Neste artigo, proponho-me a examinar o antigo caráter da festa de Pentecostes no rito romano: em primeiro lugar, seu papel como festa batismal; segundo, o desenvolvimento de sua oitava; e, terceiro, sua relação com os dias de Têmporas.
Além das fontes litúrgicas antigas, será nosso guia aqui São Leão Magno, Papa de 440 a 461, cujos escritos são uma das primeiras e mais importantes testemunhas da tradição litúrgica romana. Os mais relevantes são seus três sermões remanescentes sobre Pentecostes e quatro sobre as respectivas Têmporas, mas começaremos com uma de suas cartas.
Pentecostes como uma festa batismal
No final do século IV, em carta a Himério, bispo de Tarragona, o Papa São Sirício (384–399) escreveu que o sacramento do Batismo deveria ser ministrado em Pentecostes assim como na Páscoa [i]. O Papa Leão confirmou ser essa a prática da Igreja em uma carta aos bispos da Sicília, exortando-os a seguir o exemplo do Apóstolo Pedro, que batizou três mil pessoas no dia de Pentecostes (cf. At 2, 41) [ii].
Como seria de se esperar, portanto, todos os livros litúrgicos pertinentes do rito romano refletem essa tradição. A coleção mais antiga de textos litúrgicos romanos, o chamado Sacramentário Leonino, de aproximadamente 550 d.C., contém uma Missa “em Pentecostes, para aqueles que saem da pia batismal”. A primeira parte de seu prefácio é quase idêntica à do Espírito Santo no Missal de São Pio V, o qual é usado desde a vigília até o seguinte sábado das Têmporas (as variantes do Missal Romano estão entre parênteses): Qui ascendit (-ens) super omnes cælos sedensque ad déxteram tuam, promissum Spíritum Sanctum (hodierna die) in filios adoptiónis effúdit. — “O qual subiu (subindo) acima de todos os céus e sentando-se à vossa direita, (neste dia) derramou sobre os filhos da adoção o Espírito Santo que havia prometido”.
Da mesma forma, o Hanc igitur próprio, tradicionalmente rezado também na Páscoa, assemelha-se muito à versão de Pio V (mantendo o caráter errático do Sacramentário Leonino, ele precede um Communicantes próprio e diferente do tradicional):
Hanc ígitur oblatiónem, quam tibi offérimus pro his quos ex aqua et Spíritu Sancto regeneráre dignátus es, tríbuens eis remissiónem omnium peccatórum, quæsumus, placátus accipias, eorumque nómina ascríbi júbeas in libro viventium. — Nós pedimos que benignamente aceiteis esta oblação, que vos oferecemos por aqueles que vos dignastes regenerar pela água e pelo Espírito Santo, concedendo-lhes a remissão de todos os pecados, e [pedimos também] que ordeneis que os seus nomes sejam escritos no livro da vida.
Os mais antigos sacramentários de fato contêm orações para a vigília de Pentecostes de modo a acompanhar as leituras das profecias repetidas da Vigília Pascal e, ainda mais explicitamente, orações e prefácios batismais para as Missas. Essa tradição, que continua ininterrupta no Missal de São Pio V, foi em sua maior parte abolida sem explicações pela reforma da Semana Santa de 1955 (num dos muitos aspectos seus que desmentem por completo a pretensão que ela tinha de ser uma espécie de “restauração”). Digo “em sua maior parte” porque, embora se tenham suprimido as partes do rito emprestadas da Vigília Pascal, o Hanc igitur [próprio] continua a ser dito, sem nenhum sentido; o rito pós-conciliar removeu até mesmo isso.
