Se você estiver preso em casa morrendo num hospital por causa do coronavírus, poderá telefonar a um sacerdote para receber o perdão sacramental? 0-800-CON-FES-SAR? Ou poderá receber o sacramento da Penitência via Zoom ou Skype?

Não. Não dará certo.

Muitos têm abordado o tema da perspectiva do direito canônico, isto é, o que a lei canônica permite ou proíbe (ou deveria permitir). Porém, também deveríamos abordar o assunto do ponto de vista da teologia sacramental, na qual o direito canônico deve se basear. Embora a crise da COVID-19 nos pareça inédita, questões relativas aos sacramentos não o são. A prática penitencial da Igreja já passou por desafios semelhantes (na verdade, piores). O Magistério e os teólogos já estudaram as possibilidades relativas a tais meios, como a confissão por telefone ou internet, e já as rejeitaram — por boas razões teológicas.   

Como afirma o Catecismo da Igreja Católica: “Os sacramentos são sinais eficazes da graça”. Como sinais, os sacramentos possuem uma dimensão física. São orientados por princípios e fins espirituais, mas são também ritos que possuem palavras, gestos e elementos visíveis. Foi assim que Cristo os instituiu, é assim que a Igreja deve celebrá-los. 

O sacramento da Penitência pode ser descrito como um “diálogo” — em relação ao seu significado e efeitos. O objetivo do sacramento é perdoar o pecado grave cometido após o Batismo, para que seja restaurado nosso diálogo amigável e familiar com Deus e com a Igreja. Esse diálogo é, em si mesmo, suscitado por outro diálogo. A cerimônia do sacramento da Penitência envolve basicamente uma discussão entre duas pessoas. O penitente reconhece perante o sacerdote seu arrependimento pelos pecados individuais cometidos, promete realizar uma obra satisfatória e pede perdão. O sacerdote determina a obra satisfatória e absolve o penitente, aperfeiçoando-o na vida da graça. Aqui o sacerdote age in persona Christi.

Ao contrário da maioria dos outros sacramentos, não é necessário um objeto físico inanimado. Algumas interpretações medievais da Penitência atribuíam a ação sacramental exclusivamente ao confessor ou ao penitente. Santo Tomás de Aquino esclareceu que as duas pessoas têm uma função sacramental essencial. O Concílio de Trento confirmou essa interpretação. Poderíamos chamar o sacramento de “concelebração” entre penitente e sacerdote. O rito sacramental possui quatro atos específicos: a contrição do penitente, a confissão, a satisfação e a absolvição. Não se trata de um monólogo, mas de um diálogo. 

A conversação salvífica não pode ocorrer por meios eletrônicos porque o sacramento da Penitência requer a presença física conjunta e a ação ao vivo e interpessoal entre o penitente e o confessor. Devem existir condições para uma conversa plena, natural e humana.

No início do século XVII, o Magistério ensinou que um penitente não pode “confessar pecados sacramentalmente, por carta ou mensageiro, a um confessor ausente” ou “receber a absolvição desse mesmo confessor ausente” (DH 1994; ver também 1995). O problema não estava na confissão por escrito [1], pois Santo Tomás e outros teólogos aceitaram abertamente esse tipo de confissão. O problema também não era a confissão com a ajuda de outra pessoa, pois em alguns casos é admissível a presença de um intérprete, por exemplo. O problema estava na presença e ação simultâneas, de modo que a confissão e a absolvição fizessem parte de um único diálogo físico e cooperativo.    

A sincronização é essencial. Dados os possíveis altos e baixos da vida moral, o penitente precisa ser capaz de manifestar o arrependimento atual em relação a ações passadas, agora rejeitadas. E o sacerdote deve dar a absolvição no presente. Às vezes essa exigência é descrita como “presença moral”. Mas essa atenção interpessoal requer uma proximidade física.

Ao longo dos séculos, os teólogos detalharam as condições necessárias para um diálogo ao vivo e verdadeiro que fosse adequado ao sacramento da Penitência. Em geral, ensinaram que o penitente e o confessor poderiam estar separados por uma distância de até 15 metros — mais ou menos o comprimento de uma sala ampla. Teoricamente, é possível (mas incerto) celebrar o sacramento a uma distância maior que essa. Se um penitente estiver a 150 metros de distância do confessor, por exemplo, haverá um verdadeiro encontro humano, uma verdadeira conversação com o sacerdote que permita falar sobre as matérias do pecado (privadas e constrangedoras)?  

É improvável. Com um megafone acústico que possa transportar a voz humana por meio de ondas sonoras produzidas naturalmente talvez pudesse haver um verdadeiro diálogo. Mas, neste caso, a dimensão física da estrutura sacramental poderia ser levada além de seus limites. O sacramento exige uma presença e um diálogo verdadeiramente humanos, o que exige uma dimensão humana natural.

