O bispo São Januário era natural de Benevento, uma cidade do território napolitano. Seus pais, virtuosos e de nobre estirpe, deram-lhe desde a mais tenra idade uma educação piedosa, e ele se esforçava tanto por levar uma vida irrepreensível, que o clero e os leigos, após a morte do bispo local, não desejaram outro sucessor senão ele. Somente Januário se opôs à própria eleição, e só foi convencido a aceitar quando a obediência a uma ordem do Papa o obrigou a ceder.

Por maior que tenha sido a luta para aceitar a elevada dignidade que lhe foi conferida, o santo homem foi igualmente zeloso e incansável no cumprimento de seus deveres depois de assumir a sua sé. Naquela época, os tiranos Diocleciano e Maximiano atacavam os fiéis, tentando destruir toda a cristandade. O santo bispo, portanto, fez tudo o que pôde para confirmar seu rebanho na verdadeira fé, encorajando-o a preferir antes os tormentos e a morte que abandonar o seu Deus. Januário exemplificava com a própria vida os ensinamentos que dava aos outros, mostrando assim ao seu rebanho como suportar o martírio. 

“O Martírio de São Januário”, por Mattia Preti.

Timóteo, governador da Campânia, recebeu instruções para obrigar os cristãos a prestar culto aos deuses; caso não conseguisse, a ordem era executá-los. Decidiu começar por São Januário, cujo zelo pela fé cristã era bem conhecido de todos. Por isso, o santo foi feito prisioneiro e, em Nola, apresentado ao governador, que lhe deu a conhecer a ordem imperial e ordenou o seu cumprimento. Januário, porém, garantiu-lhe: preferia morrer a ser infiel ao verdadeiro Deus e tornar-se, pela idolatria, um servo de Satanás. 

Logo após essa declaração, Timóteo ordenou que ele fosse lançado numa fornalha ardente. Mas o Todo-Poderoso quis renovar o milagre feito aos três jovens na fornalha da Babilônia (cf. Dn 3, 16ss). Januário permaneceu ileso no meio do fogo, louvando o único Deus verdadeiro do Céu e da terra. Quando o tirano viu que nem um fio de cabelo de sua cabeça tinha se queimado, enfureceu-se e mandou esticá-lo no cavalete, dilacerando-lhe tão cruelmente os membros, que o santo mártir, depois, não conseguiu mais mexer um deles sequer. Arrastaram-no para a prisão e pensaram que ele morreria lá. O Todo-Poderoso, porém, a fim de poupá-lo de torturas ainda maiores, restituiu-lhe, após uma breve oração, o pleno uso dos membros, para grande espanto do tirano. 

Como o governador tinha de partir para Putéoli (atual Pozzuoli), o santo bispo teve de correr feito um cavalo à frente da carruagem, sendo tratado de forma muito humilhante por seus criados. À mesma humilhação foram condenados dois diáconos que o tinham visitado no cárcere. Em Putéoli, os três foram metidos numa masmorra, onde encontraram outros dois diáconos e dois leigos, aos quais já se tinha anunciado que seriam entregues às feras. A mesma sentença foi dada ao santo bispo e seus dois companheiros. Por isso, os sete foram levados ao anfiteatro, onde as feras foram soltas contra eles.

“São Januário deixa a fornalha”, por José de Ribera.

No entanto, a onipotência de Deus, que havia removido do fogo o poder de queimar, tirou das feras também o instinto de devorar. Elas olharam para os confessores de Cristo e, sem lhes fazer mal algum, deitaram-se a seus pés. Conforme o costume dos pagãos, Timóteo atribuiu o fato à feitiçaria e, não querendo ser vencido, ordenou que fossem decapitados. Mal havia dado a ordem, Deus castigou-o com a cegueira. Januário, compadecido dele, restituiu-lhe a vista após uma breve oração. 

