A pessoa humana começa a ser sujeito do batismo desde o instante de sua concepção no seio materno. Isso levanta gravíssimos problemas, que vamos examinar a seguir.

1.º Ninguém deve ser batizado no ventre materno enquanto houver fundada esperança de que possa ser batizado, uma vez dado à luz normalmente.

A razão é que, motivos de pudor à parte, o batismo administrado à criança ainda encerrada no seio materno é muito duvidoso, pela dificuldade de lavar certamente a cabeça dela com a água batismal, e não é lícita a administração duvidosa de um sacramento fora de caso de necessidade.

No entanto, se há temor fundado de que a criança não poderá nascer ou de que nascerá morta, deve-se-lhe administrar, ainda encerrada no seio da mãe (valendo-se, por exemplo, de uma seringa, de uma esponja empapada d’água etc.), o batismo sob a condição: Se és capaz; se depois nasce viva, deve-se repetir o batismo sob a condição: Se não estás batizado.

Quando se administra o batismo intrauterino, deve-se cuidar para que a água batismal banhe o feto, já que seria insuficiente batizá-lo nas membranas ou secundinas [i], que não pertencem propriamente ao feto mas à mãe.

“O Batismo”, por Pietro Longhi.

2.º Se a criança estiver de cabeça exposta e houver perigo próximo de morte, seja batizada na cabeça, não devendo ser batizada depois sob condição, se houver nascido viva.

A razão é que o batismo administrado na cabeça da criança, ainda que meio nascida, é certamente válido, por isso não deve ser repetido.

Convém que tal batismo de emergência seja administrado, em caso de perigo próximo de morte, pelo médico ou pela parteira, que estão gravemente obrigados a aprender e a administrar convenientemente o batismo nestes casos extremos.

3.º Se tiver exposto outro membro, deve ser batizada nele sob condição, se há perigo iminente; neste caso, se nascer com vida, deve ser batizada de novo sob condição.

A razão é que o batismo administrado fora da cabeça é duvidoso, por isso deve empregar-se a fórmula condicional em ambas as administrações, a saber: Se és capaz, na primeira; Se não estás batizado, na segunda. A última deve ser administrada, obviamente, na cabeça da criança.

4.º Morrendo a mãe ainda grávida, o feto, uma vez extraído por aqueles a quem compete fazê-lo, deve ser batizado de forma absoluta, se com certeza está vivo; em caso de dúvida, sob condição.

Trata-se de uma obrigação em si mesma grave, em virtude do preceito de caridade que manda socorrer o próximo em extrema necessidade espiritual, mesmo à custa de grandes incômodos temporais e inclusive com perigo para a própria vida. No entanto, para que urja de fato esta grave obrigação de caridade, é preciso que se reúnam estas duas condições:

1.ª Probabilidade de encontrar-se o feto vivo. Em virtude deste princípio, não é certa a obrigação de praticar a operação cesárea na mãe morta nas primeiras semanas de gravidez (talvez até o segundo ou terceiro mês), já que nestas circunstâncias é muito difícil que o feto também não tenha morrido ao mesmo tempo ou antes que ela. Mas deve ser feita a partir do terceiro ou do quarto mês, sobretudo se a mãe houver sofrido morte súbita ou violenta, a não ser que conste com certeza que o feto pereceu também no mesmo acidente violento (por exemplo, por eletrocução).

2.ª Pessoa idônea para realizar a operação. Se está presente o médico ou o cirurgião, são eles que a devem praticar, obviamente; na ausência deles, poderia realizar a operação o estudante, a parteira ou mesmo pessoa alheia à arte cirúrgica, desde que possua os conhecimentos indispensáveis para acometer com êxito a operação. Pela salvação eterna da pobre criança vale a pena arriscar uma operação que em nada prejudicará a mãe defunta e pode, pelo contrário, salvar inclusive a vida temporal da criança, se o falecimento da mãe tiver ocorrido depois do sétimo mês de gravidez.

“O Batismo de Cristo”, por Sébastien Bourdon.

A Sagrada Congregação do Santo Ofício adverte de maneira belíssima e emocionante que os fiéis não devem levar a mal que se abra o corpo da mãe já morta para batizar e salvar a vida eterna, e talvez também a temporal, da criança, quando sabemos que o nosso Salvador permitiu que se lhe abrisse o peito para nos salvar. Irracional e ímpio é condenar à morte eterna o filho vivo pela tolice de querer conservar íntegro o cadáver da mãe.

Não se esqueça que o feto humano pode sobreviver à mãe uma ou várias horas, conforme o caso. Convém, não obstante, praticar a operação cesárea quanto antes, conservando entrementes o calor do ventre maternal (por exemplo, com panos quentes, almofada térmica etc.).

