No dia 6 de agosto de 2020, a Congregação para a Doutrina da Fé publicou um Responsum a um questionamento sobre a validade dos batismos realizados com a “forma” plural (“Nós te batizamos em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” é inválida). Como a forma é inválida, a pessoa não está batizada e deve, portanto, receber o sacramento.

No dia 1.º de fevereiro de 2008, perguntou-se à mesma Congregação se era válido o uso da forma: “Eu te batizo em nome do Criador e do Redentor e do Santificador”. A Congregação disse que não, afirmando a invalidade do suposto batismo. 

No dia 5 de junho de 2001, perguntou-se à Congregação se o batismo dos mórmons era válido. A Congregação disse que não e afirmou que um mórmon convertido ao catolicismo deve ser batizado. Perguntas e respostas semelhantes apareceram em 1992 a respeito da “Nova Igreja” (também conhecida como swedenborgianismo) e, em 1991, da Comunidade Cristã de Rudolph Steiner.

Legalismo? Não. Teologia sólida. Eis a razão.

Os sacramentos não são mágica, rituais externos ou meras cerimônias. Lembremos que, em outras épocas, os católicos aprendiam que “os sacramentos conferem a graça que significam”, isto é, são a causa da graça, e não apenas sua ritualização.

Para ser válido, um sacramento precisa de três coisas: matéria adequada; forma adequada; e a reta intenção do celebrante [1].

“Matéria” e “forma” são cada vez mais incompreensíveis para um mundo que acha que a metafísica é uma espécie babosice mágica e que reduz a “realidade” a conceitos ou imagens virtuais clicáveis. Todo sacramento tem matéria — a parte física necessária — e forma — a “palavra” que expressa o que está sendo feito. 

O Batismo não pode ser ministrado com azeite ou lubrificante de carro. A Eucaristia não pode ser consagrada com bolacha e suco de uva. A Confirmação não pode ser ministrada com óleo de cozinha. Nenhum desses elementos corresponde à matéria necessária para o sacramento; portanto, não haveria sacramento. 

A forma deixa claro o que é feito com a matéria. Não é mágica, mas algo que dá sentido — forma — a algo que, do contrário, seria uma ação equívoca ou ambígua. Derramar água não significa, necessariamente, batizar: é apenas... derramar água, algo que posso fazer para lavar alguém, para me divertir na piscina, para encher um copo ou para afogar alguém. Derramar água sobre a cabeça de alguém não é Batismo se eu pronunciar uma canção de ninar. Sem a forma adequada não há sacramento.

Além disso, a celebração de um sacramento pressupõe que o ministro faça o que a Igreja faz [2]. Ele pode não acreditar (como no caso de alguém que batiza outra pessoa), mas sabe que é “isso o que a Igreja faz e quero fazer isso por essa pessoa”. (Lembremos, porém, que as intenções não constituem a realidade: dar um tapa na cara de alguém jamais será um “bem” porque “assim o desejo”.)

Ora, o que têm em comum todos esses casos ligados ao Batismo?

No caso dos mórmons e nos outros (diferentemente das principais denominações protestantes), não há fé no Deus trinitário. Para eles, Jesus é um profeta de tipo ariano — não é verdadeiramente Deus nem realmente homem, mas algo intermediário. Portanto, não batizam em nome da SS. Trindade, como ordenou Jesus, o que torna o rito inválido.

As duas decisões mais recentes da Congregação para a Doutrina da Fé surgiram em contextos católicos, em grande medida como resultado de uma teologia de baixo nível e por causa de sacerdotes ou diáconos que se julgaram autorizados a improvisar, em vez de ministrar os sacramentos. A ideia de falar “Criador, Redentor e Santificador” veio de “feministas” obcecadas com “linguagem não inclusiva” e que decidiram censurar a Trindade, reduzindo “o Pai, o Filho e o Espírito Santo” — três Pessoas por excelência — a funções. Num casamento, seria mais ou menos como trocar “eu, João, te recebo, Maria” por “eu, o motorista de ônibus, te recebo, padeira…”. (Aliás, isso tampouco está correto, porque a obra salvífica de Deus não é “terceirizada” na Trindade.)

São Francisco Xavier batizando. Afresco presente na Igreja de Gesú, em Roma.

O problema mais recente, “Nós te batizamos…”, vem de uma compreensão equivocada sobre o sacerdócio, a Igreja e os sacramentos. Seus proponentes querem realizar um nivelamento eclesiástico — nada do chamado “clericalismo” — e “acolher” o batizado na “comunidade”. Mas a quem se refere esse “nós” em cujo nome o sacerdote supostamente está batizando? 

A teologia católica ortodoxa reconhece que é Cristo quem age nos sacramentos: Cristo batiza, perdoa nossos pecados, consagra seu Corpo e Sangue. O sacerdote age como representante de Cristo, in persona Christi. Ora, se age “na pessoa de Cristo”, ele fala por Cristo, não por Cristo e por si mesmo (o que poderia ser uma explicação para aquele plural majestático). Ele não pode batizar. Como disse S. Paulo aos coríntios, sou um grande miserável se “pertenço a Cefas” ou se “Paulo me batizou” (1Cor 1, 13).

Portanto, o sacerdote age em nome de Cristo, não em seu próprio nome. Ele também não age em nome da comunidade, porque um sacerdote é sacerdote em razão de sua ordenação, e não de um “chamado da comunidade”. A segunda interpretação vem da teologia protestante (para ser mais específico, do Congregacionalismo); porém, a autoridade de um sacerdote para agir in persona Christi não tem nada a ver com um “empoderamento da comunidade”. O sacerdote tampouco batiza em nome da comunidade, porque você não é batizado nem “em nome da comunidade cristã de São Paulo em Não sei Onde”, nem em nome de S. Paulo. Portanto, essa ideia de falar em “comunidade”, embora possa parecer acolhedora e inexata para algumas pessoas, é um erro teológico, além de invalidar uma forma sacramental quando lhe é incorporada.

