São Pedro, apelidado de Crisólogo (ou orador de ouro) por causa de sua grande eloquência, era natural de Ímola, uma cidade não muito longe de Roma. Seus pais eram pessoas piedosas e distintas, que conduziram o filho desde a juventude no caminho da retidão. Progrediu com tanta facilidade nos estudos, que era sempre o primeiro entre os colegas. Graças à vida reclusa que levava e à conduta irrepreensível, o bispo de Ímola acolheu-o no grupo de seus alunos de teologia e, no devido momento, ordenou-o diácono. Pedro demonstrou tanta sabedoria e habilidade neste ofício, que tornou-se querido e estimado por todos. Com sua incansável diligência e as cuidadosas instruções do bispo, obteve um conhecimento profundo das ciências sagradas; além disso, foram-lhe muitas vezes confiados os assuntos mais importantes da Igreja, dos quais ele sempre cuidou de forma muito satisfatória para o clero.
Quando, neste mesmo período, morreu o bispo de Ravena, o clero, tendo escolhido um sucessor, enviou-o com uma delegação a Roma para que o Papa confirmasse a eleição. O bispo de Ímola, que tinha alguns assuntos a tratar em Roma, foi com a delegação e levou Pedro como companheiro de viagem. Na noite anterior à chegada dos viajantes a Roma, o santo Apóstolo Pedro e Santo Apolinário, antigo bispo de Ravena, apareceram ao Papa e ordenaram-lhe que pusesse a mitra, não na cabeça de quem os delegados de Ravena apresentariam, mas na do diácono Pedro, que chegaria com o bispo de Ímola.
Quando, no dia seguinte, os delegados apresentaram ao Papa aquele que fora eleito bispo, o Santo Padre recebeu-os com muita cortesia, mas recusou-se a confirmar a escolha, dizendo que daria a Pedro a ordenação sacerdotal e a sagração episcopal, pois ele, e nenhum outro, devia tornar-se bispo deles. Os delegados não conseguiram esconder a insatisfação, mas quando o Papa lhes revelou a ordem que recebera do Céu, louvaram o Todo-Poderoso e levaram Pedro em grande triunfo para Ravena, depois de ter sido ordenado sacerdote e sagrado bispo. Ao receber a informação, o Imperador Valentiniano, que residia em Ravena, foi com a imperatriz ao encontro dele e acompanhou-o, em meio a grandes manifestações de alegria, até a catedral.
Porém, o novo bispo não se mostrou muito contente e já no primeiro sermão disse, entre outras coisas, que, como Deus lhe tinha dado um fardo tão pesado, pedia a todos os presentes que o ajudassem a carregá-lo. Isto seria feito, em primeiro lugar, obedecendo aos Mandamentos de Deus e, depois, seguindo as suas instruções. Ele também garantiu ao povo que estava determinado a buscar apenas a honra de Deus e a salvação de suas almas, e imediatamente começou a trabalhar para atingir este objetivo.
Pregava frequentemente ao povo, e sempre com tal eloquência, que os pecadores mais endurecidos faziam penitência, enquanto outros eram persuadidos a levar uma vida mais perfeita. Às vezes, ao reprovar os vícios com grande seriedade, sua voz falhava, de modo que não conseguia prosseguir o sermão. Certo dia, isto aconteceu quando falava da mulher que, segundo o Evangelho, estava doente há sete anos, mas, naquela ocasião, a exaustão do bispo teve tal efeito sobre os ouvintes, que toda a igreja ressoou com clamores por misericórdia.
Esforçou-se por abolir vários abusos de longa data, dentre outros, o costume que o povo tinha de mascarar-se, no primeiro dia do ano, e passar o dia a dançar, cantar e fazer tumultos em torno de uma estátua que ficava fora da cidade. São Pedro continuou a vociferar contra este vergonhoso abuso até que ele fosse completamente abolido. Em um de seus sermões sobre este assunto, ele diz: “Aqueles que se divertem com o diabo na terra, não podem se alegrar com Cristo no Céu.” Derrubou a estátua onde se praticava tanta libertinagem e, no lugar dela, ergueu um crucifixo.
Além do zelo na pregação, manifestava grande amor e compaixão para com os pobres e oprimidos, e ninguém o deixava sem ser consolado. Protegia com toda a diligência a viúva e o órfão contra todos que os queriam roubar. Instruía os ignorantes, com doçura e paciência, em tudo o que um verdadeiro cristão deveria saber. Sabia consolar e animar os tristes e desanimados com admirável habilidade e sabedoria.
