A terra natal de São Raimundo é a Catalunha. Para espanto dos médicos, ele nasceu após a morte de sua mãe. Logo que teve idade suficiente para compreender o quão cedo se tornara órfão, tomou a Rainha do Céu como mãe e não a chamou por outro nome até o último dia de vida. Depois de ter sido muito bem-sucedido após algum tempo de estudo, seu pai, receando que o jovem entrasse numa Ordem religiosa, mandou-o ao campo para cuidar de uma fazenda. 

Raimundo obedeceu e descobriu aí também uma oportunidade para servir a Deus. A solidão agradava-lhe muito e por isso escolheu como ocupação o cuidado das ovelhas, para dispor de mais tempo para rezar e meditar. No sopé da montanha para onde geralmente conduzia seu rebanho, havia uma pequena ermida deserta, com uma capela, na qual se encontrava uma belíssima imagem de Nossa Senhora, que lhe dava grande alegria. 

Lá passava várias horas por dia em exercícios de piedade. Outros pastores, que observavam essa situação e para os quais a piedade de Raimundo era uma censura à sua própria negligência, denunciaram ao pai que ele não fazia outra coisa senão rezar e que, por isso, abandonava seu rebanho. O pai foi certificar-se do fato, mas, embora encontrasse o filho em oração na capela, viu que nesse ínterim o rebanho era cuidado por um jovem de beleza e feições incomuns. Quando perguntou ao filho quem era o jovem pastor e por que o tinha contratado, Raimundo, não sabendo que a Providência fizera um milagre por ele, ajoelhou-se diante do pai, pediu-lhe perdão e prometeu sinceramente não voltar a cometer a mesma falta. 

A Santíssima Virgem, a quem ele implorou a graça de conhecer a própria vocação, apareceu-lhe dizendo que o desejava na recém-criada Ordem de Nossa Senhora das Mercês para a Redenção dos Cativos. Assim ele fez, e foi enviado para Argel, onde encontrou muitos cristãos em regime de escravidão e, como o dinheiro que trouxera para resgatá-los era insuficiente, ofereceu-se como refém para resgatar os outros. Foi induzido a isso pelo perigo que os prisioneiros corriam de perder a fé e, com ela, a vida eterna. Este grande e heroico gesto de caridade deu-lhe ocasião de sofrer muito por causa de Cristo.

De início, foi tratado com muita dureza por seus donos, mas quando começaram a temer que ele morresse antes que o resgate fosse pago, concederam-lhe mais liberdade, que o santo homem usou apenas para a salvação dos cristãos cativos. Fortalecia-os na fé e, ao mesmo tempo, esforçava-se por converter os infiéis. Acusado disso perante o juiz, condenaram-no a ser empalado vivo, e nada poderia impedir a aplicação desta pena, a não ser a esperança de um grande resgate, que transformaria a execução dessa bárbara sentença num cruel bastinado [i].

Raimundo, que nada desejava mais ardentemente que morrer por amor a Cristo, não se intimidava com o sofrimento e, sempre que surgia uma oportunidade, explicava aos infiéis a palavra de Deus. O juiz, informado disso, ordenou que ele fosse chicoteado por todas as ruas da cidade e depois levado ao mercado, onde o carrasco, com um ferro em brasa, trespassou-lhe os lábios, através dos quais foi puxada uma pequena corrente e fechada com um cadeado, para que o santo homem não usasse mais a língua para instruir os outros.   

“Martírio de São Raimundo Nonato”, por Vicente Carducho.

A cada três dias o cadeado era aberto, e ele apenas recebia comida suficiente para não morrer de fome. Além disso, foi carregado de correntes e lançado numa prisão, onde permaneceu durante oito meses, até a chegada do seu resgate. Embora fosse desejo do santo permanecer entre os infiéis, pois aí teria oportunidade de ganhar a coroa do martírio, a obediência chamou-o de volta ao mosteiro.

Quando o Papa foi informado de tudo o que Raimundo havia sofrido no cativeiro, criou-o cardeal. O humilde santo, porém, retornou ao seu convento e viveu como todos os outros irmãos da Ordem, sem mudar nada no vestuário, na alimentação e na moradia, nem aceitar qualquer honra que lhe era devida como tão alto dignitário da Igreja. Gregório IX, desejoso de ter perto de si um homem tão santo, chamou-o a Roma. O santo obedeceu e pôs-se a caminho da Cidade Eterna. Porém, mal chegara a Cardona, a seis milhas de Barcelona, foi acometido por uma febre maligna, que logo se tornou fatal. 

