São Tiago, apelidado o Maior por ter sido chamado ao Apostolado antes do outro Apóstolo de mesmo nome, nasceu na Galileia. Era filho de Zebedeu e de Maria Salomé, e irmão do santo Apóstolo João Evangelista. Um dia, quando estava sentado com o pai e o irmão num barco, remendando as redes, Cristo passou e disse a ele e ao irmão apenas estas poucas palavras: “Segui-me!” Obedecendo imediatamente, Tiago e João deixaram a barca e o pai e seguiram-no, permanecendo-lhe fiéis até a sua amarga Paixão

Santo Epifânio testemunha que São Tiago viveu sempre como celibatário, e sabe-se pelo Evangelho que foi um dos discípulos mais íntimos do Salvador, pois em várias ocasiões, quando nenhum outro Apóstolo fora admitido, Tiago estava presente com Pedro e João — por exemplo: quando Cristo ressuscitou a filha de Jairo; durante a sua transfiguração no Monte Tabor; e quando, distante dos outros, fez as suas santas orações no jardim do Getsêmani, suando sangue em sua agonia. 

“Cristo chamando os Apóstolos Tiago e João”, por Edward Armitage.

São Marcos conta que Cristo chamava Tiago e seu irmão de “Boanerges”, ou filhos do trovão (cf. 3, 17), por causa da força de seu zelo, pois anunciavam o Evangelho com tanta convicção, que suas vozes penetravam no coração dos homens como o estrondo de um trovão, e os levavam a reconhecer e acolher a verdade. 

São Lucas nos diz que, certa vez, quando os samaritanos não permitiram que Cristo entrasse em sua cidade, Tiago e João ficaram tão indignados com o insulto feito ao seu amado Mestre, que lhe disseram: “Senhor, queres tu que digamos que desça fogo do céu, que os consuma?” Mas Cristo, repreendendo-os, disse: “Vós não sabeis de que espírito sois. O Filho do homem não veio para perder as vidas dos homens, mas para as salvar” (Lc 9, 54-56). Com essas palavras, quis ensinar-lhes que o espírito do cristianismo e do Evangelho não era de vingança, mas de amor e de doçura, mais voltado para a salvação dos homens do que para o seu castigo

No Evangelho de São Mateus, lemos que a mãe de Tiago e de João tinha ido ter com Cristo, pedindo-lhe que, em seu reino, colocasse um dos seus filhos à sua direita e o outro à sua esquerda. O Salvador repreendeu os dois Apóstolos por causa de sua ambição, dizendo: “Não sabeis o que pedis.” Depois disto, perguntou-lhes: “Podeis vós beber o cálice que eu hei de beber?” E eles responderam resolutamente: “Sim, podemos” (Mt 20, 22). Confirmaram estas palavras com seus atos, pois sofreram muito por causa de Cristo, como vemos em suas vidas. 

Logo após a Ascensão do Senhor e a vinda do Espírito Santo, São Tiago pregou em Jerusalém, na Samaria e em toda a Judeia. Depois disso, foi para a Espanha e fez o mesmo com um zelo inabalável. Não sabemos quanto tempo permaneceu lá e como conseguiu difundir a fé cristã. Em Saragoça encontra-se uma igreja que, segundo a tradição, foi construída por este santo Apóstolo; e dizem que foi esta a causa de sua edificação:

São Tiago e seus discípulos prestam culto a Nossa Senhora do Pilar. Pintura de Francisco Goya.

