O único relato sobre São Bartolomeu que o Evangelho nos apresenta é o de que nosso Salvador o associou aos homens por Ele chamados de Apóstolos e escolhidos para converter a humanidade [i]. Por isso, seguiu com os demais o Divino Mestre e aprendeu dele a doutrina que depois pregou às nações. Segundo autores confiáveis, a vida deste santo após a Ascensão de Cristo é descrita assim:

Depois que o Espírito Santo desceu sobre os Santos Apóstolos e eles se dispersaram para pregar o Evangelho ao mundo inteiro, São Bartolomeu foi enviado à Índia Oriental e aos países vizinhos. Enfrentando grandes dificuldades, percorreu cidades e aldeias, convertendo por todos os lados grande número de pagãos.

Após ter providenciado sacerdotes para todos esses lugares, Bartolomeu viajou para a Grande Armênia. Chegando à capital deste país, dirigiu-se primeiramente ao grande templo do ídolo Astarote, onde encontrou um grande número de cegos, surdos, coxos e outros deficientes, que rezavam a esse deus para que lhes restituísse a saúde. Alguns eram socorridos, outros não. Este demônio — como confessou depois, por ordem de São Bartolomeu —, primeiro tornava essas pessoas cegas, surdas ou coxas, por meio de feitiçaria ou outros meios, e quando elas procuravam ajuda em seu templo, destruía o feitiço lançado sobre elas; ou simplesmente usava meios naturais para restaurar sua saúde, enquanto elas acreditavam que seu deus as tinha ajudado. 

Satanás também costumava falar por meio da imagem desse ídolo e responder àqueles que o questionavam. Mas bastou o Santo Apóstolo entrar no templo para que o demônio se calasse e não dissesse uma só palavra. Este silêncio era incompreensível para os armênios, que foram perguntar ao ídolo de outro templo a sua causa.

Pela boca da outra imagem, Satanás disse que Bartolomeu, um Apóstolo do verdadeiro Deus, era o responsável por calar o ídolo anterior, e que o mesmo lhe aconteceria assim que o santo entrasse em seu templo. O sacerdote idólatra desejava saber por que meios poderiam reconhecer aquele homem, e o diabo descreveu-o minuciosamente, acrescentando que ele rezava cem vezes durante o dia e o mesmo número de vezes durante a noite.

“O esfolamento de São Bartolomeu” — anônimo, atribuído à Escola Portuguesa.

Os pagãos foram imediatamente à procura de São Bartolomeu, e o encontraram logo depois de ele ter libertado um homem possuído pelo demônio: enquanto era exorcizado, Satanás gritava bem alto que as orações do Apóstolo o atormentavam e, assim, era obrigado a ceder. Depois que os idólatras conheceram o santo, começaram a pensar no que fazer com ele.

Enquanto isso, o rei Polímio, cuja filha também estava possuída pelo Maligno, e que tinha ouvido falar da libertação da pessoa mencionada acima, enviou uma mensagem ao Apóstolo, pedindo-lhe humildemente que viesse libertar sua filha da mesma forma. Bartolomeu fez uma breve oração, e depois ordenou a Satanás, em nome de Jesus Cristo, que deixasse o corpo do possesso, o que aconteceu instantaneamente.

A alegria do rei e de toda a corte, assim como o espanto do povo da cidade, foram indescritivelmente grandes. Em sinal de gratidão para com o santo, o rei ofereceu-lhe uma grande soma de dinheiro e muitos outros presentes. São Bartolomeu não aceitou nada, e disse: “Não estou aqui para procurar ouro e prata, mas para converter o povo e levar as almas ao conhecimento da verdadeira fé e ao Céu.” 

Depois disso, começou a falar ao rei e aos cortesãos sobre o único Deus verdadeiro, e explicou-lhes como o Filho unigênito de Deus havia redimido o mundo com seus sofrimentos e sua morte. Disse-lhes, sem medo, que os deuses que todos adoravam eram falsos, ou melhor, não passavam de espíritos do Inferno e, para provar isso, propôs obrigar o próprio demônio, que até então lhes falava por meio do ídolo, a confessá-lo publicamente. 

No dia seguinte, o rei foi ao templo com todos os seus cortesãos. São Bartolomeu foi também e pediu ao ídolo Astarote, em nome de Jesus Cristo, que dissesse quem ele era. O demônio começou a lamentar-se e a uivar, mas por fim, coagido pelo poder divino, confessou que era um dos espíritos infernais que até então enganara maldosamente o rei e o povo. Disse também que só existia um Deus verdadeiro, Aquele que São Bartolomeu, seu Apóstolo, pregava e adorava. 