O uso exclusivo de dispositivos eletrônicos para a celebração do sacramento da Penitência a grandes distâncias foi amplamente condenado, ao longo de mais de cem anos, tanto por especialistas em teologia sacramental e moral como por canonistas. A razão é que tais recursos violam os princípios da presença física e da ação conjunta. Quando ondas sonoras são produzidas por um alto-falante elétrico — mesmo um pequeno, como um telefone — há uma separação entre o produto elétrico e o agente humano. O alto-falante não é parte do corpo humano, como o são as cordas vocais ou as mãos. Ele é uma ferramenta artificial de comunicação. Não é fundamentalmente distinto de outras formas de comunicação que funcionam através de longas distâncias, como sinalizadores de fumaça, cartas e telégrafos. Um alto-falante é apenas mais rápido e mais preciso. O fato de ser possível gravar e reproduzir perfeitamente os sons do alto-falante prova que ele não é humano.  

Se a confissão de um penitente usa apenas meios artificiais sem qualquer sinal natural que manifeste a contrição ao confessor, ou se a absolvição do sacerdote se dá por instrumentos puramente artificiais, certamente não há a corporeidade e a atualidade necessárias para que haja o sinal sacramental. Isso não exclui, por exemplo, a amplificação de um aparelho auditivo (que auxilia, mas não substitui a comunicação natural). Isso significa apenas que devem existir condições para uma conversação física e que os órgãos e sentidos naturais devem estar presentes no sinal sacramental. 

A confissão por meios eletrônicos também ameaçaria o direito dos penitentes — protegido pelo sigilo sacramental — a confessar-se com privacidade. A Agência Nacional de Segurança mostrou que pode gravar — e muitas vezes o faz — todas as conversas telefônicas num país. O governo e determinadas empresas muitas vezes têm acessos backdoor a transmissões seguras (assim são chamadas) como as que são feitas via Skype. Será que o sacramento da Penitência deveria ser administrado em tais circunstâncias? É verdade que os penitentes podem renunciar ao direito à confissão privada (por exemplo, num quarto de hospital cheio). Mas é imprudente pensar numa forma eletrônica de confissão quando se sabe que outros estão escutando.

Mesmo em caso de absolvição geral — a absolvição de muitas pessoas ao mesmo tempo, sem confissão integral prévia por causa de uma excepcional falta de tempo — o rito da Igreja diz que os “penitentes que desejem receber a absolvição [...] devem indicá-lo com algum tipo de sinal”, ajoelhando-se ou curvando a cabeça e dizendo um ato de contrição. Como ensinou o Concílio de Trento: “Se alguém [...] disser que a confissão do penitente não é necessária para que o sacerdote possa absolvê-lo, seja anátema” (DH 1709). 

É inegável que a estrutura dos sacramentos limita sua aplicabilidade. Esse é o escândalo da particularidade sacramental, semelhante à particularidade da Encarnação: Deus considerou apropriado oferecer meios específicos de salvação a pessoas específicas em locais e momentos específicos. E as outras pessoas? Elas têm outros — ainda que inferiores, talvez — meios de salvação. De fato, Deus “deseja que todos os homens sejam salvos” (1Tm 2, 4).

O argumento contra a confissão eletrônica pode parecer negativo, mas é justamente o contrário. Os requisitos para a Penitência respeitam e preservam a dimensão pessoal e social da salvação, o sacramento e os que o realizam. A culpa da pessoa pelo passado e sua contrição no presente são ressaltadas quando ela pode dizer ao ministro de Deus e da Igreja: “Perdoa-me, padre, pois eu pequei [...]. Estou sinceramente arrependido de ter cometido esses pecados”. O mesmo personalismo se aplica quando o sacerdote, instrumento de Cristo, responde: “Eu te perdoo.”

De fato, a crise da COVID-19 nos faz lembrar de nossa existência como pessoas e das condições para a comunhão cristã. Homens e mulheres em quarentena estão sozinhos, apesar dos meios eletrônicos de comunicação, e estão rompendo as determinações de confinamento para se encontrar com familiares e amigos e passar tempo com eles. A comunicação eletrônica não é suficiente. E há um motivo para os que estão assistindo à Missa pela TV saberem que isso não equivale a estar fisicamente na Missa. Por isso anseiam voltar à igreja. A Eucaristia na tela da TV não é a Presença Real.

Nós, seres humanos, somos físicos. A salvação e a comunhão cristãs também o são. O sacramento da Penitência protege e auxilia nossa personalidade encarnada.

Notas

  1. Admite-se, “com causa justa e razoável (v.gr., dificuldade de falar, grandíssima vergonha etc.) que se entregue ao confessor a confissão por escrito e que, uma vez lida esta pelo sacerdote, o penitente presente diante dele diga: ‘Acuso-me de todos os pecados que o senhor acaba de ler neste escrito’. Só então pode receber a absolvição sacramental” (Antonio R. Marín, Teología moral para seglares, vol. 2, p. 303, n. 193).

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