Se, no plano individual, o objetivo do cristão é tornar-se santo, então o objetivo do casal cristão é santificar-se junto, contando com a ajuda um do outro, e o da família cristã é esforçar-se para ser santa imitando o modelo de Jesus, Maria e José. Portanto, cabe-nos refletir cuidadosamente sobre a definição de santidade familiar.

Para isso, temos de identificar as causas da santidade familiar, para não sermos arbitrários em relação aos efeitos que deveríamos buscar ou priorizar. Afinal de contas, pode-se ir numa ou noutra direção por não se atender às causas. É como definir “homem” como “risível”, “artífice”, “linguístico”, “social” e “religioso”, sem no entanto dizer que é “racional”, já que esta é a causa de todas aquelas propriedades.

O ensinamento do Magistério autêntico é de grande auxílio para nós, pois sublinha com insistência a primazia da oração, da vida sacramental e da Sagrada Eucaristia na santidade de todos os cristãos, sejam solteiros, casados, religiosos ou clérigos.

A Liturgia é simultaneamente a meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força […]. A renovação da aliança do Senhor com os homens, na Eucaristia, acende nos fiéis a caridade urgente de Cristo e leva-os a ela. Da Liturgia, pois, em especial da Eucaristia, corre sobre nós, como de sua fonte, a graça, e por meio dela conseguem os homens com total eficácia a santificação em Cristo e a glorificação de Deus, a que se ordenam, como a seu fim, todas as outras obras da Igreja (Concílio Vaticano II, Sacrosanctum Concilium, n. 10).

Pela participação no sacrifício eucarístico de Cristo, fonte e centro de toda a vida cristã, [os fiéis] oferecem a Deus a vítima divina e a si mesmos juntamente com ela (Concílio Vaticano II, Lumen Gentium, n. 11).

Confirmando essa doutrina com a vida, todos os santos priorizam a oração em detrimento da ação, a vida interior em detrimento do apostolado exterior, a Sagrada Eucaristia em detrimento de qualquer outra obra de devoção ou caridade. Nesse sentido, apenas seguiram o exemplo de Nosso Senhor: “Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós. O ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Assim também vós: não podeis tampouco dar fruto, se não permanecerdes em mim. Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,4s). Numa época em que a preocupação é com ativismo, engajamento e “resultados”, nenhuma verdade é negligenciada ou mesmo negada com tanta frequência como esta, para a  qual o remédio perfeito era (e ainda é) o livro de Dom Chautard, A Alma de Todo Apostolado.

Portanto, não há nenhuma surpresa no fato de o Magistério ressaltar o íntimo vínculo entre o sacramento do Matrimônio, a sagrada liturgia, o Santíssimo Sacramento e uma família santa:

O sacramento do Matrimônio, que retoma e especifica a graça santificante do Batismo, é a fonte própria e o meio original de santificação para os cônjuges […]. O dom de Jesus Cristo não se esgota na celebração do Matrimônio, mas acompanha os cônjuges ao longo de toda a existência […]. E como do sacramento derivam para os cônjuges o dom e a obrigação de viver no quotidiano a santificação recebida, assim do mesmo sacramento dimanam a graça e o empenho moral de transformar toda a sua vida num contínuo “sacrifício espiritual” (João Paulo II, Familiaris Consortio, n. 56).

O “belo amor” aprende-se sobretudo rezando. A oração, de fato, comporta sempre, para usar uma expressão de São Paulo, uma espécie de interior ocultação com Cristo em Deus: “A vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Col 3, 3) (João Paulo II, Carta às Famílias, n. 20). 

O Matrimônio cristão, como todos os sacramentos que “estão ordenados à santificação dos homens, à edificação do Corpo de Cristo, e enfim, a prestar culto a Deus”, é em si mesmo um ato litúrgico de louvor a Deus em Jesus Cristo e na Igreja (João Paulo II, Familiaris Consortio, n. 56).

A Eucaristia corrobora de forma inexaurível a unidade e o amor indissolúveis de cada matrimônio cristão. Neste, em virtude do sacramento, o vínculo conjugal está intrinsecamente ligado com a união eucarística entre Cristo esposo e a Igreja esposa (cf. Ef 5, 31s). O consentimento recíproco, que o marido e a esposa trocam entre si em Cristo constituindo-os em comunidade de vida e de amor, tem também uma dimensão eucarística; com efeito, na teologia paulina, o amor esponsal é sinal sacramental do amor de Cristo pela sua Igreja, um amor que tem o seu ponto culminante na cruz, expressão das suas “núpcias” com a humanidade e, ao mesmo tempo, origem e centro da Eucaristia (Bento XVI, Sacramentum Caritatis, n. 27).

Essa “comunidade de vida e amor” amplia-se em obras de caridade (incluindo as de misericórdia corporais e espirituais), a começar pelos próprios filhos, e expande-se para a paróquia, a cidade e a sociedade, segundo a reta ordem da caridade. No entanto, tudo o que fazemos como cristãos é fruto do sacrifício de Nosso Senhor Jesus Cristo e a ele torna, sendo a santa Missa sua re-apresentação sobrenatural e a Sagrada Eucaristia, o sinal supremo dessa realidade mística. Somos peregrinos que vivem do e para o Pão da Vida, até podermos contemplar a sua face divina e humana na visão beatífica. 

Estamos entrando num período obscuro, no qual os fiéis ao ensinamento integral da Sagrada Escritura, ao testemunho da Tradição e à plenitude do Magistério da Igreja terão de lidar com incompreensão, incredulidade, sarcasmo, ostracismo e punições num nível cada vez maior e, ao fim e ao cabo, com a perseguição aberta. Temos de fazer tudo ao nosso alcance para não perder de vista essas referências seguras, à luz das quais podemos, com a graça de Deus, trilhar confiantes o caminho da santidade, como homens e mulheres, maridos e mulheres, pais e filhos, sacerdotes e religiosos. Nem devemos aceitar quaisquer sucedâneos, paliativos ou subterfúgios. Cristo e a Igreja já disseram claramente quem somos e o que devemos fazer, se quisermos permanecer na verdade de Cristo e viver a verdade no amor.

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