João Eudes nasceu em 14 de novembro de 1601, na paróquia de Ri, perto de Argentan, na diocese francesa de Sées. O pai, Isaac Eudes, era médico e cristão fervoroso. A mãe, Martha Cosbin, era dotada de um espírito nobre e de um caráter decidido. Após três anos de casamento, os esposos fizeram o voto de ir em peregrinação até a Basílica de Notre Dame de Recouvrance [da Recuperação], em Les Tourailles, se Deus fizesse cessar-lhes a esterilidade. A prece foi ouvida.

Fruto desta oração e desde a infância consagrado à Santa Virgem, João bem cedo sobressaía pela piedade e pelo amor a Jesus e a Maria. Existe até hoje, na igreja de Ri, um velho pilar, atrás do qual a mãe, inquieta por sua ausência, surpreendeu-o muitas vezes, absorto em oração.

De compleição delicada, João foi confiado a um santo padre de uma paróquia vizinha, Jacques Blavette, que o fez progredir rapidamente nas letras e preparou-o cuidadosamente para a primeira Comunhão.

À medida que crescia, o jovem Eudes firmava-se mais e mais na piedade e na prática das virtudes. Aos quatorze anos, prostrou-se diante de uma estátua de Maria e, escolhendo-a por esposa mística, pôs-lhe um anel no dedo como penhor dessa casta aliança, à qual permaneceu sempre fiel. 

São João Eudes e a Santíssima Virgem.

Em 1615, Eudes começou os estudos, num Externato dos Padres Jesuítas, em Caen. O meio em que se viu obrigado a viver, não o fez desviar-se da linha até então seguida por ele. A oração, a fuga das ocasiões de pecado, o trabalho e a recepção assídua dos santos sacramentos fizeram-no sair incólume a todos os perigos. Os companheiros apelidaram-no de “o devoto Eudes”. 

Tinha vontade firme de consagrar-se ao serviço de Deus, no que encontrou a mais resoluta resistência da parte do pai. Mas a firmeza do jovem triunfou sobre todos os obstáculos, e em 19 de setembro de 1620 ele recebeu, em Séez, a tonsura e as Ordens menores. Prosseguindo nos estudos, resolveu entrar para a Congregação do Oratório, fundada há onze anos pelo Padre Pierre de Bérulle.

Mais uma vez tentou obter o consentimento dos pais, mas, não podendo vencer-lhes a resistência, montou no cavalo e colocou-se a caminho de Paris. Após percorrer duas ou três léguas, o animal empacou e não deu nenhum passo mais adiante. João, vendo nisto uma advertência de Deus, voltou para pedir o consentimento do pai, que lhe foi dado, sem mais relutância. No Oratório, segundo o testemunho dos mestres, nunca se viu um noviço tão fervoroso. A 20 de dezembro de 1625, recebeu a unção sacerdotal. 

Quando, em 1627, a peste assolou a região de Séez, Eudes solicitou e obteve dos superiores a permissão de prestar socorro aos enfermos. Pouco tempo depois, a epidemia passou para a cidade de Caen. Eudes redobrou os esforços no serviço aos doentes, dos quais um, o próprio superior, morreu em seus braços. Para não expôr os irmãos ao perigo do contágio, Eudes passava a noite em um tonel, no meio do campo.

Passado o perigo da peste e restabelecido de uma enfermidade, Eudes dedicou-se ao trabalho das missões. Por mais de 40 anos se entregou aos trabalhos apostólicos. Sem falar dos retiros, adventos e quaresmas que pregou, contam-se até 112 missões animadas e dirigidas por ele. Neste ramo de trabalhos missionários, desempenhou uma atividade tão espantosa que o Padre Oliver o qualificou de “maravilha do século”. 

Seria difícil imaginar hoje a ignorância e a libertinagem daquela época. Dois flagelos, sobretudo — a heresia de Calvino e a guerra civil —, haviam turbado profundamente os espíritos. O povo, principalmente nos campos, ignorava as verdades mais elementares do Evangelho. Deixava-se arrastar à devassidão, aos perjúrios e aos homicídios. Para esse mal tão grande e disseminado, era preciso proporcionar sérios remédios: instruir os povos, afastá-los dos vícios e conduzi-los à frequência dos sacramentos.

Escultura de São João Eudes na Basílica de São Pedro, no Vaticano.

