São João Maria Vianney, cuja memória litúrgica celebra-se no dia 4 de agosto, costumava se referir ao sacerdócio como “o amor do coração de Jesus". Dizia o santo pároco: “um bom pastor, um pastor segundo o coração de Deus, é o maior tesouro que o bom Deus pode conceder a uma paróquia e um dos dons mais preciosos da misericórdia divina" [1]. Com essas palavras, o Cura d'Ars exprimia aos seus fiéis a importância da existência de sacerdotes para o mundo.

O ministério sacerdotal existe para realizar a mediação entre o Céu e a Terra. Trata-se de uma necessidade sobrenatural, dada a fragilidade do gênero humano, causada pelo pecado. A culpa original fez com que os homens se voltassem contra Deus, por medo de sua presença [2]. Ele, por sua vez, não os abandonou à própria sorte; ao contrário, alentou-os a esperar a salvação eterna, estabeleceu com eles uma aliança e escolheu homens dentre o povo de Israel para oferecer “dons e sacrifícios" pelos pecados. Esse modelo de sacerdócio ministerial duraria até à vinda do Sumo Pontífice, na Nova Aliança, que seria capaz de oferecer o seu sacrifício uma vez por todas, a saber: Jesus Cristo. A superioridade desse Sumo Sacerdote é manifestada nas palavras de São Paulo aos hebreus [3]:

“Tal é, com efeito, o pontífice que nos convinha: santo, inocente, imaculado (...) que não tem necessidade, como os outros sumos sacerdotes, de oferecer todos os dias sacrifícios, primeiro pelos pecados próprios, depois pelos do povo; pois isto o fez de uma só vez para sempre, oferecendo-se a si mesmo"

Na noite de sua paixão, Jesus instituiu a um só tempo os sacramentos da ordem e da Eucaristia; fez a oferta definitiva para a remissão dos pecados da humanidade. Daí procede a relação intrínseca entre sacerdócio e Santa Missa. O sacerdote da Nova Aliança é também vítima e altar. Ele não só oferece o sacrifício como também se entrega em holocausto pela salvação do rebanho. Assim, diferentemente do que ocorria na Antiga Aliança – na qual o sacerdote deveria oferecer sacrifícios todos os dias, “primeiro pelos pecados próprios, depois pelos do povo" –, Ele se oferece a si mesmo, como vítima de expiação, no altar da cruz. E somente um sacerdote “santo e imaculado", como descrevem as Sagradas Escrituras, pode fazer isso uma vez por todas.

Com efeito, o sacramento da ordem, que nasce diretamente da vontade de Cristo – “fazei isto em memória de mim" [4] – perpetua a ação salvífica de Jesus na história. Todo padre é um Outro Cristo. Na administração dos sacramentos, não é a pessoa do padre quem realiza a ação, mas é o próprio Jesus a operar o milagre da transubstanciação – em que o pão e o vinho se convertem em Corpo e Sangue – a perdoar os pecados, a conceder o viático aos enfermos etc. A Igreja ensina que o bispo ou o presbítero preside na pessoa de Cristo Cabeça ( in persona Christi capitis).

Isso explica o porquê de o sacerdócio sempre ter ocupado um lugar privilegiado no imaginário popular. O padre – seja pelas suas vestes, seja pela sua piedade – transmite ao mundo a misericórdia de Deus pelos seus filhos, sobretudo quando procura configurar-se cada dia mais à pessoa de seu Senhor. Dá testemunho disso uma centena de santos sacerdotes, que, ao longo de seu ministério, reconduziram muitos transviados de volta à religião cristã, por meio de suas práticas devocionais e atividades caritativas: São João Bosco, no apostolado com os jovens; Santo Afonso Maria de Ligório, na prática das virtudes morais e evangélicas; São Josemaria Escrivá, na santificação do trabalho; São Pio X, na condução da Igreja à Eucaristia. Desse último, aliás, colhemos estas pias palavras, que dizem muito sobre a importância do ministério sacerdotal: “para fazer reinar Jesus Cristo no mundo, nada é mais necessário do que um clero santo, que seja, com o exemplo, com a palavra e com a ciência, guia dos fiéis" [5].

Exige-se do sacerdote, portanto, uma maior dedicação à sua vocação, ainda mais nestes tempos em que a figura sacerdotal encontra-se tão atacada, seja por uma opinião pública tendenciosa e anticlerical, seja pelos próprios pecados de alguns padres. Se na ação litúrgica, a presença de Cristo é garantida ao sacerdote, de tal forma que mesmo o seu pecado não pode impedir os frutos da graça, “há muitos outros atos em que a conduta humana do ministro deixa traços que nem sempre são sinal de fidelidade ao Evangelho e que podem, por conseguinte, prejudicar a fecundidade apostólica da Igreja" [6]. Neste sentido, faz-se imperioso o apelo de Pio XII [7]:

O caráter sacramental da ordem chancela da parte de Deus num pacto eterno o seu amor de predileção, que exige em troca, da criatura escolhida, a santificação... O clérigo deve ser tido como um eleito entre o povo, cumulado dos dons sobrenaturais e participante do poder divino, numa palavra, um 'outro Cristo'... Já não pertence a si, nem aos parentes e amigos, nem mesmo à sua pátria. Deve consumi-lo um amor universal. Mais ainda, a caridade universal será o seu respiro, os seus pensamentos, a vontade, os sentimentos deixam de ser seus, para serem de Cristo, que é a sua vida.

Da santidade dos padres, depende a salvação das almas. Da santidade dos padres, depende o anúncio da misericórdia cristã. É neste sentido que o Cura d'Ars alertava: “deixai uma paróquia durante vinte anos sem padre, e lá adorar-se-ão as bestas" [8]. Este século é a maior prova disso.

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