Fevereiro de 2023 marca o décimo ano da histórica renúncia do Papa Bento XVI. Joseph Ratzinger teria entrado para a história como um grande teólogo se não tivesse sido elevado à Cátedra de São Pedro, mas através de seu ministério papal ele se tornou um professor do mundo inteiro. O poder da escrita de Bento fala por si, mas sua vida também dá testemunho do poder que têm a verdade e o serviço.
Peter Seewald, que editou muitos livros de entrevistas com Ratzinger, antes, durante e depois de seu pontificado, escreveu uma minuciosa biografia em dois volumes: Bento XVI: Uma vida (Paulus, 2 v., 2021). Com o acesso ímpar de Peter Seewald ao pontífice, a força dessa biografia vem do fato de a personalidade de Bento XVI ser colocada em destaque, ajudando-nos a conhecer melhor o grande pontífice-teólogo ao mesmo tempo que adquirimos maior clareza de sua trajetória de vida guiada pela Providência.
O primeiro volume mapeia sua juventude em meio ao tumulto do período entre guerras e do surgimento do nazismo. Fiquei muito admirado com Joseph, pai do Papa. Mesmo sendo policial, resistiu ao surgimento dos nazistas e manteve sua família fora de perigo tanto quanto possível, inclusive mudando-se para uma fazenda isolada. Foi precisamente a Segunda Guerra Mundial que aprofundou o chamado vocacional do jovem Ratzinger e seu reconhecimento da urgente necessidade de Deus, enquanto testemunhava o colapso espiritual e material de seu próprio país.
Como seminarista, ele também descobriu o grande poder da teologia, particularmente no pensamento de Santo Agostinho, que mostrava como o mundo moderno poderia voltar para Deus. Ratzinger percebeu que sua vocação teológica seria descobrir uma nova voz através da qual tornar acessíveis, de uma nova maneira, as verdades eternas da fé. Foi esta missão que o levou à vanguarda do Concílio Vaticano II como perito do importante Cardeal Frings. No ponto mais alto do primeiro volume, Seewald lança novas luzes sobre a influente função de redator de discursos, que Ratzinger exercia para Frings, ajudando a balizar o tom das atas, e sobre o trabalho de bastidor nos esboços dos próprios documentos do Concílio.
No entanto, o segundo volume começa com a reviravolta ocorrida após o Vaticano II, a qual tornou necessária a ruptura de Ratzinger com a ala progressista da teologia. Ele ajudou a fundar um movimento alternativo chamado Communio, que continuaria o retorno às fontes da Tradição ao mesmo tempo que abordava as preocupações contemporâneas. Convém notar que Ratzinger não mudou sua forma de pensar subitamente; ao contrário, ele percebeu que muitos membros da hierarquia eclesiástica vinham descartando rapidamente a tradição doutrinal e litúrgica da Igreja para abraçar um espírito mundano. A resistência dele a essa autodestruição levou a uma longa campanha de assassinato de reputação, procurando mudar a imagem do tímido e gentil professor para transformá-lo num grande-inquisidor reacionário.
A falsidade dessa alegação foi confirmada com a nomeação de Ratzinger para o cargo de Arcebispo de Munique pelo Papa Paulo VI em 1977, embora, na verdade, o professor tenha considerado isso um enorme sacrifício de serviço, já que teve de abandonar a carreira docente. Ele não permaneceria na Bavária por muito tempo, pois o então recém-eleito João Paulo II insistiu para que Ratzinger fosse para Roma a fim de servir como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
Depois de servir incansavelmente ao longo do pontificado de João Paulo II, lidando com questões relacionadas ao marxismo, à relação entre a Igreja e outras religiões, à redação do Catecismo, o Papa Bento XVI foi escolhido como o mais adequado sucessor a continuar a trajetória da Nova Evangelização. Sem dúvida alguma Bento deixou um grande legado doutrinal em suas três encíclicas e em muitos discursos proferidos ao redor do mundo, embora o pontificado de oito anos tenha sido atormentado por ataques contínuos e infundados à pessoa do pontífice e por escândalos como o do Vatileaks. Seu período como Papa foi ofuscado por sua decisão de renunciar, em razão da fraqueza provocada pela idade avançada — algo que, de acordo com muitas pessoas, alterou a forma como vemos o papado.
É difícil evitar a comparação entre a obra de Seewald e a monumental biografia que George Weigel escreveu sobre João Paulo II: Testemunho de Esperança. Weigel estava bem preparado para interpretar o ímpeto teológico e filosófico da vida de Karol Wojtyla, bem como as interseções dela com os movimentos políticos e culturais do século XX. Seewald conhece Ratzinger bem e conseguiu capturar sua personalidade, uma realização útil por si só. Por ser jornalista, concentra-se bastante na opinião pública e, apesar de abordar os principais livros e discursos do Papa, ainda há mais trabalho a ser feito para capturar a profundidade de sua visão teológica e de sua vida espiritual.
Na minha opinião, captamos o legado de Bento XVI de forma mais plena em seu testemunho incansável e profético da necessidade de pôr Deus acima de todas as coisas, dando a Ele a primazia na liturgia, na sociedade e em nossas próprias vidas.
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