Certa noite, o santo deixou a cidade com seus discípulos e foi para as margens do rio Ebro, a fim de rezar sem ser importunado. De repente, a Santíssima Virgem, que naquela época ainda estava na terra, apareceu-lhe cercada por muitos anjos. Tiago a reconheceu imediatamente e, prostrando-se de joelhos diante dela, honrou-a como a Mãe do seu Redentor. Ela disse-lhe: “Edificarás neste lugar uma igreja em minha homenagem, porque sei que os habitantes de Saragoça terão uma devoção especial por mim, e por isso os protegerei daqui em diante.” Tiago obedeceu às palavras dela e ergueu uma igreja que, embora pequena no início, foi depois ampliada e reconstruída com a forma atual. Esta igreja é ainda hoje chamada “Igreja do Pilar de Santa Maria”, porque a Virgem Santíssima apareceu ao Apóstolo sobre um pilar que ainda se conserva

Passados alguns anos, São Tiago regressou a Jerusalém com vários discípulos. Destes últimos, sete tornaram-se bispos com o passar do tempo e foram enviados para a Espanha a fim de converter os habitantes daquela nobre terra. Ele mesmo trabalhou com grande zelo, tanto em Jerusalém como nos países vizinhos, para a conversão dos judeus. Muitos foram por ele levados à fé cristã, enquanto outros se enfureceram tanto com ele que decidiram matá-lo. 

Para o conseguirem com maior facilidade, tomaram como ajudantes dois feiticeiros, Hermógenes e Fileto, pedindo-lhes que travassem com São Tiago um debate público sobre religião e o humilhassem perante o povo. Se, no entanto, não o conseguissem, deveriam enviar alguns espíritos malignos para atormentá-lo. Fileto foi o primeiro a começar o debate, mas foi de tal modo convencido de seu erro pelo Apóstolo, que lhe pediu perdão de joelhos e se converteu à fé cristã. Enfurecido com este fato, Hermógenes conjurou os demônios com sua magia e ordenou-lhes que trouxessem o Apóstolo e Fileto acorrentados. No entanto, os espíritos malignos, por ordem do Onipotente, capturaram Hermógenes e arrastaram-no até São Tiago, apesar de todas as suas blasfêmias. Naquele momento, Fileto estava presente. Em nome de Jesus Cristo, o Apóstolo pediu-lhe que rompesse as correntes do seu antigo mestre, e assim foi feito. Espantado com o feito, Hermógenes queimou todos os seus livros de magia e abraçou a fé cristã.                  

Quando os inimigos do Apóstolo perceberam que seu plano não fora bem-sucedido, consultaram dois centuriões romanos, Lísias e Teócrates, a quem subornaram com a promessa de uma grande quantia de dinheiro. Durante uma pregação do Apóstolo, quiseram provocar um tumulto no meio do povo, e os dois oficiais, fingindo que tinham ido acalmar o povo, deveriam prender o santo e levá-lo ao rei Herodes. Tudo foi feito como planejado. São Tiago pregava com seu zelo habitual e provava claramente aos judeus reunidos que Jesus Cristo, morto na Cruz por eles de forma tão ignominiosa, era o Messias prometido há tanto tempo pelo Todo-Poderoso. Segundo o acordo, os inimigos do Apóstolo, não querendo ouvir por mais tempo seus convincentes argumentos, agitaram o povo, e um deles, um escriba chamado Josias, atirou uma corda ao pescoço de São Tiago, quando os dois centuriões se apressaram, prenderam-no e levaram-no a Herodes. Acusaram-no de ter instigado o povo a revoltar-se, o que foi suficiente para Herodes decidir matá-lo no intuito de agradar os judeus.

“O Martírio de São Tiago”, por Francisco de Zurbarán.

Nada mais agradável podia acontecer ao Apóstolo do que dar a vida por amor a Cristo, e a alegria que sentia no coração era visível em seu semblante. Repetiu publicamente a confissão da sua fé e mais uma vez anunciou que Cristo era o verdadeiro Messias e Salvador do mundo. Quando foi condenado a ser decapitado, declarou-se pronto, não só para essa forma de morte, como para qualquer outra, por mais dolorosa que fosse. O mesmo Josias mencionado acima, profundamente tocado pela coragem do santo, não só se arrependeu de tê-lo prendido, mas também confessou abertamente a fé em Cristo e, atirando-se aos pés do Apóstolo, quando este foi levado para ser executado, humildemente implorou-lhe que o perdoasse. Abraçando-o com ternura, o santo disse-lhe: “A paz esteja contigo!” Os judeus, ainda mais indignados com este fato, insistiram tanto junto a Herodes, que este acabou por mandar decapitar Josias. 