O que tornou São Pedro especialmente célebre em todo o mundo cristão foi seu zelo apostólico na defesa da verdadeira fé e na refutação das heresias de Eutiques e Dióscoro [i]. A pedido do Papa São Leão Magno, o santo escreveu contra os erros destes heresiarcas com tanta erudição e eloquência, que os hereges foram humilhados perante todo o Concílio reunido em Calcedônia; e como não quiseram retratar-se de suas heresias, foram renegados e banidos da verdadeira Igreja. Até hoje, são muito admirados este e outros escritos de São Pedro, redigidos por ele para proveito dos católicos, pois estão cheios de sabedoria celeste.
Durante o tempo em que Pedro administrava a sé de Ravena, São Germano, bispo de Auxerre, foi para lá e, tendo testemunhado as virtudes do nosso santo bispo, tornou-se grande amigo seu. Animavam-se mutuamente no zelo pelo serviço de Deus e na proteção da verdadeira fé. Pouco tempo depois, São Germano adoeceu e faleceu. Pedro mandou embalsamar o seu santo corpo e enviou-o para a França junto com tudo o que São Germano deixara, exceto o seu capuz e o seu cilício, que São Pedro guardou para si e estimou acima de todos os outros tesouros terrenos.
Depois de São Pedro ter administrado dignamente sua sé durante dezoito anos, defendido corajosamente a Igreja de Cristo, promovido a honra de Deus e a salvação do seu rebanho, erigindo várias igrejas, abolindo vícios e abusos, e deixando para benefício da posteridade muitos livros benéficos, Deus lhe revelou estar próximo o seu fim. Tinha levado sempre uma vida irrepreensível e santa, mas, para se preparar melhor para a morte, partiu para sua cidade natal, onde esperava poder passar o tempo mais tranquilamente em exercícios de piedade. Chegando lá, dispensou os clérigos que o acompanhavam, recomendando-lhes que sempre tivessem a Deus diante dos olhos, observassem seus Mandamentos e tivessem muito cuidado ao escolher um novo bispo.
Algum tempo depois, entrou na igreja do mártir São Cassiano e ofereceu sobre o altar uma coroa de ouro, cravejada de joias, e um cálice igualmente precioso: depois disso, tendo recebido os santos sacramentos, deitou-se ao lado do túmulo do santo mártir, rezou ao Todo-Poderoso e pediu aos santos que o assistissem em seu último combate e conduzissem sua alma ao trono de Deus. Com esta oração terminou sua vida, no ano 452 de Nosso Senhor.
Considerações práticas
I. “Aqueles que se divertem com o diabo na terra, não podem se alegrar com Cristo no Céu.” Assim falava São Pedro Crisólogo dos desordeiros com suas máscaras. Julgava e acreditava ser pecado, portanto, esconder-se com máscaras para ser mais livre, mais devasso, ou por qualquer outro motivo pecaminoso. As pessoas de hoje concordam com este juízo do santo, ou são mais capazes de julgar este assunto do que um santo mestre iluminado pelo Todo-Poderoso?
De modo geral, há ocasiões em que é possível usar sem pecado um disfarce, tal como acontece em países pagãos ou heréticos, inclusive com sacerdotes católicos, que se apresentam vestidos de comerciantes, médicos etc., a fim de dar assistência espiritual aos católicos, quando não lhes é possível exercer abertamente as suas funções sagradas.
Na Antiga Aliança, o Todo-Poderoso estabelecera a seguinte lei: “A mulher não se vestirá de homem, nem o homem se vestirá de mulher.” Quem transgredia esta lei cometia um grande pecado, como observa Santo Tomás, pois — são as palavras que vêm logo depois — “aquele que tal faz é abominável diante de Deus” (Dt 22, 5). Este santo mestre diz, no entanto, que a dissimulação não é em si mesma um pecado mortal, se feita por diversão, sem qualquer desejo de escândalo; ou sem má intenção, não havendo perigo de se cometer uma falta contra a castidade. Mas, se em nossos dias tal disfarce é feito sem escândalo, sem más intenções ou sem perigo de pecar contra a castidade, sabem dizer melhor os que participam de tais divertimentos.