A oitava de Pentecostes
Em seu primeiro sermão “sobre o jejum de Pentecostes”, o Papa Leão diz que este se observava “depois dos dias de santo júbilo, que passamos para honrar o Senhor que ressuscitou dos mortos e depois subiu ao céu, e após receber o dom do Espírito Santo” (c. 3). E, da mesma forma, no terceiro sermão: “o tempo atual nos convida a voltar aos remédios do jejum, depois de passar os cinquenta dias da ressurreição do Senhor até a vinda do Espírito Santo…” (c. 3). Nada em nenhum dos sermões indica que esse jejum era considerado parte da festa. Os estudiosos, portanto, concordam que não havia oitava de Pentecostes nessa época — um exemplo de argumento bastante sólido a partir do silêncio, embora claramente não fosse o propósito de Leão dar qualquer tipo de explicação sistemática do ano litúrgico.
Também é verdade que, aproximadamente um século depois, não há menção à oitava no “sacramentário” que leva o seu nome, mas aqui o argumento ex silentio talvez seja menos sólido. Esse manuscrito, do qual existe apenas uma cópia (muito possivelmente a única já feita), não era de fato um sacramentário, ou seja, um livro que contém as partes do padre na Missa, o Cânon e as orações e prefácios variáveis de Missas específicas.
Antes da criação de tais livros, as orações e os prefácios variáveis da Missa eram escritos em livretos chamados libelli Missarum, que podiam variar de uma igreja para outra, até mesmo dentro da mesma cidade. O manuscrito em questão é uma coleção privada e altamente irregular desses libelli, geralmente datada, com base em evidências internas, de meados do século VI. A coleção certamente foi feita na própria cidade de Roma, pois contém várias referências específicas à cidade. Seu nome tradicional, “leonino”, em referência ao Papa São Leão Magno, não passa de uma fantasia do Pe. Giuseppe Bianchini (1704–64), um cônego que descobriu o manuscrito na biblioteca capitular da Catedral de Verona [iii].
Portanto, é exagerado dizer que, pelo fato de não se mencionar a oitava no manuscrito, ela não poderia ter existido em qualquer forma quando a coleção foi feita. O Papa Leão diz claramente que os jejuns de Têmporas eram mantidos na quarta-feira, sexta-feira e sábado após Pentecostes, mas o manuscrito “leonino” tem apenas duas Missas para eles, uma colocada antes de Pentecostes e a outra depois — logo, este certamente não é um testemunho definitivo ou plenamente confiável.
O mais velho sacramentário de fato, o Gelasiano antigo, datado de cerca de 700, não tem Missas especiais para os dias da oitava de Pentecostes. No entanto, ele tem, logo após a Missa do domingo de Pentecostes, seis orações para as Vésperas “dentro da oitava de Pentecostes”, seguidas pelas Missas de Têmporas e, depois, a Missa “no domingo da oitava de Pentecostes”. O prefácio dessa última é o que dizemos na festa da Santíssima Trindade, nos domingos seguintes até o Natal e entre a Epifania e a Quaresma. Isso também reflete o trabalho de São Leão, que expõe longamente a doutrina da Trindade em seus sermões de Pentecostes: todas as palavras-chave do prefácio (Trinitas, substantia, essentia etc.) aparecem nesses sermões com bastante frequência.
Da mesma forma, as leituras para os dias da oitava aparecem nos primeiros lecionários, e os cânticos nos antifonários mais antigos. A quinta-feira dentro da oitava de Pentecostes era originalmente um dia “alitúrgico”, como as quintas-feiras da Quaresma, nas quais não se rezava Missa. Na época em que esse costume foi alterado, no início do século VIII, o corpo de cantos da Missa era considerado um cânone fechado, razão pela qual as quintas-feiras da Quaresma tomam emprestados quase todos os seus cantos de outras Missas, e a de Pentecostes simplesmente repete a Missa do domingo.
O rito pós-conciliar pretendia restaurar o costume mais antigo da Igreja, abolindo a oitava e transformando todo o período que vai da Páscoa até Pentecostes em uma festa única de cinquenta dias. Ainda que não surpreenda, essa é uma representação errônea do costume da Igreja primitiva. A afirmação desmente-se pelo fato de que [na prática] também se aboliram os dias de Têmporas, consistentemente atestados pelas mesmas fontes antigas que falam dos “cinquenta dias da Páscoa”.