Desejava ardentemente receber os santos sacramentos, mas como o sacerdote chamado para administrá-los demorava a chegar, Deus enviou um anjo que lhe trouxe o alimento divino. Depois de recebê-lo, agradeceu a Deus por todas as graças recebidas ao longo da vida e entregou pacificamente sua alma, aos 37 anos de idade. 

Depois de sua morte, os habitantes de Cardona, o clero de Barcelona e os religiosos de sua Ordem começaram a discutir em que lugar o corpo do santo deveria ser enterrado. Cada uma das partes julgava ter a maior prioridade para possuir seu túmulo. Por fim, resolveram deixar a decisão à Providência: colocaram o caixão com seu santo corpo em cima de uma mula cega, decidindo que o tesouro deveria ser depositado no local para onde este animal o levasse.

Acompanhado por uma grande multidão, o animal seguiu até chegar à ermida e capela onde o santo cardeal, quando era pastor, tinha passado tantas horas em oração e recebido tantas graças de Deus. Ali foi sepultado o santo, e o fundador dos mercedários, São Pedro Nolasco, estabeleceu neste mesmo lugar, com o passar do tempo, um convento e uma igreja na qual ainda se conservam os santos restos mortais de Raimundo, muito honrados pelo povo catalão.

Considerações práticas

I. São Raimundo instruía os fiéis e os infiéis e, para impedi-lo de fazer isso, seus inimigos fecharam-lhe barbaramente a boca com um cadeado. 

“Sermão de São Raimundo Nonato”, por Carlo Saraceni.

Oh! quão mais justo seria se tal cadeado fosse pendurado em sua boca, que você abre com tanta frequência para mentir, amaldiçoar, blasfemar, brigar, caluniar, proferir palavras impuras, cantar músicas indecentes e falar frivolamente nas igrejas. Mas acredite-me: se sua boca não for castigada neste mundo, certamente sofrerá no outro, e assim como a boca de São Raimundo, que ele usou tão nobremente e na qual sofreu tão cruelmente, será especialmente recompensada na morada dos anjos, da mesma forma sua boca perversa será especialmente castigada na morada dos espíritos malignos. 

São Gregório acredita que o rico sofre dores especiais na língua, porque a usava à mesa para discursos indecentes, como ainda hoje é o hábito de muitos. O mesmo castigo espera sua boca pecadora. E se quiser escapar dele, tenha cuidado com o uso que faz de seus lábios. Use o temor de Deus como protetor deles, para que não venham a proferir uma palavra ofensiva ao Altíssimo. “Cerca os teus ouvidos com espinhos, não queiras ouvir a língua má, e põe na tua boca uma porta com ferrolhos” (Eclo 28, 27).

II. São Raimundo, no fim de seus dias, agradeceu fervorosamente ao Altíssimo todos os favores que lhe foram concedidos, e assim terminou a vida cheio de conforto celestial. 

Dar graças a Deus é um dever a cumprir todas as manhãs e todas as noites, pois não há dia nem noite em que não recebamos as graças do Senhor. Você agradece aos homens que lhe fazem o bem; por que não agradece a Deus, que o cumulou de favores e ainda os concede diariamente? Não se esqueça deste dever; antes, cumpra-o todos os dias. 

Agradeça-lhe também no fim de cada mês, por tantos benefícios que recebeu dele e nem sequer pediu. A quem você deve agradecer por não ter morrido durante as últimas quatro semanas, por não ter sido condenado às chamas eternas, como tantos que foram chamados? Por que você foi preservado dos perigos e infortúnios que se abateram sobre tantos outros? Por que você tem tempo e oportunidade para trabalhar em sua salvação, enquanto milhares já não os possuem? Certamente, todas essas coisas são benefícios do Todo-Poderoso, que você merece muito menos do que muitos outros. Não é justo, pois, que renda a Deus fervorosa ação de graças no fim de cada mês? 

“São Raimundo Nonato coroado por Cristo”, de Diego González de la Vega.

Mas será que sua alma está em condições de terminar este mês, ou de encerrar a vida, tão tranquilamente como São Raimundo? Ah! Se você tivesse vivido como ele, se tivesse praticado constantemente boas obras e suportado as adversidades com a paciência dele, poderia ser consolado agora, assim como no fim de seus dias. Mas, como infelizmente não é assim, arrependa-se de todo o coração de sua maldade e indolência, e peça humildemente a graça de aproveitar melhor o próximo mês. Procure expiar, ao longo dele, suas negligências passadas, a fim de que, um dia, não suspire inutilmente: “Tive meses vazios (de consolação)” ( 7, 3); “Quem me dera ser como fui nos meses antigos” ( 29, 2).

Referências

  • Extraído, traduzido e adaptado passim de: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 275ss.

Notas

  1. Nome dado para o açoite aplicado nas solas dos pés com uma vara, costumeiramente, de bambu. (N.T.)

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