É muito repreensível, e um grande pecado e escândalo, ridicularizar a Santa Missa, e por esse meio ou outros semelhantes ridicularizar as práticas religiosas ou os ministros da religião. Geralmente, as pessoas se disfarçam para que sua conduta possa ser mais devassa, para que possam ceder às suas paixões e visitar lugares perigosos; quando causam escândalo, ou quando a castidade é posta em risco, todos os teólogos julgam que assim se comete um grande pecado. Não há dúvida de que as máscaras podem ser usadas em algumas circunstâncias, sem risco de pecado; mas não temos razão para dizer que é apenas uma brincadeira inofensiva quando elas são usadas por todos os tipos de pessoas, principalmente em salões de baile e esconderijos suspeitos.
Muitos já disseram, como sabemos, que se disfarçavam e usavam máscara só para se comportarem de forma desregrada e ainda assim permanecerem anônimos. Em tempos idos, Jó disse que o homem devasso vigiava até que escurecesse e, cobrindo o rosto, afirmava: “Ninguém me verá” (Jó 24, 15). A cobertura do rosto, a máscara, serve como disfarce para a sua maldade, e quando há uma tal intenção ou perigo de cometer pecado, especialmente o da falta de castidade, dificilmente se pode dizer que tudo não passa de uma brincadeira inofensiva. Esta é a razão pela qual os Santos Padres e prelados da Igreja pregaram e escreveram tanto contra as máscaras.
Citarei apenas um, cuja grande erudição foi reconhecida e amplamente honrada por todo o mundo. Trata-se do célebre e santo Cardeal Carlos Borromeu, que promulgou a seguinte lei para toda a sua diocese: “As máscaras devem ser banidas para sempre, já que nos fazem lembrar a nossa queda e foram inventadas pelo diabo disfarçado de serpente.” O santo cardeal quer dizer que considera Satanás o inventor das máscaras, quando falou sob o disfarce de uma serpente e assim seduziu Eva. Diz o seguinte sobre elas: “As máscaras são horríveis e detestáveis, e, quando as pessoas as utilizam, acreditam que lhes é permitido falar impudicamente e agir de modo obsceno; as máscaras são malignas e perversas, inimigas de toda a honestidade e castidade etc.”
Encontramos isto e muito mais sobre o mesmo assunto nos escritos de São Carlos; donde concluímos que, naquele tempo, era comum o uso de máscaras com más intenções. Se, em nossa época, as pessoas usam máscaras com as mesmas intenções, e se o santo homem exagerou ou escreveu com muita severidade, deixo a outros o julgamento.
II. São Pedro deixou seu trabalho, apesar de sagrado, quando se aproximava a hora de sua morte, a fim de melhor se preparar para ela. Depois de ter recebido devotamente os santos sacramentos, invocou o mártir São Cassiano para que o assistisse na sua última hora.
Nosso momento final é de tal importância, que temos razão em deixar tudo de lado para torná-lo calmo e feliz. Por isso, fazem muito mal aqueles que, na velhice ou na doença fatal, preocupam-se inutilmente com os assuntos temporais até a última hora, e não pensam seriamente no grande problema que têm diante de si, isto é, a morte.
Cuidado para não cometer um erro tão perigoso. Se você estiver velho ou doente, abandone todos os outros pensamentos e preocupações, e prepare-se para uma morte feliz, da qual tudo depende. Aproveite todos os momentos que lhe restam, pois são instantes preciosos, nos quais você pode obter muitas coisas para a eternidade.
Também durante os dias de saúde, nenhum trabalho deve ser tão importante para você quanto o de sua salvação, uma preparação antecipada para a morte, pois de sua última hora depende toda a sua eternidade.
É útil recorrer à intercessão dos santos. Antes de tudo, você deve pedir ao Senhor da vida e da morte a graça de uma morte feliz, pois esta é uma graça que nossas boas obras não podem merecer; só a podemos obter da misericórdia divina, por meio da oração humilde e perseverante.
Depois de pedir a Deus, suplique diariamente à Virgem Santíssima, como padroeira principal dos moribundos, que interceda por você e o socorra. Além dela, escolha outros santos padroeiros dos moribundos, a quem você deve encomendar-se em seus últimos momentos. É o que os santos fizeram e ensinaram. Assim fala Santo Ambrósio: “Devemos invocar os santos anjos, que nos foram dados para nossa proteção, e também os santos mártires, cuja intercessão temos o direito de pedir, pois ainda possuímos seus santos corpos na terra [através das relíquias sagradas].” São Bernardo diz: “Devemos buscar e invocar fervorosamente os santos, para que possamos receber, por sua intercessão, o que não podemos obter por nós mesmos.” E São João Crisóstomo: “As orações dos santos têm grande poder para obter-nos qualquer coisa, desde que façamos verdadeira penitência enquanto rezamos a eles.”
O que achou desse conteúdo?