Pentecostes e as Têmporas
Nas fontes mais antigas, a relação entre a oitava de Pentecostes e as Têmporas de verão [no hemisfério norte] é um problema interessante, que não admite uma solução plenamente satisfatória. Nos sermões do Papa São Leão Magno, escritos antes de instituir-se a oitava, fica absolutamente claro que esses dias eram celebrados na quarta-feira, na sexta-feira e no sábado depois de Pentecostes. Ele os menciona não como dias penitenciais, mas como uma preparação útil e de fato necessária para a longa jornada até o final do ano eclesiástico.
Essa ideia permeia as orações das Missas leoninas e gelasianas para esses dias, que se concentram muito nos benefícios espirituais do jejum e só rapidamente se referem à expiação do pecado pessoal. O prefácio da Missa gelasiana para a quarta-feira de Têmporas cita de forma bastante próxima um dos sermões de Leão “sobre o jejum de Pentecostes”.
Prefácio: De fato, após aqueles dias de alegria, que passamos em honra ao Senhor que ressurgiu dos mortos e subiu aos céus, e depois de recebido o dom do Espírito Santo, santos jejuns se nos apresentam como necessários, a fim de que permaneçam, para os que vivem na pureza, aquelas coisas que foram conferidas divinamente à Igreja: por Cristo, nosso Senhor.
São Leão: De fato, após os dias de santa alegria, que passamos em honra ao Senhor que ressurgiu dos mortos e finalmente subiu aos céus, e depois de recebido o dom do Espírito Santo, ordena-se com grande fruto e necessidade o costume do jejum, a fim de que a censura da abstinência sagrada reprima o que, talvez, em meio às alegrias destas festividades, a liberdade negligente e a licença desordenada presumiram. Isso também deve ser executado com assiduidade a fim de que permaneçam em nós aquelas coisas que, neste dia, foram conferidas divinamente à Igreja [iv].
Todavia, depois de instituída a oitava, algumas das fontes litúrgicas mais antigas separaram os dias de Têmporas e criaram textos separados para eles. Por várias razões, acredito que essas fontes continuam a refletir uma tradição anterior e original na qual as duas celebrações aconteciam juntas.
Os dias de Têmporas nasceram em Roma, e muitos de seus textos contêm referências às igrejas estacionárias romanas, que são as mesmas em todas as quatro estações: quarta-feira em Santa Maria Maior, sexta-feira na Igreja dos Doze Apóstolos e sábado na Basílica de São Pedro. As Têmporas de Pentecostes são organizadas em vista dessa tradição, imitando as da Quaresma, que acontecem na 1.ª semana desse tempo litúrgico.
Ora, é verdade que algumas fontes que dividem a oitava de Pentecostes das Têmporas de inverno mudam a igreja estacionária da oitava na quinta, sexta e sábado, mas todas concordam em manter a quarta-feira na estação do dia de Têmporas: Santa Maria Maior, o que sugere fortemente ser essa a tradição original. Da mesma forma, todas essas fontes têm duas leituras antes do Evangelho na quarta-feira festiva de Pentecostes, uma característica encontrada só nas quartas-feiras de Têmporas, na 4.ª semana da Quaresma e na Semana Santa, mas nunca em uma festa. (A quarta-feira de Páscoa tem só uma epístola.)
Além disso, a maior parte das leituras das Têmporas de inverno separadas de Pentecostes parece ter sido escolhida para acompanhar as Missas de Pentecostes e, de fato, referem-se a elas muito mais do que às Têmporas.
Na quarta-feira, a primeira leitura, tomada de Sb 1, 1-7, é a fonte do intróito do domingo de Pentecostes: Spíritus Dómini replévit orbem terrárum: et hoc quod cóntinet ómnia, sciéntiam habet vocis — “O Espírito do Senhor enche o universo, e, como abrange tudo, tem conhecimento de tudo o que se diz.” A segunda leitura (Is 44, 1-3) reflete claramente o antigo caráter batismal da festa: “Derramarei águas sobre a terra sequiosa, rios sobre o solo seco; derramarei o meu espírito sobre a tua posteridade, a minha bênção sobre a tua descendência”. O Evangelho da féria é o relato de São Lucas sobre a multiplicação dos pães para cinco mil homens (9, 12-17), enquanto o da festa é retirado do discurso eucarístico de São João (6, 44-52). É claro que, em ambos os casos, a ênfase no pão dado pelo Senhor é também uma referência às Têmporas como ação de graças pelos frutos da terra que nos proporciona a bondade de Deus.
