As Quatro Têmporas (Quatuor Tempora, em latim) são celebrações litúrgicas da Igreja, ligadas às mudanças das quatro estações e instituídas para a santificação do ano civil. Eram consideradas tempos especiais de vigília e oração, durante os quais a Igreja procedia à ordenação de novos sacerdotes e recomendava aos católicos o jejum e a abstinência de carne.

Olhando-as a partir do hemisfério sul, temos:

  • as Têmporas da Quaresma, na primeira semana deste tempo litúrgico, marcando o início do outono;
  • as Têmporas de Pentecostes, celebradas na Oitava desta solenidade, marcando o início do inverno;
  • as Têmporas de São Miguel, na terceira semana de setembro, entre a Exaltação da Santa Cruz (14 de setembro) e o dia de São Miguel Arcanjo (29 de setembro), que indicam a passagem da primavera; e
  • as Têmporas do Advento, na terceira semana deste tempo litúrgico, anunciando a chegada do verão.

Sobre essas últimas, a propósito, o Pe. Paulo Ricardo gravou uma aula, à qual vale a pena assistir:

Segundo a Legenda Áurea, do bem-aventurado Tiago de Varazze, teria sido o Papa São Leão Magno a estabelecer, no século V, essas comemorações. O Liber Pontificalis faz referência ao Papa Calisto, nos anos 200, mas sua origem, provavelmente, é ainda anterior a isso, datando da época dos Apóstolos.

Havia nelas, em primeiro lugar, uma relação de continuidade com o Antigo Testamento (cf. Zc 8, 19), pois os judeus costumavam jejuar quatro vezes por ano: uma por ocasião da Páscoa; uma antes de Pentecostes; outra antes da Festa dos Tabernáculos, em setembro; e uma última, por fim, antes da Dedicação, que se dava em dezembro. Desde o começo, também, essa instituição serviu como uma forma de “cristianizar” os festivais pagãos que aconteciam em Roma, em torno da agricultura e das estações.

Os dias em que se faziam esses jejuns sazonais eram a quarta, a sexta-feira e o sábado: 

  • a quarta, por ser o dia em que o Senhor foi traído por Judas Iscariotes; 
  • a sexta, por ser o dia de sua crucificação; e 
  • o sábado, por ser o dia em que ele passou no túmulo e no qual os Apóstolos ficaram de luto por sua morte. 

Também essa é uma prática imemorial, mencionada, por exemplo, pelo Didaquê, um dos mais antigos escritos cristãos de que se tem notícia.

Da Cidade Eterna a observância das Quatro Têmporas se difundiu por todo o Ocidente ainda na Alta Idade Média, sendo confirmada mais tarde pela autoridade de vários pontífices romanos — dentre eles, o Papa São Gregório VII, que reinou na Igreja de 1073 a 1085. 

O alcance desse costume foi tão amplo a ponto de influenciar a culinária do Extremo Oriente: o tempurá, prato feito à base de mariscos e vegetais, nasceu no Japão do século XVI graças à atuação de missionários espanhóis e portugueses.

As Têmporas hoje

Uma celebração assim tão importante não poderia simplesmente ser abolida, sem mais nem menos. E de fato não foi, ainda que a sua influência tenha diminuído a olhos vistos.

No Missal de 1962, as Têmporas eram observadas como “férias de segunda classe”, dias feriais de especial importância, que se sobrepunham inclusive a certas festas de santos. Cada dia tinha a sua Missa própria. Hoje, no entanto, ficou sob o encargo das conferências episcopais e das dioceses determinar o tempo e o modo de celebração das Quatro Têmporas, de acordo com prescrição da Sagrada Congregação para o Culto Divino. Em 1966, a Constituição Apostólica Paenitemini, do Papa Paulo VI, confirmou todas as sextas-feiras do ano como dias penitenciais, mas, ao mesmo tempo, os jejuns das Têmporas deixaram de ser obrigatórios.

