Lar, uma palavra mágica que reverbera em todos nós. Mesmo para aqueles que vieram de lares desfeitos ou que já não existem, a ideia ainda tem algo que nos faz desejá-la. O lar é onde devemos nos sentir seguros, acolhidos, reconhecidos por quem somos, para que possamos viver e amar livremente.

O fascínio universal pelo lar permeia a cultura. Take Me Home, Country Roads, Sweet Home Alabama e I’ll Be Home for Christmas são algumas das canções que abordam esse tema. Filmes e livros terminam bem com os protagonistas, como Odisseu, finalmente voltando para casa. O objetivo do passatempo americano do beisebol é chegar em casa em segurança. Vídeos do YouTube de alegres regressos ao lar inundam as nossas redes sociais, e gastamos bilhões de dólares construindo e decorando as nossas próprias casas, transformando-as num “lar, doce lar”.

Os nossos lares são o grande teatro onde se desenrola o drama das nossas vidas, como G. K. Chesterton disse com eloquência:

O lugar onde os bebês nascem, onde os homens morrem e onde o drama da vida mortal é encenado, não é um escritório, uma loja ou uma agência. É algo de dimensões muito menores, mas de alcance muito maior. E embora ninguém seja tão tolo a ponto de fingir que é o único lugar onde as pessoas devem trabalhar, ou mesmo o único lugar onde as mulheres devem trabalhar, ele tem um caráter de unidade e universalidade que não se encontra em nenhuma das experiências fragmentárias da divisão do trabalho.

O lar, por sua natureza, prenuncia o Céu. As últimas palavras do Papa São João Paulo II nesta vida foram: “Deixem-me ir para a casa do Pai.” Ele queria ir para casa — a casa para onde todos nós somos chamados por Deus, mesmo que Ele permita que a nossa própria vontade nos leve a outro lugar. 

Ironicamente, apesar do desejo humano inato de ter um lar, a ideia de que alguém realmente queira construir um lar, proporcionando um lugar seguro, amor, asseio, ordem, educação e cuidados, caiu em desuso. Será que, na mente de milhões de mulheres hoje em dia, existe algo pior que ser uma “dona de casa”?

Na década de 1960, as mulheres deixaram o lar. Em “Mística Feminina”, Betty Friedan apresentou uma ideia que impactou milhões de mulheres ocidentais: “o problema sem nome”. Quando Friedan e suas amigas feministas perguntaram: “É só isto?”, elas presumiram que a resposta fosse “sim”.[1] Em seu frenesi feminino para fugir de casa, a narrativa da elite passou a ser que as mulheres deveriam pronunciar um non serviam coletivo, um sonoro “não” a servir suas famílias, filhos ou qualquer futuro que não fosse o seu.

Wendell Berry compreendeu um pouco da falta de lógica das mulheres emancipadas quando perguntou: 

Por que uma mulher que se recusa a fazer o voto matrimonial de obediência (presumivelmente com base no argumento de que a subserviência a um mero ser humano é indigna da dignidade humana) consideraria então como “libertador” um emprego que a coloca sob a autoridade de um chefe (homem ou mulher), cuja autoridade exige e requer especificamente obediência?

As mulheres que seguem o fluxo de declínio da cultura ainda não perceberam que o mal-estar ou descontentamento geral sentido pelas donas de casa da década de 1960 é o mesmo vazio que sentem agora. O feminismo não levou as mulheres à felicidade; apenas a mais buscas, mais ansiedade, mais transições, sempre à espera de algo melhor na próxima esquina. Mas elas não sabem que nenhuma carreira, nenhuma série de amantes, nenhuma viagem exótica a Bali, nenhuma bolsa Louis Vuitton preencherá esse vazio.

Nesse ínterim, as crianças tornaram-se inimigas, impedindo as mulheres de realizar os seus sonhos. O aborto tornou-se uma necessidade. O número de crianças perdidas por causa do aborto é impressionante. Quando a Guerra do Vietnã chegou ao fim, as baixas do conflito — 58.220 militares americanos no total — foram ofuscadas por esse novo tipo de assassinato: mães que matam seus próprios filhos (60 milhões até agora, cerca de 3 mil por dia). O aborto é, de longe, a principal causa de morte nos Estados Unidos anualmente, superando as doenças cardíacas e o câncer.

O que acontece, então, quando várias gerações de pessoas matam deliberadamente seus próprios filhos por meio do aborto? Os medievais eram contrários ao aborto porque ele tira uma vida inocente, mas também porque sabiam que era extremamente prejudicial à alma humana. Num aborto, não é apenas uma criança que morre, mas também algo na mãe e no pai.

Como disse Santo Tomás de Aquino, bonum est diffusivum sui, o bem se difunde por si mesmo; e o oposto também é verdadeiro: o mal se difunde por si mesmo. Este terrível mal atingiu todas as áreas da vida familiar.

Não é de admirar, então, que nosso lar espiritual, a Igreja, pareça estar desmoronando a partir de seu próprio âmago? Quando a célula fundamental da sociedade — a família — foi destruída, não devemos nos surpreender ao ver consequências semelhantes na Igreja. Esperamos que os bispos tenham mais discernimento, que sejam bons e santos, mas também eles são produto de nossa cultura dilacerada.

Isso não os absolve de seus crimes, mas pelo menos nos ajuda a entender como aqueles a quem foi confiada a cura de tantas almas foram capazes de agir com tamanha negligência. Quando algumas mulheres conseguem ver a destruição de seus filhos como um rito de passagem social para se juntarem à “irmandade”, não fica muito difícil entender como bispos puderam abandonar seus filhos espirituais para se juntarem à “irmandade”.

“Há duas maneiras de chegar em casa”, explicou Chesterton. “Uma delas é ficar lá. A outra é dar a volta ao mundo até voltarmos ao mesmo lugar”.

Nossa cultura precisa resgatar o lar, depois de ter procurado a felicidade pelo mundo afora. As feministas radicais, apesar de terem procurado em todos os lugares, ainda sentem “aquela dor que não pode ser definida”. Seus corações inquietos sentem uma angústia pela falta de Deus, a qual permanecerá até que encontrem o caminho de volta ao Lar.


Carrie Gress, autora deste artigo, é doutora em Filosofia pela Universidade Católica da América, editora-chefe de Theology of Home e mãe de cinco filhos, aos quais dá aula em casa. Assina também vários livros, dentre os quais “Anti-Maria desmascarada”, traduzido para o português. Seu texto foi publicado originalmente em The Catholic Thing.

Notas

  1. “O problema permaneceu mergulhado, intacto, durante vários anos, na mente da mulher americana. Era uma insatisfação, uma estranha agitação, um anseio de que ela começou a padecer em meados do século XX, nos Estados Unidos. Cada dona de casa lutava sozinha com ele, enquanto arrumava camas, fazia as compras, escolhia tecido para forrar o sofá, comia com os filhos sanduíches de creme de amendoim, levava os garotos para as reuniões de lobinhos e fadinhas e deitava-se ao lado do marido, à noite, temendo fazer a si mesma a silenciosa pergunta: ‘É só isto?’” (Betty Friedan, Mística Feminina. Trad. de Áurea B. Weissenberg. Petrópolis: Vozes, 1971, p. 17).

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