A epístola de sexta (Jl 2, 23-24.26-27) é o prelúdio da primeira leitura do sábado, versículos 28-32, uma passagem que São Pedro cita em seu sermão no primeiro Pentecostes (cf. At 2). Essa primeira seção, no entanto, também foi claramente escolhida em referência a Deus como a verdadeira fonte dos frutos abundantes da terra: “Ele vos dará a primeira chuva, mandar-vos-á chuvas copiosas [...]. As vossas eiras se encherão de trigo, e os vossos lagares transbordarão de vinho e de azeite. Comereis e saciar-vos-eis destes bens, e louvareis o nome do Senhor vosso Deus.”
O Evangelho (Lc 8, 41-56) é a cura da filha de Jairo e da hemorroíssa, enquanto o da sexta-feira de Pentecostes (Lc 5, 17-26) é outra cura: a do paralítico descido pelo telhado.
A segunda e terceira leituras do sábado de Têmporas (Lv 23, 10-11.15-21; Dt 26, 1-11) são sobre a festa de Pentecostes do Antigo Testamento; os “sinais e portentos” de Dt 26, 8, refletem os da primeira leitura de Jl 2. A quarta (Lv 26) é a única que não tem nada a ver com Pentecostes, falando apenas do cuidado providencial de Deus com os que lhe obedecem:
Se andardes conforme os meus preceitos, se guardardes os meus mandamentos e os praticardes, eu vos darei as chuvas nos seus tempos, a terra dará o seu produto, e as árvores se carregarão de frutos. A debulha do trigo prolongar-se-á até à vindima, e a vindima juntar-se-á à sementeira; comereis o vosso pão à saciedade, e habitareis na vossa terra sem temor (vv. 3-5).
A quinta leitura, dos três jovens hebreus lançados na fornalha em Dn 3, é comum a todos os quatro sábados de Têmporas. No contexto de Pentecostes, pode ser entendida em referência ao Espírito Santo que desceu como línguas de fogo. A epístola do Novo Testamento (Rm 5, 1-5) também fala do Espírito Santo: “A caridade de Deus é derramada em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado” [— versículo que também é o intróito da Missa: Cáritas Dei diffúsa est in córdibus nostris: per inhabitántem Spíritum eius in nobis]. O Evangelho ferial (Mt 20, 29-34) é a cura dos dois cegos, enquanto o da festa é a cura da sogra de Pedro, entre muitas outras pessoas (inclusive possessos).
Nas Missas da festa, a epístola de sexta-feira (At 2, 22-28) simplesmente continua o sermão de São Pedro no primeiro Pentecostes, cuja primeira parte foi lida na quarta-feira. Na de sábado (At 13, 44-52), Paulo e Barnabé pregam na sinagoga de Antioquia da Pisídia em dia de sábado, mas sua pregação é rejeitada, e então eles se voltam para os gentios, que, “ouvindo isto, alegraram-se e glorificavam a palavra do Senhor” — referência aos dons de línguas recebidos pelos Apóstolos, em Pentecostes, a fim de pregar a homens de todas as nações, e não só aos judeus.
Por fim, é preciso observar que nenhum dos antigos manuscritos de cânticos diz qualquer coisa sobre rezar-se as Missas das Têmporas de inverno fora da oitava de Pentecostes.
Tomados em conjunto, esses fatos me levam a crer que a separação entre os dias de Têmporas e a oitava de Pentecostes foi uma tradição minoritária que não durou o suficiente para desenvolver-se plenamente; e que sua fusão, tal como a temos no Missal de São Pio V, é a tradição original da época em que se instituiu a oitava de Pentecostes.
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