A caminho do local da execução, São Tiago encontrou um homem paralítico e restituiu-lhe imediatamente a saúde em nome de Jesus Cristo. Quando chegou ao local, deu graças a Deus por lhe ter concedido a graça de morrer pela fé em Cristo e recebeu alegremente o golpe fatal, terminando sua vida pouco antes da Páscoa. Foi o primeiro de todos os Apóstolos a dar o sangue por Cristo, e somente a sua morte é mencionada na Sagrada Escritura (cf. At 12, 2). O corpo dele foi enterrado pelos cristãos com a devida solenidade, mas depois foi transportado por seus discípulos a Compostela, onde é honrado por todo o mundo cristão. A Espanha o considera e estima como seu poderoso protetor. Sabe-se, por fontes autênticas, que ele apareceu várias vezes à frente do exército espanhol, o qual, liderado por ele, obteve gloriosas vitórias contra os bárbaros.            

* * *

Hoje, o Martirológio Romano também homenageia São Cristóvão, que recebeu a coroa do martírio em meados do século III. Ele nasceu e foi educado na idolatria, mas logo que abraçou o cristianismo esforçou-se zelosamente por converter outros à verdadeira fé e trabalhou especialmente com esse propósito no distrito da Lícia. Quando, por esse motivo, foi acusado perante os juízes pagãos, confessou destemidamente a Cristo. Feito ele prisioneiro, enviaram-lhe duas mulheres pagãs perversas, que, tentando-o a praticar más ações, pretendiam abrir-lhe o caminho para abandonar o cristianismo. Mas as exortações do santo não só as induziram a mudar de conduta, como também as converteram à fé cristã. Isso enfureceu tanto o juiz, que ele ordenou que o santo fosse torturado com muita crueldade. Contudo, vendo que Cristóvão se mantinha firme perante todos os tipos de martírio e que convertia grande número de pagãos com seu exemplo, o tirano ordenou que fosse decapitado.

Escultura de São Cristóvão, por Juan Martínez Montañés.

Geralmente, esse santo é representado com uma enorme estatura, tendo na mão um bastão em forma de broto e carregando Cristo na forma de uma adorável criança, através de um rio. Isto se deve ao fato de São Cristóvão ter sido muito alto e de, um dia, enquanto expunha a verdade do Evangelho aos pagãos, ter fincado uma vara seca no chão, a qual, para confirmar a veracidade de seus ensinamentos, imediatamente começou a brotar. 

Conta-se também que seu desejo de ajudar o próximo o levou a morar por algum tempo à beira de um rio para levar os viajantes até a margem oposta, pois não havia ponte. Enquanto praticava estas obras de caridade, o próprio Cristo apareceu-lhe um dia, sob a forma de uma criança adorável, que desejava ser levada pelo rio. O santo colocou-o nos ombros e levou-o até a outra margem, onde o Salvador, dando-se a conhecer, encheu o coração de seu fiel servo com uma alegria inexprimível.

Nos últimos séculos, houve quem, desejando impiedosamente manchar a glória dos santos, ousasse afirmar que São Cristóvão nunca existiu. Vários homens eruditos, no entanto, com seus argumentos convincentes, silenciaram essa afirmação equivocada. É um fato estabelecido que esse santo mártir já era honrado por todo o mundo cristão mais de mil anos antes de Lutero. Vários conventos e igrejas foram fundados para honrá-lo [i].