Todos os presentes olhavam uns para os outros e não sabiam o que pensar nem o que dizer. Então, o santo Apóstolo ordenou ao demônio que deixasse os ídolos e destruísse todos eles, sem exceção, na cidade inteira. O demônio obedeceu, e os ídolos da cidade caíram dos seus altares e foram despedaçados. Isto bastou para convencer o rei de que São Bartolomeu era um anunciador da verdade e, depois de ter sido instruído na fé cristã, ele, a mulher e os filhos foram batizados. 

O corpo de São Bartolomeu é preparado para o martírio, por Jean Bardin (1732-1809).

O exemplo do rei foi seguido por toda a corte e pela maioria dos habitantes da capital e, pouco tempo depois, as doze principais cidades do Estado converteram-se ao cristianismo. Para conseguir preservar um tão grande número de fiéis na Igreja, São Bartolomeu ordenou muitos sacerdotes e nomeou-os para se encarregarem dos novos convertidos.

Após essa gloriosa vitória do Evangelho, somente os sacerdotes idólatras permaneceram obstinados em seu erro, e como depois da queda de seus ídolos foram desprezados e ridicularizados, pensaram em meios de se vingar do santo Apóstolo. E depois do fracasso de muitos planos, voltaram os olhos para Astíages, irmão do rei Polímio, que reinava em outra parte da Armênia, e acusaram São Bartolomeu diante dele como inimigo e perturbador do país, pois conseguira seduzir o rei e toda a corte e pretendia exterminar completamente o antigo culto aos deuses. 

Astíages, em cuja mente fraca a idolatria havia criado profundas raízes, decidiu vingar o mal que fora infligido aos deuses. Então, chamou o santo Apóstolo à sua corte, com o pretexto de ouvir suas instruções. Porém, tão logo o santo homem apareceu, o tirano ameaçou puni-lo com os mais cruéis tormentos e a mais terrível morte, se ele não oferecesse imediatamente um sacrifício aos deuses. São Bartolomeu esforçou-se por convencê-lo da insignificância de seus deuses, mas o tirano não lhe deu ouvidos: ordenou aos carrascos que capturassem o santo e lhe arrancassem a pele de todo o corpo, para assim o matarem lentamente.           

A ordem foi cumprida, e o santo Apóstolo foi esfolado vivo. Durante este suplício desumano, o santo não cessou de louvar a Deus e de proclamar a verdadeira fé. Deus preservou-lhe a vida milagrosamente até que a pele lhe foi arrancada de todo o corpo e, como continuasse a proclamar a verdadeira fé, o tirano mandou-o decapitar. No entanto, o Todo-Poderoso castigou visivelmente o rei e os sacerdotes idólatras, que instigaram essa terrível crueldade. Todos eles ficaram possuídos pelo Maligno e, depois de serem atormentados por ele durante trinta dias, foram estrangulados. 

Os cristãos colocaram o corpo santo do mártir num caixão de chumbo e o sepultaram com todas as honras. Posteriormente, os pagãos jogaram no mar o caixão de chumbo com as relíquias de São Bartolomeu. Porém, as ondas o sustentaram milagrosamente e o levaram até a ilha de Lipari, onde os cristãos receberam com alegria os sagrados restos mortais e os colocaram numa igreja erguida para esse fim. Em seguida, esse tesouro sagrado foi levado para Benevento e, finalmente, no reinado de Otão II, foi transportado para Roma, onde é guardado até hoje com grande honra.

“Martírio de São Bartolomeu”, por Stefan Lochner.

Considerações práticas

I. Bartolomeu, o santo Apóstolo, punha-se de joelhos cem vezes durante o dia, e outras tantas à noite, para suplicar ao Todo-Poderoso. Um Apóstolo conseguia tempo livre para isso, mesmo sobrecarregado de trabalho missionário, certo de que contava com o auxílio divino em todos os seus empreendimentos. E quanto a você, caro leitor, que não tem tanto trabalho e nem tem a certeza do auxílio divino, mas ainda assim raramente se refugia na oração? Qual é a razão disso?

