É lamentável que a politização de questões morais cause distorções nas reflexões de muitos católicos. Nenhum católico deveria ter dúvidas sobre a doutrina da Igreja a respeito de temas como o aborto, a contracepção e a eutanásia, nem deveria estar em desacordo com ela. Mas então surge o fato de que partidos políticos assumem diferentes posições sobre esses temas, e de repente muitos católicos deixam de lado o que nos ensina a fé e aderem a raciocínios morais falhos, ou passam a discordar frontalmente da Igreja. Infelizmente, muitas pessoas são mais influenciadas por suas inclinações políticas do que por sua fé ou a própria Palavra de Deus.

Há outras questões morais (como a guerra e a pena de morte) que compreensivelmente estão interligadas com o pensamento político, já que envolvem o governo e decisões em grande parte reservadas a decisões prudenciais de líderes seculares. Não obstante, os católicos ainda deveriam considerá-las fundamentalmente como questões morais e extrair sua visão sobre elas, em primeiro lugar, da Sagrada Escritura e dos princípios ensinados pela Igreja.   

Curdos sírios se abrigam da chuva após cruzar a fronteira da Síria com a Turquia.

Na minha opinião, esse também é o caso da imigração. Este é reconhecidamente um assunto complexo, mas possui um forte elemento moral porque Deus alerta de modo constante, na Sagrada Escritura, que o modo como tratamos o estrangeiro, o peregrino e o refugiado é uma questão de justiça, pela qual seremos responsabilizados. Portanto, trata-se de uma questão moral com a qual temos de lutar.

Mas como acontece muitas vezes com discussões morais politizadas, as posições assumidas são muitas vezes deformadas por excessos e/ou defeitos. Por um lado, existe a opinião segundo a qual deveríamos limitar severamente a imigração, quando não fechar completamente as nossas fronteiras. Por outro lado, existe uma demanda quase irresponsável pela admissão de grandes números de pessoas, vindas de qualquer lugar, e com isso há uma disposição para simplesmente ignorar amplas violações da lei. Os que defendem a primeira posição enfatizam com veemência que somos uma nação governada por leis, mas ao mesmo tempo eles falam pouco das obrigações e tradições de nosso país de aceitar imigrantes [i]. Os que defendem a outra posição desconfiam de quase todo tipo de lei relacionada à imigração, afirmando que essas leis são injustas; estes parecem pouco preocupados com a segurança ou as dificuldades associadas a grandes números de imigrantes que entram no país de forma ilegal ou não regulamentada. 

Um breve artigo como este não pode abordar todas as complexidades da imigração. Além disso, não é conveniente que eu, como sacerdote, comente em público políticas públicas específicas, já que elas implicam decisões prudenciais de chefes de Estado [ii]. Mas permitam-me oferecer alguns princípios a partir da Sagrada Escritura, do Catecismo e da Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino, que deveríamos usar — mais do que nossas opiniões ou inclinações políticas — para guiar as nossas reflexões e formar nossos pontos de vista.

Considere, primeiro, as seguintes passagens da Sagrada Escritura. Deus fala bastante sobre imigração nas Escrituras!

Se um estrangeiro vier habitar convosco na vossa terra, não o oprimireis, mas esteja ele entre vós como um compatriota, e tu o amarás como a ti mesmo, porque fostes já estrangeiros no Egito. Eu sou o Senhor, vosso Deus (Lv 19, 33-34).

Não maltratarás o estrangeiro e não o oprimirás, porque foste estrangeiro no Egito (Ex 22, 21).

Maldito o que viola o direito do estrangeiro, do órfão e da viúva! — E todo o povo dirá: “Amém!” (Dt 27, 19).

Vós as distribuireis por sorte a vós e aos estrangeiros residentes entre vós e que têm lançado raiz entre vós. Vós os considerareis como indígenas entre os israelitas: receberão convosco seu lote entre as tribos de Israel (Ez 47, 22).

Quando fizeres a ceifa em tua terra, não ceifarás até o extremo limite de teu campo e não reco­lherás a espiga de tua ceifa. Deixará isso para o pobre e o estrangeiro. Eu sou o Senhor, vosso Deus (Lv 23, 22).

