Para minha grande alegria (cf. Sl 118, 162; Jr 15, 16), depois de trinta anos de apologética católica, encontrei na Bíblia novas intuições importantes sobre a Tradição apostólica. Às vezes, passam-nos despercebidas coisas que estavam bem na nossa frente o tempo todo. 

No que diz respeito à vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa reunião com Ele, rogamo-vos, irmãos, que não vos deixeis facilmente perturbar o espírito e alarmar-vos, nem por alguma pretensa revelação nem por palavra ou carta tidas como procedentes de nós e que vos afirmassem estar iminente o dia do Senhor. […] Não vos lembrais de que vos dizia estas coisas, quando estava ainda convosco? (2Ts 2, 1-2.5)

O que surpreende — especialmente no contexto — é a comparação casual que Paulo faz entre a autoridade e a confiabilidade do ensino oral e a autoridade e confiabilidade do ensino escrito. Ele afirma claramente a autoridade de sua carta (e, por consequência, de todas as suas cartas) em 2, 15 e também em 3, 14: “Se alguém não obedecer ao que ordenamos por esta carta, notai-o e, para que ele se envergonhe, deixai de ter familiaridade com ele” (cf. 1Ts 5, 27; Cl 4, 16). Mas ele também dá à sua palavra oral a mesma autoridade (em 2, 13; 2, 2.5; 1Ts cf. 2, 13; 2Tm 1, 13s; 2, 2). 

E enviar-vos Timóteo, nosso irmão e ministro de Deus no Evangelho de Cristo. Ele tem a missão de vos fortalecer e encorajar na vossa fé, a fim de que, em meio às presentes tribulações, ninguém se amedronte. Vós mesmos sabeis que esta é a nossa sorte. Estando ainda convosco, vos predizíamos que have­ríamos de padecer tribulações. É o que aconteceu e estais sabendo (1Ts 3, 2ss).

Trata-se de uma comparação fascinante entre ensino escrito e oral. O ensino (de que os cristãos deviam esperar aflições; sofrimentos) está escrito como parte da epístola. Mas observe-se que também foi proclamado oralmente com autoridade por Paulo (“predizíamos”) e também por Timóteo, para “fortalecer e encorajar”. Assim, em três versículos, Paulo fornece uma prova de proclamação “igual”, oral e escrita, do mesmo ensino. A conclusão lógica é que ele não vê diferença de autoridade, se um ensino vem por proclamação oral ou tradição, ou por escrito.

Em outras palavras, trata-se da compreensão católica da regra de fé, pela qual a Tradição (incluindo a tradição oral) e a escrita, no que deveria ser entendido (mais tarde) como Escritura, têm a mesma autoridade e natureza vinculativa. Os tessalonicenses estavam tão vinculados ao ensino quando Paulo lhes falou e Timóteo ainda mais os exortou, como quando receberam a carta de Paulo.

Por isso é que também nós não cessamos de dar graças a Deus, porque recebestes a Palavra de Deus, que de nós ouvistes, e a acolhestes, não como palavra de homens, mas como aquilo que realmente é, como Palavra de Deus, que age eficazmente em vós, os fiéis (1Ts 2, 13).

O que os tessalonicenses “ouviram” não foi apenas o verdadeiro Evangelho e os ensinamentos cristãos que o acompanhavam, mas, de fato, a própria “Palavra de Deus”. É difícil imaginar uma declaração mais forte da veracidade e confiabilidade da tradição oral.

O que de mim ouviste em presença de muitas testemunhas, confia-o a homens fiéis que, por sua vez, sejam capazes de instruir a ou­tros (2Tm 2, 2). 

Aqui, Timóteo recebe tradições orais e as transmite a outros (oralmente ou por escrito, mas não por escritos inspirados como as Escrituras), que, por sua vez, ensinam ainda mais pessoas. Conclusão: a tradição oral tem a mesma autoridade que a tradição escrita, ou escriturística. Do contrário, Paulo teria de restringir essas coisas, transmitidas por sua vez a outros, ao que estava apenas em suas epístolas. Mas ele nunca faz isso. Ele diz a Timóteo (nas Escrituras inspiradas) para “confiar” seu ensino oral a outros, a fim de que, por sua vez, o passem adiante. Ele se refere a suas epístolas de forma “não exclusiva”, isto é, que não exclui os ensinamentos orais que as acompanham. 

Também vós, depois de terdes ouvido a palavra da verdade, o Evangelho de vossa salvação... (Ef 1, 13; cf. 3, 2; 4, 21)
O que aprendestes, recebestes, ouvistes e observastes em mim, isto praticai, e o Deus da paz estará convosco (Fp 4, 9).
Inabaláveis na esperança do Evangelho que ouvistes… (Cl 1, 23; cf. 1, 5s)

Estes são muitos exemplos sobre o ouvir a tradição oral, ou Evangelho (que são essencialmente sinônimos no Novo Testamento, especialmente no uso de São Paulo). Os filipenses eram obrigados a “fazer” não apenas o que aprenderam com as cartas de Paulo, mas também o que o ouviram ensinar (cf. Fp 4, 9) ou proclamar (cf. 1Cor 2, 1.4.13) oralmente. A Tradição ou proclamação oral era “a palavra da verdade” (cf. Ef 1, 13; Cl 1, 5) e uma forma do “Evangelho” (cf. Ef 1, 13; Cl 1, 5.23).

“Os Doze Apóstolos”, de Enrico Reffo.

São Lucas (cf. At 15, 22s.27.32.35; 16, 4), em várias passagens relacionadas a Paulo, também mostra a mesma perspectiva: igualdade de autoridade, quer se ensine oralmente ou por meio de carta. Vemos isso na decisão do Concílio de Jerusalém, que decretou um ensino obrigatório para todas as igrejas (cf. At 16, 4). O ensino foi entregue por meio de carta escrita (cf. 15, 23; 30-31; cf. 16, 4). Mas observe-se que a decisão foi determinada por uma assembleia de Apóstolos e outros líderes na Igreja primitiva, e só então enviada para ser observada pela Igreja como um todo. 

O que é notável é como a proclamação verbal se iguala à própria letra: “Judas e Silas, que de viva voz vos exporão as mesmas coisas” (15, 27). Em seguida, faz-se referência a Judas e Silas exortando e fortalecendo “os irmãos” (15, 32), e Paulo e Barnabé “[…] ensinando e pregando com muitos outros a palavra do Senhor” (15, 35).

Não há o menor indício de que uma tradição oral ou proclamação verbal seja inferior a uma escrita. Todo o capítulo está totalmente de acordo com a compreensão católica da regra de fé: o tripé Bíblia–Tradição–Igreja.

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