Talvez você seja uma dessas pessoas negligentes, que nem sequer pensam em suas orações da manhã e da noite, mas que, como brutos mudos, se levantam e se deitam novamente. É claro que nunca passou por sua cabeça a ideia de rezar durante o dia! Você chamaria isso, nem diria (de) vida cristã, mas de vida racional? Pretende continuar assim?

Não peço que se ajoelhe cem vezes de dia e de noite, mas recomendo-lhe que reze com mais frequência e devoção do que tem feito até agora. Em primeiro lugar, não deixe de voltar seu pensamento para o Céu, de manhã e à noite, nem que seja apenas para uma breve oração. Se alguma vez deixar de fazê-lo, espero que seja nos dias em que os benefícios do Todo-Poderoso não lhe sejam tão necessários. 

Mas quando esse dia chegará? Certamente, nunca enquanto estiver vivo; pois não há dia em que sua alma e seu corpo são expostos a perigos que não requeiram o auxílio do Altíssimo. Por isso, é mais do que um dever rezar de manhã, com todo o fervor, para obter esse auxílio divino. E como não há dia em que o Todo-Poderoso não lhe conceda alguma graça, seja para a alma, seja para o corpo, você também tem o dever de agradecer a Ele ao fim do dia. 

Durante a noite, você fica tão vulnerável às perseguições do maligno e dos homens maus quanto durante o dia; portanto, precisa da proteção de Deus a todo momento. 

Mas como você pode esperar essa ajuda, se nem sequer a pede? “Acordamos de manhã — diz São João Crisóstomo — e não sabemos o que poderá acontecer conosco durante o dia, pois vivemos cercados de perigos. Então, por que não pedimos ajuda a Deus?” Faça isso ao menos de manhã e à noite, e também ao longo do dia, enquanto estiver trabalhando.

Preste atenção nas palavras de São Lourenço Justiniano: “Nada é tão poderoso para vencer a fúria dos nossos inimigos como a oração contínua. Mas como outros afazeres não nos permitem rezar continuamente, devemos rezar enquanto trabalhamos. Aquele que está ocupado com boas obras, ora a Deus em voz alta, embora sua língua esteja em silêncio. Porém, antes de começarmos nosso dia de trabalho, devemos nos esforçar para fazer uma prece ao alto. Pois, assim como um soldado sem suas armas não ousa entrar no campo de batalha, o cristão não deve começar nada sem se armar com a oração. Ao sair e ao voltar para casa, a oração deve acompanhá-lo. Não se deve deitar para descansar antes de se recomendar, de alma e corpo, ao Todo-Poderoso.”

A pele de São Bartolomeu é cruelmente arrancada (escola de Jusepe de Ribera).

II. São Bartolomeu preferiu ser esfolado a ofender a Deus, oferecendo sacrifícios a um ídolo. O martírio foi desumano e a dor, inexprimível. Mas tudo isso teve um fim; tudo acabou logo. Se tivesse agido de outra forma, se tivesse ofendido a Deus, teria escapado desse suplício terrível, mas estaria agora sofrendo dores muito mais intensas, que jamais acabariam, como sofrem o tirano e os sacerdotes idólatras que foram a causa de seu martírio. 

Eles foram atormentados por trinta dias na terra, e depois disso, sofreram no Inferno até agora e sofrerão por toda a eternidade. Por isso, diga-me: se tivesse de sofrer, ou com o santo Apóstolo, ou com os sacerdotes idólatras e o tirano, com quem preferiria compartilhar as dores? Creio que certamente preferiria ser esfolado com São Bartolomeu; porque os sofrimentos dele chegaram ao fim, apesar de tão terríveis. Mas em comparação com os castigos do Inferno, foram muito insignificantes. Eu ainda lhe pergunto: por que, então, você tem ofendido a Deus com tanta frequência, mesmo quando não precisava ter medo dessas torturas?

Referências

  • Extraído, traduzido e adaptado passim de: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 245ss.

Notas

  1. Segundo a Tradição, o Natanael da passagem de Jo 6, 45-51, é identificado com São Bartolomeu, mencionado nos Evangelhos Sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas) como um dos apóstolos. Essa identificação é baseada no fato de que Bartolomeu é listado sempre em conjunto com Filipe (cf. Mt 10, 3a; Mc 3, 18; Lc 6, 14), e o nome Bartolomeu significa “filho de Tolmai” ou “filho de Ptolomeu”, sugerindo que Natanael poderia ser o seu primeiro nome.

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