Considerações práticas

I. Quando Tiago foi chamado por Cristo para segui-lo, não hesitou em deixar sua casa e todas as outras coisas e acompanhou o Salvador. Se não o tivesse feito, ou se tivesse demorado a fazê-lo, será que teria recebido um segundo chamado? Ou, ao contrário, não teria sido condenado à perdição eterna?

“São Tiago, o Apóstolo”, por Peter Paul Rubens.

Deus chama você há muito tempo para que o siga, faça penitência, corrija sua vida, manifeste mais fervor em seu serviço, evite todas as ocasiões de praticar o mal, rompa com todas as amizades pecaminosas, confesse suas más ações, restitua o que não tem direito de possuir, repare a reputação de seu próximo, que você feriu com suas calúnias, etc. Ele o chama por uma voz interior, por meio de seu confessor ou de sermões. Por que, então, você não o segue? Qual a razão de sua demora, dia após dia? 

Tome cuidado para que a ameaça de Deus não se concretize em você: “Visto que eu vos chamei, e vós não quisestes ouvir-me, visto que estendi a minha mão, e não houve quem olhasse para mim, visto que desprezastes todos os meus conselhos, e não fizestes caso das minhas repreensões, também eu me rirei da vossa ruína” (Pr 1, 24-26). Se não quiser se tornar um exemplo desta terrível ameaça, tome hoje a decisão de seguir o chamado de seu Deus e de agir em conformidade com as exortações dele. Não demore mais, senão Ele poderá deixar de convidá-lo, e você irá para a perdição eterna.

II. O tirano pagão procurou incitar São Cristóvão a cair no vício da impureza, recorrendo a duas mulheres perversas, pois achava que esse seria o melhor meio de afastá-lo do cristianismo. Os mesmos meios foram tentados com outros fiéis por tiranos diferentes. Porém, Cristóvão, que desejava permanecer fiel à sua fé, não se deixou seduzir.

“São Cristóvão carregando o Menino Jesus”, por Jacob Jordaens.

Preste bastante atenção: A falta de castidade é o caminho que leva à perda da verdadeira fé e, portanto, ao Inferno. Quem se entrega a esse terrível vício, começa lentamente a duvidar de vários pontos da fé, até se persuadir de que o pecado que comete não é tão grande como se prega no púlpito, mas apenas uma fraqueza humana que Deus não pode e não quer punir com o Inferno. Quem raciocina assim já deixou de ser católico, pois não crê em tudo o que Deus nos ensina por meio de sua santa Igreja. A verdadeira fé do coração já está perdida, embora a pessoa ainda possa, aparentemente, pertencer à Igreja de Cristo. Com a perda da fé, perde-se o Céu, mas fica o Inferno. “Aquele que não crer será condenado”, diz Jesus Cristo (Jo 3, 18; Mc 16, 16.). 

Considere bem estas palavras e, se está livre desse vício, dê graças ao Todo-Poderoso e, seguindo o exemplo de Cristóvão, não deixe que nada o seduza. Mas se você for escravo dele, liberte-se disso, caso queira merecer verdadeiramente o nome de católico e escapar do fogo eterno. “Não há homem mais disposto a desprezar a Deus, mais audacioso nas ações criminosas, mais endurecido no pecado, mais inflexível em relação ao arrependimento e mais próximo do Inferno, do que aquele que leva uma vida impura”, diz São Tomás de Vilanova.

Referências

  • Extraído e traduzido de Lives of the saints: compiled from authentic sources with a practical instruction on the life of each saint, for every day in the year, v. 2. New York: P. O’Shea, 1876, pp. 105-109.

Notas

  1. Convém também salientar aqui que a Igreja Católica não aprova de modo algum a superstição praticada por algumas pessoas de mente débil, como, por exemplo, rezar a chamada Oração de São Cristóvão a fim de encontrar tesouros escondidos ou receber dinheiro do santo. Sabemos que, em nossa época, alguns adeptos dessa superstição foram punidos de forma terrível por um justo julgamento do Todo-Poderoso, com uma morte súbita. (N.A.)

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