Por que continuar jejuando, afinal, nessas épocas específicas do ano, é novamente o beato Tiago de Varazze que nos explica. O escritor medieval apresenta em sua Legenda Áurea pelo menos oito razões para mantermos essa piedosa tradição, ainda que ela tenha caído no esquecimento em nossos dias. A mais significativa dessas razões está ligada aos quatro temperamentos, pois

o sangue aumenta na primavera, a bílis no verão, a melancolia no outono e a fleuma no inverno. Consequentemente, jejua-se na primavera para debilitar o sangue da concupiscência e da louca alegria, pois o sanguíneo é libidinoso e alegre. No verão, para enfraquecer a bílis do arrebatamento e da falsidade, pois o bilioso é por natureza colérico e falso. No outono, para acalmar a melancolia da cupidez e da tristeza, pois o melancólico é por natureza invejoso e triste. No inverno, para diminuir a fleuma da estupidez e da preguiça, pois o fleumático é por natureza estúpido e preguiçoso.

Sob essa perspectiva, o jejum das Quatro Têmporas converte-se em uma forma de atenuarmos as tendências desordenadas de nossos temperamentos.

Mas, além de estar relacionada às estações do ano, a prática das Têmporas também se relaciona intimamente com o sacerdócio católico, pois era costume da Igreja de Roma (que depois se estendeu a toda a cristandade) ordenar os seus padres justamente nesses dias de jejum, mais especificamente na vigília de sábado para domingo. A ideia que transparecia era muito clara: o povo obter de Deus, com suas orações e penitências, a graça de um clero digno e santo.

O rol de motivos por que devemos fazer penitência não se esgota, evidentemente, nestas linhas. Assim como as quatro estações vão se substituindo ano após ano, e sem nenhuma trégua, assim também nós, conscientes da fragilidade de nossa carne e desejosos de reparar os Corações Imaculados de Jesus e de Maria pelos tantos pecados contra eles cometidos, devemos viver em atitude permanente de mortificação.

É verdade, o termo “morte” pode soar mal aos ouvidos modernos. Muitos gostariam, na verdade, se pudessem, de apagá-lo de quaisquer pregações, homilias ou documentos da Igreja. Nos Evangelhos, entretanto, as palavras de Nosso Senhor não podiam ser mais claras: 

Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me (Lc 9, 23).

Se o grão de trigo não cai na terra e não morre, fica sozinho. Mas, se morre, produz muito fruto. Quem tem apego à sua vida vai perdê-la; quem despreza a sua vida neste mundo vai conservá-la para a vida eterna (Jo 12, 24-25).

Por isso, a quem nos vier perguntar, em tom de zombaria, por que queremos morrer observando jejuns e abstinências, respondamos com caridade, mas convictos: nós não somos “masoquistas”, só o que queremos é amar a Jesus Cristo, que nos amou primeiro e se entregou por cada um de nós (cf. Gl 2, 20).

É nesse contexto que se insere o jejum das Quatro Têmporas. Fiquemos de olho, pois, no calendário litúrgico antigo e atentemo-nos aos dias em que a Igreja convida seus filhos a mais esse ato de generosidade (ainda que vivido de forma privada). Viver em família essa tradição pode ser tanto uma forma de testemunho para o mundo moderno, tão dado aos prazeres da carne, quanto uma oportunidade para formar os próprios filhos na escola da santidade. Quem já faz sua abstinência de carne às sextas, portanto, observando o mandamento da Igreja, tem agora mais um sacrifício para oferecer a Deus — lembrando sempre que quem ama, longe de contentar-se com o “mínimo” das obrigações, o que mais deseja, na verdade, é dar o “máximo” de si próprio. 

Mesmo que doa, portanto, não deixemos de nos doar! Sirva-nos de modelo Santa Jacinta Marto, vidente de Fátima, que tinha o comer alimentos amargos como um de seus “sacrifícios habituais” e que, um dia, interpelada por sua prima para que deixasse de comer as bolotas dos carvalhos, porque amargavam muito, deu-lhe, em sua simplicidade, esta bela lição: “Pois é por amargar que o como, para converter os pecadores.”

Referências

  • Jacopo de Varazze, Legenda áurea: vidas de santos. Trad. de Hilário Franco Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 236-238.
  • Francis Mershman, Ember Days. The Catholic Encyclopedia, v. 5. New York: Robert Appleton Company, 1909.
  • Michael P. Foley, The glow of the Ember Days. The Latin Mass Magazine, vol. 17:4. Disponível em inglês no Rorate Caeli e em português no Salvem a Liturgia!.

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