Impressionados com esse fato e com os outros milagres, muitos dos espectadores se converteram a Cristo. Só o ímpio governador ficou insensível e, temendo o desagrado do imperador, não se atreveu a contrariar sua ordem, mandando decapitar o santo e seus companheiros. O corpo de São Januário foi primeiro levado para Benevento, e mais tarde para Nápoles, onde é tido em grande honra devido à proteção de que a cidade se beneficia, por intercessão do santo, contra as erupções do Monte Vesúvio.

Em diversas ocasiões, quando as relíquias do santo foram levadas, em procissão solene, na direção das ondas ardentes de lava que eram expelidas por essa montanha e avançavam para destruir a cidade, a erupção cessou e Nápoles foi salva. Até hoje o sangue de São Januário é conservado em Nápoles, num frasco de vidro. O sangue está congelado, mas se liquefaz e borbulha quando colocado perto da cabeça do santo. Esse milagre, que perdura até hoje, foi testemunhado por muitos, tanto católicos como não católicos, e embora alguns destes últimos o tenham atribuído a uma fraude, não podem provar sua afirmação.

“Procissão de São Januário em Nápoles durante uma erupção do Vesúvio”, por Antoine Jean-Baptiste Thomas

*

Juntaremos à vida de São Januário a de São Cipriano, que foi também bispo e mártir, e cujo nome está registrado no Martirológio Romano a 16 de setembro. Esse homem, que São Jerônimo descreve como modelo de eloquência e santidade, nasceu em Cartago, na África, de pais nobres, mas pagãos. 

Ao atingir a idade adulta, sobressaiu-se de tal forma na arte da eloquência, que foi escolhido para ser professor de retórica. Conheceu Cecílio, um piedoso sacerdote, que, convencendo-o de seus erros, trouxe-o com alegria para o seio da Igreja Católica. No santo Batismo, tomou o nome de Cecílio, numa grata recordação daquele que o instruíra nas doutrinas da verdadeira fé. Os pagãos não conseguiam entender a conversão tão inesperada de seu excelente orador, e ficaram muito irritados, enquanto os cristãos se alegraram e louvaram o Senhor.

Cipriano levou uma vida tão piedosa e santa depois de receber o Batismo, que o bispo de Cartago o ordenou sacerdote. Com a morte do bispo, Cipriano foi eleito para sucedê-lo, mas, julgando-se indigno de tão elevada posição, fugiu e tentou esconder-se. No entanto, ao ser descoberto e colocado, quase à força, na sé episcopal, submeteu-se à vontade divina e assumiu suas novas funções. Foi um pastor muito atento ao seu rebanho, um pai amoroso para os pobres e aflitos, um protetor invencível da verdadeira fé e não só um mestre incomparável, mas um modelo perfeito de todas as virtudes.

“Santo Antão entre São Cornélio e São Cipriano”, por Paolo Veronese.

Algum tempo depois, no regime do Imperador Décio, desencadeou-se uma terrível perseguição aos cristãos, que o Todo-Poderoso permitiu para que se renovasse o fervor deles. O clero de Cartago sabia que os idólatras prenderiam primeiro o seu bispo; por isso, aconselhou-o a deixar a cidade para viver escondido, por algum tempo, num lugar tranquilo. A princípio, o santo homem recusou-se a seguir o conselho deles, para não dar a impressão de que não tinha coragem suficiente para fazer uma confissão pública de sua fé ou sofrer por amor a Cristo. Mas, depois de ter pedido o conselho de Deus em oração, acatou o pedido do clero e escondeu-se fora da cidade, mas num lugar conhecido dos cristãos. Durante a perseguição, que durou cerca de quatro anos, alentou os fiéis, tanto pessoalmente como por meio dos sacerdotes que o acompanhavam e que enviava com frequência à cidade. Encorajava os fracos e desesperados, e procurava trazer de volta ao seio da Igreja aqueles que, por medo dos tormentos, haviam apostatado. 

