalheiro olhou de novo para as flores em meu braço, olhou-me nos olhos e disse:

— Não pare de fazer isso.

O que tornou a conversa ainda mais interessante foi outra que tive no início daquela manhã. Um amigo católico disse-me que acabara de ler um folheto numa prateleira nos fundos da igreja. Era sobre nulidade. Afirmava brevemente a indissolubilidade do Matrimônio, e logo passava a especificar como um casamento canonicamente reconhecido poderia nunca ter existido. Na verdade, mais de um terço do folheto descrevia como obter uma declaração de nulidade.

É difícil entender como a distribuição de panfletos sobre nulidade na igreja seria algo edificante para os fiéis. Um panfleto repleto de conceitos teológicos desconcertantes como “defeitos”, “forma canônica” e listas de “impedimentos” pode levar o leitor casado a projetar no dia de seu próprio casamento algumas curiosidades mórbidas: “Será que eu me casei direito? Será que cumpri todos esses requisitos? Será que tenho certeza — certeza absoluta! — de que o meu casamento realmente aconteceu há tantos anos?”

Sobretudo para quem sofre de escrúpulos, perguntas como essa podem corroer a alma sem dó nem piedade. John Janaro, em seu livro Never Give Up: My Life and God Mercy [“Nunca desista: minha vida e a misericórdia de Deus”, sem tradução portuguesa], nota que “a obsessão do ‘casamento inválido’ é extremamente comum entre cristãos que têm TOC [transtorno obsessivo-compulsivo]”. Folhetos sobre nulidade podem alimentar essa obsessão. Isso talvez explique por que, até relativamente pouco tempo atrás, as obras de direito canônico relativas à nulidade não se destinavam ao público leigo em primeiro lugar.

(Antes que alguém se desespere: é relativamente fácil casar-se de forma válida. De todos os sete, o Matrimônio é certamente um dos sacramentos mais fáceis de se realizar [i]. Em casos extremos, o direito canônico admite ser dispensável até mesmo a presença do sacerdote para a realização do sacramento. Se, por exemplo, estiverem presos numa ilha tropical, um homem e uma mulher solteiros e batizados podem consentir livremente em se casar, mesmo que não haja padre. Podem também batizar os filhos nascidos dessa união com as mesmas águas tropicais que os rodeiam. Pois Deus, autor do Matrimônio, ama o casamento e tem tudo providenciado para circunstâncias do tipo.)

(Além disso, o Código de Direito Canônico afirma no cân. 1060 que “o matrimônio goza do favor do direito; portanto, em caso de dúvida, deve-se estar pela validade do matrimônio, enquanto não se prova o contrário” [ii]. Ou seja, a validade de um casamento deve ser sustentada pela esposa, sustentada pelo marido, sustentada pelo pároco, sustentada pelo Papa.)

Admito: os que distribuem tais folhetos na igreja podem até ter boas intenções; mas eu respeitosamente questiono a sabedoria do ato. Não é pouca coisa questionar a validade de um sacramento relacionado à própria vocação.

Para deixar claro este último ponto: e se esses folhetos fossem substituídos por panfletos questionando a validade de algumas ordenações sacerdotais? E se os folhetos — de forma doutrinalmente precisa — detalhassem o procedimento para averiguar a nulidade, não já de um casamento, mas de uma ordenação? É fácil ver como isso escandalizaria os fiéis nos bancos das igrejas. Como, pois, questionar a validade de um sacramento é diferente de questionar a de outro?

Os leigos católicos — especialmente os que foram mal catequizados, muitas vezes sem culpa própria — estão se afogando na incerteza e no caos. Buscam manter-se à tona. Precisam de botes salva-vidas. Mas exibir folhetos sobre nulidade na igreja é jogar-lhes uma âncora.

Amados sacerdotes, ensinem-nos a bondade e a grandeza do sacramento do Matrimônio. Ajudem-nos a alimentar nossos casamentos.

Talvez o pontapé inicial seja substituir panfletos de nulidade por singelos lembretes: “Marido, nunca deixe de comprar flores para a sua esposa”.

Eis um pequeno conselho que acabei de aprender com um velho amigo.

Notas

  1. O Matrimônio é o sacramento “mais fácil” de realizar em sentido absoluto, isto é, considerado em seus elementos essenciais, que são, a título de matéria, o corpo dos cônjuges e, a título de forma, o consentimento mútuo em entregá-lo ao outro em ordem à procriação. Mas em sentido condicionado, isto é, levando-se em conta todos os requisitos para ser válido, o Matrimônio não é um sacramento “fácil” de realizar. A razão disso é que, sendo a mútua entrega dos corpos de natureza contratual, cujas propriedades vêm definidas pela natureza e pelo fim próprio da instituição familiar, um homem e uma mulher só contraem matrimônio válido se aceitam todas as cláusulas constitutivas do contrato, ou seja, que queiram livremente constituir um consórcio íntimo de toda a vida, uno e indissolúvel, ordenado por sua índole natural à geração e à educação de filhos (cf. Código de Direito Canônico, Cân. 1055–1056) (N.T.).
  2. A crítica do autor não tem em vista desencorajar as pessoas que, de boa-fé e sob orientação de seus pastores, duvidam sinceramente da validade do próprio casamento e pedem à Igreja para verificar sua situação. O que se questiona é a conveniência de que orientações sobre nulidade integrem os manuais de catequese básica sobre o casamento, pois, numa sociedade “divorcista” como a nossa, facilmente se pode obscurecer nas pessoas, com isso, a dimensão indissolúvel do sacramento do Matrimônio (N.T.).

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