Seja como for, se em virtude de circunstâncias especiais (por exemplo, poucas semanas de gravidez, tipo de morte da mãe etc.), houver poucas esperanças de encontrar o feto vivo por meio da operação cesárea, dever-se-ia tentar ao menos um batismo intrauterino da forma explicada no primeiro princípio. Tenha-se em conta que se trata de assunto tão grave como o da salvação eterna da criança; para assegurá-la, vale a pena esgotar as possibilidades ao nosso alcance.

5.º Deve-se cuidar para que todos os fetos abortivos, independentemente do tempo em que vieram à luz, sejam quanto antes batizados de forma absoluta, se com certeza estão vivos; em caso de dúvida, sob condição.

Expliquemos separadamente os termos do princípio.

Deve-se cuidar, quer dizer, é obrigatório em consciência, sob pena de pecado mortal.

Para que todos os fetos abortivos, quer se trate de um aborto involuntário e inculpável, quer se trate de um aborto criminoso e provocado deliberadamente. Perante Deus, também é criminoso o chamado “aborto terapêutico”, provocado diretamente para salvar a mãe.

Independentemente do tempo em que vieram à luz. A razão é que o feto humano é sujeito capaz do batismo desde o instante de sua concepção como tal pessoa humana. Por isso, deve-se batizar sempre (mesmo com a fórmula condicional: Se és capaz) qualquer embrião ou feto abortivo, mesmo que seja de poucos dias e não tenha ainda nenhuma aparência humana.

Sejam batizados de forma absoluta, se com certeza estão vivos; em caso de dúvidas, sob condição. Eis aqui o modo de proceder na prática:

a) Se se trata de feto que já tem forma humana, seja batizado na cabeça, empregando água natural e a fórmula absoluta ou condicionada (Se és capaz), conforme o caso.

b) Se se trata de feto embrionário (ainda sem forma humana) que aparece envolto nas secundinas, submerja-se em água (morna, se possível) todo o invólucro e, tomando-lhe alguma dobra, rompa-se o envoltório para que saia o líquido amniótico e a água banhe diretamente o feto; ao mesmo tempo, pronuncie-se a fórmula sob a condição: Se vives, ou: Se és capaz… É mais seguro tirá-lo da água imediatamente após a imersão para completar o significado sacramental.

Este batismo de emergência pode e deve ser administrado por qualquer pessoa, sem distinção de estado, sexo ou idade.

N.B. — O batismo de fetos abortivos (absoluto ou condicional, conforme o caso) nunca deve ser omitido, ainda que o feto pareça morto. Com frequência esses fetos, ou crianças já inteiramente formadas, nascem em estado de asfixia e de morte aparente, que pode prolongar-se por várias horas, sem produzir morte real. Só há um sinal certo e evidente de morte real: putrefação clara e manifesta.

6.º Devem-se batizar sempre, ao menos sob condição, os monstros e os ostentos [ii]; na dúvida se há um ou vários homens, deve-se batizar um deles de forma absoluta e aos restantes sob condição.

Entende-se por monstros e ostentos — no sentido que aqui nos interessa — os engendrados por mulher que apresentam aspecto de animal, estão destituídos em parte de figura humana ou apresentam membros multiplicados (por exemplo, duas cabeças, três braços etc.). Os que não têm qualquer forma humana ou de animal, aparecendo externamente como massa informe de carne, recebem o nome de molas.

Os monstros e os ostentos devem ser batizados, pelo menos, sob a condição: Se és capaz. Se aparecem várias cabeças com um só tronco, deve-se batizar de forma absoluta uma delas e às outras sob condição: Se não estás batizado.

As molas ou massas de carne informe que vão absorvendo o feto até destruí-lo devem ser abertas para ver se ainda o contêm e batizá-lo sob condição: Se vives, ou: Se és capaz. Seria inválido o batismo administrado sobre a mola, já que ela certamente não é o feto, embora o contenha.

Referências

  • Este artigo é uma tradução de: Antonio R. Marín, OP, Teología moral para seglares. 5.ª ed., Madrid: BAC, vol. 2, 1995, pp. 101-105, n. 50ss.

Notas

  1. Secundinas: placenta, cordão umbilical e membranas, normalmente expulsos do útero após o parto (N.T.).
  2. Monstro, ostento e mola foram durante séculos termos habituais na literatura médica para más formações congênitas, e apesar de soarem hoje um pouco agressivos, preservam o sentido originário de que derivam, sem qualquer conotação depreciativa: ‘monstro’ (latim monstrum, do verbo monstro, donde em português ‘mostrar’) e ‘ostento’ (lt. ostentum, do verbo ostendo, donde em pt. ‘ostentar’) é ‘o que se mostra’ ou ‘se ostenta’, isto é, algo chamativo por alguma particularidade; ‘mola’ (lt. moles, donde em pt. ‘mole’ = ‘volumoso’, ‘numeroso’) é o mesmo que ‘massa’, ‘agregado’, ‘conjunto’, geralmente de partes indiferenciadas etc. (N.T.).

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