Ora, o Batismo é a porta para todos os sacramentos e sem ele não é possível receber os outros. O “batismo” ministrado invalidamente não é Batismo. Não é um sacramento, assim como não recebe a absolvição sacramental quem omite deliberadamente certos pecados graves, mesmo que o sacerdote pronuncie a fórmula da absolvição. Não estava presente algo que é essencial para o sacramento; portanto, ele não existiu.

Como o Batismo é a porta para todos os sacramentos, são vastas as suas implicações. Foi o que o Pe. Matthew Hood, da Arquidiocese de Detroit, descobriu.

O Pe. Hood foi “batizado” por um diácono que decidiu mudar a forma do Batismo. Como nasceu numa época em que se costumava filmar a ocasião, ficou claro para todos que o rito era inválido. Ele tinha de ser repetido… assim como todos os outros sacramentos recebidos por ele, que dependem do Batismo como “porta para os sacramentos”. Isso não se aplica à Confissão, porque o Batismo perdoa todos os pecados cometidos até então; mas, sim, à Confirmação e à Ordem. Isso quer dizer que eram inválidos também os “sacramentos” por ele ministrados [3].

Isso é legalismo? Não. Os sacramentos não são mágica. Pressupõem um ministro e, no caso da Eucaristia, da Confirmação, da Confissão e da Unção dos Enfermos, um sacerdote. Se isso não fosse verdade, qualquer pessoa poderia perdoar pecados, ungir ou consagrar a Eucaristia. (Algumas pessoas realmente acreditam nessas coisas, mas estamos seguindo a doutrina católica, e não fantasias de terceiros. Você realmente crê que o fulano que passa por você na rua pode perdoar seus pecados?)

A Igreja não poderia ser “pastoral” e fazer vista grossa? Seria “pastoral” dizer que alguém que não é um sacerdote pode agir como um? Há uma diferença entre ser e fazer. Ser ministro de um sacramento depende de quem eu sou, porque não sou eu quem age nos sacramentos, mas Cristo, em cuja pessoa ajo por força da ordenação. Isso me leva à pergunta central: eu realmente creio que um homem muda depois de ser ordenado, ou ele apenas passa por um ritual que lhe dá um “emprego” novo?

Aqueles que aprenderam algo de teologia podem invocar o conceito de Ecclesia supplet: “a Igreja supre”. Ele não se aplica a esse caso. O Ecclesia supplet significa que Igreja supre a falta de jurisdição. De acordo com as leis da Igreja, algumas ações sacerdotais precisam não somente da ordenação, mas também de jurisdição. Outrora, os sacerdotes tinham de ser autorizados pelo bispo local para ouvir confissões em uma diocese. O direito canônico reconhece certos sacerdotes como ministros habituais de um casamento; mas quando o casal deseja que o matrimônio seja celebrado por outro sacerdote, ele precisa de autorização. A noção de Ecclesia supplet se refere à jurisdição legal.

Porém, não é uma questão legal o fato de um homem ser ou não ser um sacerdote, isto é, o fato de o sacramento ter sido válido ou não. Sou um sacerdote (ou não sou) porque sou (ou não sou) um sacerdote, não porque recebi “licença” para ser sacerdote. Não é uma questão de autoridade, mas de identidade.

Assim, como nos mostra a história, há consequências reais quando os celebrantes têm a arrogância de agir de forma irresponsável em relação à integridade dos sacramentos, a fim de apresentar seus argumentos polêmicos ou “teológicos”. Os fiéis têm direito ao culto da Igreja tal como foi definido por ela, e não segundo o que ousam fazer, “lindamente”, os padres Fulano e Sicrano. Isso, sim, é clericalismo: “eu tenho o direito de reescrever a liturgia”, além de orgulho: “porque eu sei mais do que a Igreja”. 

Espero que esta seja uma lição sobre o respeito aos sacramentos. Pelo bem dos fiéis.

Notas

  1. Os sacramentos se constituem essencialmente de dois elementos, a saber: de matéria e forma, mas sua administração válida depende também de certas disposições mínimas do ministro apto em cada caso. É o que se deduz do decreto pro Armenis, de Eugênio VI, que ensina: “Todos estes sacramentos se perfazem com três <elementos>, a saber: a) com coisas como matéria; b) por palavras como forma; c) e pela pessoa do ministro, que confere o sacramento com a intenção de fazer o que faz a Igreja” (Bula “Exsultate Deo”, de 22 nov. 1439; cf. DH 1312). Na falta de qualquer um desses elementos — conclui o Pontífice —, não se perfaz o sacramento (Nota da Equipe CNP).
  2. A intenção do ministro de fazer ao menos o que faz a Igreja, mesmo que nisto não creia com fé sobrenatural, é um requisito para a válida confecção do sacramento. Por isso, não realiza o sacramento o ministro que, embora utilize o rito externo e a forma prescritos pela Igreja, diz interiormente: “Não tenho a intenção de fazer o que faz a Igreja”, já que isto constituiria uma ficção ou simulação sacrílega. No entanto, presume-se válido de iure, até que se prove o contrário, o sacramento administrado segundo o rito e a forma prescritos pela Igreja (Nota da Equipe CNP).
  3. Salvo, é claro, os sacramentos cuja administração válida não depende do poder de Ordem, como é o caso do Batismo, por exemplo, que pode ser conferido, por razões graves de urgente necessidade, até mesmo por um fiel leigo (Nota da Equipe CNP).

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