Eis o que diz o Senhor: Praticai o direito e a justiça, e livrai o oprimido das mãos do opressor. Não deixeis o estrangeiro sofrer vexames e violências, nem o órfão e a viúva, nem derrameis neste lugar sangue inocente (Jr 22, 3).

Depois de sua partida, um anjo do Senhor apareceu em so­nhos a José e disse: “Levanta-te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito; fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para o matar” (Mt 2, 13).

Haverá uma mesma lei para o natural e o estrangeiro que pere­grina entre vós (Ex 12, 49).

Os imigrantes ou visitantes de uma terra também têm obrigações:

Tomai a peito o bem da cidade para onde vos exilei e rogai por ela ao Senhor, porque só tereis que lucrar com a sua prosperidade (Jr 29, 7).

Cada qual seja submisso às autoridades constituídas, porque não há autoridade que não venha de Deus; as que existem foram instituídas por Deus. Assim, aquele que resiste à autoridade opõe-se à ordem estabe­lecida por Deus; e os que a ela se opõem atraem sobre si a condenação. Em verdade, as autoridades ins­piram temor, não porém a quem pratica o bem, e sim a quem faz o mal! Queres não ter o que temer a autoridade? Faze o bem e terás o seu louvor. Porque ela é instrumento de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, porque não é sem razão que leva a espada: é ministro de Deus, para fazer justiça e para exercer a ira contra aquele que pratica o mal. Portanto, é necessário submeter-se, não somente por temor do castigo, mas também por dever de consciência (Rm 13, 1-4).

Caríssimos, rogo-vos que, como estrangeiros e peregrinos, vos abstenhais dos desejos da carne, que combatem contra a alma (1Pd 2, 11).

Admoesta-os a que sejam sub­missos aos magistrados e às autoridades, sejam obedientes, estejam prontos para qualquer obra boa (Tt 3, 1).

Por amor do Senhor, sede submissos, pois, a toda autoridade humana, quer ao rei como a soberano, quer aos governadores como enviados por ele para castigo dos malfeitores e para favorecer as pessoas honestas. Porque esta é a vontade de Deus que, praticando o bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos. Comportai-vos como homens livres, e não à maneira dos que tomam a liberdade como véu para encobrir a malícia, mas vivendo como servos de Deus (1Pd 2, 13-16).

Não passes além dos marcos antigos que puseram teus pais (Pr 22, 28).

Desta maneira, a Sagrada Escritura dá muita importância ao tratamento generoso e justo dado a refugiados e visitantes estrangeiros em nosso meio, lembrando ao mesmo tempo que eles devem ser produtivos e piedosos no país que os acolhe. Porém, no discurso público contemporâneo, essas duas proposições são frequentemente separadas.

A doutrina da Igreja tal como expressa no Catecismo consagra os dois princípios, e fala tanto dos deveres das nações como das obrigações dos imigrantes:

As nações mais favorecidas devem acolher, na medida do possível, o estrangeiro em busca da segurança e dos recursos vitais que não pode encontrar em seu país de origem. Os poderes públicos zelarão pelo respeito do direito natural que põe o hóspede sob a proteção daqueles que o recebem.

Em vista do bem comum de que estão encarregadas, as autoridades políticas podem subordinar o exercício do direito de imigração a diversas condições jurídicas, principalmente com respeito aos deveres dos migrantes para com o país de adoção. O migrante é obrigado a respeitar com gratidão o patrimônio material e espiritual do país que o acolhe, a obedecer às suas leis e a dar sua contribuição financeira (§ 2241).

Embora esses princípios devam ter equilíbrio entre si, muitas vezes um deles é descartado por aqueles que estão nos extremos. Somos chamados a aceitar imigrantes com generosidade, particularmente aqueles que fogem da opressão política ou econômica. Mas o primado do direito, que existe para preservar a ordem e servir ao bem comum, também é importante. Sem apresentar uma prescrição específica, o Catecismo defende o equilíbrio. Recomenda-se uma imigração generosa e ordeira, que respeite os direitos naturais do indivíduo e, ao mesmo tempo, contribua para o avanço do bem comum.

É raro ver esse equilíbrio no discurso atual. É claro que há juízos prudenciais a serem feitos. Em casos particulares, pode-se favorecer um princípio mais do que outro, mas ambos devem ser sempre levados em conta e nenhum juízo deve violá-los por completo.

