A base curricular recentemente publicada pelo Ministério da Educação leva o sugestivo nome de "Base Nacional Comum Curricular" e abrange tudo, do ensino infantil ao médio. Realmente, é à União que a Constituição concede a competência de legislar sobre "diretrizes e bases da educação nacional" (art. 22, XXIV), mas está escrito na mesma Carta que "os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil" e que "os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio" (art. 210, § 1.º e 2.º).
O raciocínio por trás dessas normas é bem simples e constitui um importante princípio da filosofia social, chamado de subsidiariedade: nem o Estado nem qualquer sociedade mais abrangente devem substituir a iniciativa e a responsabilidade das pessoas e dos corpos intermediários [1]. É injusto "passar para uma sociedade maior e mais elevada o que sociedades menores e inferiores podiam conseguir" por si mesmas [2].
Contudo, o novo projeto do governo federal parece ir na contramão desse princípio. Ao propor uma base curricular uniforme para todo o país, o Ministério da Educação fortalece a União para limitar a autonomia dos demais entes federativos, bem como da própria família. A educação das crianças e adolescentes passa a concentrar-se quase que integralmente nas mãos do Estado.
O atentado da BNCC à subsidiariedade, no entanto, é duplo: não só desrespeita a independência das famílias e das pequenas associações, como impõe a elas uma ideologia espúria e contrária à vontade de maioria absoluta da população brasileira. Trata-se de um monstro de várias cabeças, dentre as quais se sobressai, imponente, o marxismo cultural da Escola de Frankfurt, com a sua "teoria crítica". Juntamente com ele, vão o pragmatismo de John Dewey, o desconstrucionismo de Jacques Derrida, bem como a "pedagogia do oprimido" de Paulo Freire — tudo pronto para ser despejado dentro das salas de aula. O Estado deixa de ser um ente subsidiário para ditar, tintim por tintim, a cartilha de nossos filhos.
Os absurdos contidos no texto da nova base curricular não se limitam à já batida área das ciências sociais. Os ideólogos são inovadores e querem revolucionar também as outras matérias de estudo, como a Matemática, por exemplo. "Por meio de conhecimentos iniciais da Probabilidade e da Estatística — diz o texto da base curricular —, os estudantes começam a compreender a incerteza como objeto de estudo da Matemática e o seu papel na compreensão de questões sociais, por exemplo, em que nem sempre a resposta é única e conclusiva" [3].
Nas ciências da natureza como um todo, a BNCC diz que é preciso desafiar e motivar "crianças, jovens e adultos para o questionamento" [4], tendo como objetivos "apropriar-se da cultura científica como permanente convite à dúvida", "compreender a ciência como um empreendimento humano, construído histórica e socialmente" e "desenvolver senso crítico e autonomia intelectual no enfrentamento de problemas e na busca de soluções, visando a transformações sociais e à construção da cidadania" [5].
Na História, a doutrinação começa desde muito cedo. Dois dos "objetivos de aprendizagem" do 1.º ano do Ensino Fundamental (!), por exemplo, são "compreender que as normas de convivência existentes nas relações familiares são construídas e reconstruídas temporal e espacialmente" e "identificar as relações de trabalho presentes nas diferentes organizações familiares" [6]. Trocando em miúdos, as crianças serão ensinadas, desde cedo, que as suas famílias não passam de "construção cultural" e "opressão do patriarcado".
No Ensino Religioso, além de um relativismo religioso que salta aos olhos, as crianças serão ensinadas a "perceber que os textos sagrados orais ou escritos podem justificar práticas de solidariedade, justiça e paz, podendo também fundamentar ações que afrontam os direitos humanos e da Terra" [7]. Quais afrontas são essas, não se sabe, mas, dada a direção ideológica com que foi produzido o documento, não é difícil supor quais sejam.
O resumo da ópera pode ser condensado no lema "Pátria Educadora", com o qual o governo brasileiro resumiu o seu projeto político para os próximos anos. Se a expressão já assumia, na própria formulação, os contornos de um pensamento totalitário, agora o slogan ganha uma conotação totalmente nova: não só os seus contornos são autoritários, mas também o seu preenchimento — todo ele ardilosamente arquitetado para manipular e doutrinar ideologicamente uma nação inteira.
Quem tem ouvidos para ouvir, ouça; quem tem olhos para ver, veja. As provas do que se diz estão todas na Base Nacional Comum Curricular, do Ministério da Educação — e não são bons presságios.
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