Retornou a Cartago quando a perseguição acabou, e trabalhou, com zelo incansável, para reparar os grandes danos sofridos por seu amado rebanho. Pouco tempo depois, os bárbaros invadiram a região e, além de causar outros sofrimentos, levaram muitos cristãos como prisioneiros. Para pagar o resgate deles, Cipriano deu tudo o que possuía e juntou uma grande quantia de dinheiro em sua diocese. 

Mal terminara essa tempestade, começou na África uma terrível peste que causou grandes prejuízos aos cartagineses. O santo não mediu esforços para ajudar as pessoas afetadas pela terrível doença. Visitava-os, administrava-lhes os santos sacramentos, fornecia-lhes remédios e alimentos e animava os que estavam bem a seguir seu exemplo e ser bondosos para com os doentes — embora uma grande parte dos afetados fossem pagãos, que sempre se mostraram os mais ferrenhos inimigos dos cristãos. 

Esse flagelo desapareceu, mas logo deu lugar a outro, pois assim que Deus restituiu a saúde do povo de Cartago, irrompeu uma nova perseguição aos cristãos, liderada por Valeriano. Aspásio, governador romano em Cartago, sabia que Cipriano era o principal sustentáculo do cristianismo naquele lugar, mas, temendo causar uma revolta, não ousou prendê-lo e executá-lo. Por isso, ordenou-lhe que saísse da cidade e baniu-o para Cúrubis (atual Korba). O santo homem obedeceu, mas deixou em seu lugar vários sacerdotes, para fortalecer e alentar os cristãos em sua fé. 

Ele mesmo enviou-lhes várias cartas do exílio, nas quais os exortava a permanecer fiéis a Deus. Quando, decorrido um ano, chegou a Cartago um novo governador, Cipriano deixou Cúrubis e fixou residência perto da cidade, num terreno que havia comprado para os pobres. Permaneceu lá quase um ano e, como a multidão de cristãos que o visitava aumentava todos os dias, um dos inimigos dos fiéis informou o governador do fato. 

Ícone de São Cipriano de Cartago.

O santo bispo foi exortado a fugir para evitar o perigo que se aproximava, mas respondeu que seu martírio lhe tinha sido revelado pelo Todo-Poderoso. Não desejava mais nada deste mundo senão terminar a vida na presença de seu rebanho e dar-lhes o exemplo de como poderiam permanecer constantes na fé. O desejo do santo bispo foi atendido. Foi feito prisioneiro e levado perante o governador. A primeira pergunta deste foi: “És Cipriano?” “Sim”, respondeu o santo, “sou Cipriano, bispo de Cartago!” Depois disso, entregaram-lhe uma ordem escrita do imperador para que sacrificasse aos deuses ou entregasse sua vida. Cipriano, tendo lido a ordem com o coração impassível, respondeu: “Prefiro mil vezes dar a minha vida do que sacrificar aos deuses”, ao que o governador o condenou a morrer pela espada, como um escarnecedor da ordem imperial. 

Tendo ouvido com serenidade sua sentença de morte, o santo bispo disse alegremente: “Graças a Deus”. Foi seguido até o local da execução por uma grande multidão de pessoas, às quais dirigiu as mais fervorosas exortações para que não abandonassem o Senhor. No local onde deveria ser morto, despojou-se de sua veste episcopal, entregou-a a um diácono e ordenou que o carrasco recebesse 25 moedas de ouro, como recompensa pelo golpe que o enviaria ao Reino dos Céus. Em seguida, ajoelhou-se, ergueu os olhos ao Céu e, com uma fortaleza invencível, recebeu o golpe fatal, no ano 260 de Nosso Senhor. 

Assim terminou a gloriosa carreira desse santo bispo, a quem Santo Agostinho, São Jerônimo, São Gregório Nazianzeno e outros Padres da Igreja fizeram os maiores elogios por suas grandes virtudes e sabedoria celestial.

Considerações práticas

“A Ascensão de São Januário”, por Andrea Vaccaro.