Outra reflexão útil sobre a política de imigração é encontrada na Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino:

Os homens podem ter dupla relação com os estrangeiros: uma pacífica e outra hostil. E a lei estabeleceu preceitos convenientes para regular ambos esses casos.

Assim, aos judeus se oferecia três ocasiões de conviver pacificamente com os estrangeiros. Em primeiro lugar, quando os estrangeiros transitavam por sua terra, como peregrinos. De outro modo, quando iam para a terra deles para morar como estrangeiros. E em ambos os casos a lei estabeleceu preceitos de misericórdia, como diz Ex 22, 21: “Não molestarás o estrangeiro”, e Ex 22, 9: “Não serás molesto ao estrangeiro”. Um terceiro modo [era] quando alguns estrangeiros queriam ser admitidos totalmente ao convívio e rito deles.

Quanto a esses, atendia-se a uma ordem determinada. Pois eles não eram recebidos como cidadãos de imediato; do mesmo modo certos povos gentios tinham estabelecido que não fossem considerados cidadãos senão os que tivessem tido avós ou bisavós com essa qualidade, como refere o Filósofo (Polit. III). E isso porque se os estrangeiros, logo ao chegarem, fossem admitidos ao gozo dos direitos dos nacionais, poderiam dar lugar a muitos perigos. Assim, não tendo ainda um amor comprovado pelo bem público, poderiam atentar contra o povo. Por isso a lei estabeleceu que podiam ser recebidos como parte do povo, na terceira geração, os que provinham de certas nações, que tinham alguma afinidade com os judeus. Era o caso dos egípcios, entre os quais eles nasceram e foram criados, e dos idumeus, filhos de Esaú, irmão de Jacó. Outros, porém, como os amonitas e os moabitas, que haviam se portado com hostilidade em relação a eles, jamais eram admitidos em seu seio. Os amalecitas, enfim, que tinham sido seus piores inimigos, e com os quais eles não tinham nenhum convívio de parentesco, eles os consideravam como inimigos perpétuos. Por isso diz Ex 17, 16: “A guerra do Senhor será contra Amalec de geração em geração” (STh I-II 10 3c.).

Assim podemos ver que, segundo a Sagrada Escritura e de acordo com a razão, uma nação pode ter políticas mais flexíveis com uns países e menos flexíveis com outros. Tal postura não necessariamente viola a justiça, desde que seu fundamento seja comprovadamente sério e verdadeiro, e os princípios da generosidade e da promoção do bem comum não sejam completamente abandonados. 

Portanto, esses são alguns dos princípios retirados da doutrina católica e da Sagrada Escritura. Embora a imigração seja um tema complexo que envolve decisões prudenciais das autoridades, espera-se que princípios como esses (generosidade moldada pela legítima preocupação com o bem comum) sejam aplicados. 

Para nós que somos católicos, estas são as perguntas a ser feitas:

  • Qual é o grau de catolicidade da minha posição sobre a imigração?
  • Minha visão se baseia na fé ou apenas nas minhas preferências ou inclinações políticas?
  • Concordo com a ideia de que, como uma nação próspera, nós devemos ser generosos na aceitação e no acolhimento de refugiados e imigrantes? 
  • Compreendo que as leis adequadas que regem o processo de imigração são legítimas, mas deveriam estar a serviço do bem comum e ajudar a acolher o estrangeiro de um modo humano e ordeiro? 

Hoje muitas pessoas enfatizam bastante um princípio em detrimento do outro. Quando isso acontece, perde-se o equilíbrio católico. Qual é o grau de catolicidade da sua visão sobre a imigração? Oxalá este modesto resumo o ajude a refletir sobre a imigração como um católico.

Notas

  1. O autor está falando desde os Estados Unidos da América, que nasceu justamente da imigração inglesa. Daí a referência à tradição “de nosso país” de aceitar estrangeiros. O leitor deve considerar que as discussões no Brasil a esse respeito têm um tom bem diferente, e muito menos polêmico. (N.T.)
  2. Nesta parte, o Monsenhor Charles Pope menciona en passant um debate que havia, à época da publicação original, sobre a construção ou não de um muro na fronteira entre os EUA e o México. Omitimos tal referência nesta tradução, considerando que a observação já não tem mais razão de ser no atual contexto político norte-americano e internacional. (N.T.)

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