Padre Eudes, em suas missões, muitas vezes teve de pregar nas praças públicas, diante de dez, quinze e até trinta mil pessoas. Os confessionários eram assediados dia e noite. Muitas pessoas que vinham de fora tinham de permanecer três, quatro dias na igreja, até que chegasse a sua vez de confessar-se. Eudes tinha 74 anos quando pregou sua última missão. A aglomeração para as confissões era tal, que vinte sacerdotes não eram suficientes.

No começo do século XVII, não havia na França nenhum seminário. Os rapazes que se preparavam para o estado eclesiástico, alojavam-se à vontade em algum lugar onde pudessem seguir os cursos universitários. Preparavam-se para a recepção das santas Ordens apenas por um breve retiro, alguns dias antes da ordenação. O próprio clero, porém, nunca havia requisitado uma formação mais séria.

Contristados com essa situação, o Padre Eudes e outras pessoas santas da época, como o Padre Oliver e São Vicente de Paulo, pensaram em estabelecer seminários. Eudes intercedeu pelo projeto várias vezes junto aos superiores do Oratório. Animado pelo bispo de Lisieux, Philippe Cospéan, e convidado pelo Cardeal Richelieu, colocou as mãos à obra e, tendo-se desligado do Oratório, fundou um seminário em Caen. A partir de 1658, teve a felicidade de apresentar 350 padres ordenados ao bispo daquela diocese. Além do seminário de Caen, o Padre Eudes fundou outros seis seminários. 

Cheio de zelo pela salvação das almas, João entristecia-se por ver tantas, pela força do hábito, cair no abismo. Para assegurar a perseverança dessas almas em perigo de perder-se, fundou uma congregação de religiosas, cujos princípios eram bem modestos. Lutando com muitas dificuldades e mais uma vez vendo a obra quase a ponto de fracassar, dirigiu-se ao Mosteiro da Visitação, do qual lhe foram enviadas três religiosas, entre as quais a Madre Patin, primeira superiora da comunidade, que tomou o nome de Nossa Senhora da Caridade. O santo redigiu para essas religiosas uma regra, deu-lhes um hábito branco, símbolo de pureza; um coração de prata sobre o peito; e acrescentou aos três votos —­ pobreza, castidade e obediência — um quarto: trabalhar pela salvação das pessoas confiadas aos seus cuidados.

Para os sacerdotes, São João Eudes fundou a Congregação de Jesus e Maria. Seus padres têm como carisma especial dedicar-se à pregação da Palavra de Deus e à formação do clero. Em 1792, os eudistas (como são chamados) possuíam ou dirigiam doze grandes e cinco pequenos seminários.

São João Eudes, pioneiro no culto aos Corações de Jesus e Maria.

Embora a extensão do culto do Sagrado Coração de Jesus tenha tomado incremento maior devido às revelações feitas a Santa Margarida Maria Alacoque, sabe-se que São João Eudes foi o primeiro a estabelecer a festa do Imaculado Coração de Maria, e também o primeiro a celebrar a festa do Sagrado Coração de Jesus. No decreto de heroicidade das virtudes de São João Eudes, Leão XIII declarou-o “autor do culto litúrgico aos Sacratíssimos Corações de Jesus e de Maria”.

Os escritos de São João Eudes são numerosos, e todos revelam uma ciência teológica muito profunda e segura. A última e mais volumosa dessas obras é “O Coração admirável da Mãe de Deus”, a primeira na qual a devoção aos Sacratíssimos Corações de Jesus e Maria foi teologicamente exposta e defendida. Ao terminar esse livro, o santo autor foi atacado por uma febre, que o levou ao túmulo.

Eudes morreu em 19 de agosto de 1680. Sua morte foi tão santa quanto sua vida, e Deus não tardou em glorificar, com numerosos milagres, a memória de seu servo.

Reflexões

Uma vez tendo conhecido a vontade de Deus, São João Eudes seguia imperturbavelmente o caminho. Não era um caniço agitado pelo vento dos caprichos (cf. Mt 11, 7). Em orações e jejuns, procurava saber a vontade divina e segui-la, sem incomodar-se com as opiniões dos outros. 

Assim são os santos. Santificando-se a si próprios, são os instrumentos mais idôneos na mão de Deus, para fazer grandes coisas. Eudes foi um homem de oração, caridade e apostolado. Sejamos também homens de oração e de caridade; e assim seremos, inevitavelmente, apóstolos e propagadores do Reino de Cristo na terra.

Referências

  • Extraído e adaptado passim de: João Baptista Lehmann, Na luz perpétua: leituras religiosas da vida dos santos de Deus, para todos os dias do ano, apresentadas ao povo cristão, v. II. Juiz de Fora: Typ. do “Lar Catholico”, 1935, p. 152ss.

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