I. São Januário preferiu ser lançado numa fornalha ardente a ofender a Deus adorando um ídolo. São Cipriano preferia dar a vida mil vezes que atrair sobre si a ira do Todo-Poderoso, sacrificando aos falsos deuses. Ambos agiram com sabedoria, pois, se tivessem adorado os ídolos, teriam cometido um grande pecado. Se tivessem morrido nele, São Cipriano não só teria perdido a vida temporal, mas também a vida eterna, para sempre, enquanto São Januário teria sido lançado numa fornalha muito mais pavorosa, sem qualquer esperança de libertação.

Na verdade, você comete uma grande tolice ao pecar mortalmente, pois (convença-se disto), morrendo em pecado, nada é mais certo de que o espera o fogo do Inferno, a morte eterna. Você se ilude pensando que não morrerá em pecado, mas quem pode lhe garantir isso? Também os que já estão no Inferno se iludiram, como você, e no entanto morreram em pecado. Não é possível que lhe aconteça o mesmo? Confesse ao menos que, ao tornar-se réu de pecado mortal, você se coloca em perigo de morrer nele, e assim perder-se eternamente. Não é loucura suficiente? 

Mais evidente ainda se tornará a sua loucura, quando refletir por que se coloca em tão terrível perigo. Diga a verdade: por que faz isso? Que benefício, que vantagem lhe trazem esses pecados, que o colocaram em tão iminente perigo? Será porventura algo mais que uma sensualidade momentânea, um ganho desprezível, um breve prazer? E por causa de uma sensualidade breve, desprezível e momentânea, você arriscará a condenação eterna? Não será essa a maior de todas as loucuras? Medite bem sobre este ponto, eu lhe peço, e certamente você evitará todo pecado. “Considerai bem”, diz São João Crisóstomo, “que os prazeres passam depressa, mas os sofrimentos permanecem eternamente.” 

“São Januário subindo aos céus entre os anjos”, pintura italiana do século XVII.

II. Na época da peste, São Cipriano tratou seus inimigos mais ferrenhos, os pagãos, com muita bondade, e exortou outros a fazer o mesmo. Antes de ser executado, deu uma quantia considerável de dinheiro ao carrasco que ia tirar-lhe a vida. São Januário devolveu a visão ao tirano que o condenara injustamente à morte. Foi um verdadeiro cumprimento das palavras de Cristo: “Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam” (Lc 6, 27). 

E você, como se comporta em relação àqueles que lhe fizeram mal, ou que o odeiam e o perseguem? Será que não se recusa a perdoá-los, não lhes deseja toda a desgraça possível e não guarda mágoas contra eles no coração? Não procura se vingar e pagar o mal com o mal? Oh! Se procede assim, não diga que é discípulo de Cristo, o mestre que ensinou a perdoar os erros, amar os inimigos, rezar por eles e fazer-lhes o bem. Se você faz exatamente o contrário, como pode se considerar um discípulo de Jesus? Comece hoje mesmo a seguir verdadeiramente o Redentor e declare diante do Todo-Poderoso que perdoa, de todo o coração, todo o mal que já lhe fizeram. Elimine todo o ódio de seu coração. Perdoe aqueles que o ofenderam e, se alguma vez surgir a ocasião de fazer o bem aos que o prejudicaram, não deixe de fazê-lo. 

Tome o crucifixo em suas mãos e pergunte a si mesmo se o seu Salvador não merece que você faça isso por amor a Ele. Você o ofendeu muitas vezes, e amargamente, mas Ele o perdoou. Não se vingou; rezou por você. Tem lhe feito tanto bem, e o faz diariamente, mesmo depois de ter sido tantas vezes ofendido por você. Porventura Ele não merece que, seguindo o exemplo dele, você faça o bem ao seu inimigo? Escute as palavras de Santo Agostinho: “Voltai vossos olhos para vosso Senhor. Vosso inimigo é mau, mas vosso Senhor é bom. Vosso inimigo não merece que lhe perdoeis, mas vosso Senhor o merece mil vezes. Ele merece que perdoeis por amor a Ele. Olhai para o vosso Senhor”.

Referências

  • Extraído, traduzido e adaptado passim de: Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, p. 357ss.

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