A encarnação de Deus é um evento fundamental para o gênero humano. Depois da aliança com Noé e Abraão, depois da libertação do Egito, depois de todos os profetas terem anunciado a mensagem salvífica e a promessa de uma redenção definitiva, Aquele que é desde sempre e para sempre fez-Se um de nós para nos elevar, assim, à condição de filhos do Pai (cf. Jo 1, 12). São João explica o significado desse acontecimento singular com palavras belíssimas: "Nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ter-nos Ele amado, e enviado o seu Filho para expiar os nossos pecados" (1 Jo 4, 10). O homem pode agora amar porque recebeu o amor de quem o é por natureza, de quem Se desfez de sua dignidade real, assumindo um corpo de carne, para curar o coração humano, ferido pelo pecado. Essa é a alegria do Evangelho.

Jesus Cristo, "verdadeiro Deus e verdadeiro homem", redimiu a natureza humana em todas as suas dimensões. Por causa da culpa original, cujo salário é a morte, nenhum homem poderia mais alcançar a vida eterna (cf. Rm 6, 23). Os portões do Céu haviam se fechado e nada, senão o sacrifício do cordeiro de Deus (cf. Hb 7, 26), poderia abri-los novamente. Na cruz, Cristo humilhado entrega-Se em um verdadeiro holocausto — não simbólico, como eram os sacrifícios do Antigo Testamento —, pelo qual perdoa cada falta dos homens para conceder-lhes de novo a posse da vida eterna. Jesus padeceu uma dor fora das possibilidades de um homem qualquer, a fim de resgatar-nos das mãos do diabo.

É natural, portanto, que as pessoas pensem ser a morte de cruz a mais grave das humilhações de Cristo. Mas Ele não Se limitou ao sacrifício cruento do madeiro. Na noite anterior à sua morte, reuniu-Se com os apóstolos na celebração de sua derradeira páscoa. Os relatos bíblicos contam que, tomando o pão e o vinho, Jesus deu graças, elevou-os ao céu e disse: "Isto é o meu corpo, que é dado por vós; fazei isto em memória de mim […] Este cálice é a Nova Aliança em meu sangue, que é derramado por vós" ( Lc 22, 19-20).

Com a instituição da Santa Missa, isto é, da celebração eucarística, Jesus antecipou sua paixão; tornou-Se alimento para a nossa alma. É por isso que os santos são unânimes em dizer que, ao esconder-Se sob o véu do sacramento, no pão e no vinho, Jesus humilhou-Se ainda mais do que na encarnação, pois enquanto nesta, por um lado, Ele assumiu o corpo do homem, que é "imagem e semelhança de Deus" (Gn 1, 27), na Eucaristia, por outro, colocou-Se totalmente aos seus cuidados, na fragilidade das partículas eucarísticas. "Mais humilhação e mais aniquilamento na Hóstia Santíssima; mais que no estábulo, e que em Nazaré, e que na cruz. Por isso, como estou obrigado a amar a Missa!", assim resumia São Josemaria Escrivá [1].

O Santo Sacrifício da Missa é a mais perfeita das celebrações de culto a Deus. Tamanha é a reverência da Igreja à sua sacra liturgia, que ela não se preocupa em exagerar no louvor e no zelo. Pelo contrário, o Magistério convida-nos insistentemente a uma opção preferencial pela Eucaristia, pois dela extraímos as forças necessárias ao apostolado com nossos irmãos, mormente com aqueles que mais sofrem. É neste sentido que se deve compreender este discurso surpreendente de São Bernardo de Claraval: "Fica sabendo, ó cristão, que mais se merece participar devotamente de uma Santa Missa do que distribuir todas as riquezas aos pobres ou fazer peregrinações por toda a terra" [2]. É claro que São Bernardo — de cuja regra monástica podemos extrair um exímio exemplo de austeridade e atenção aos pobres — não desmerecia o trabalho social; mas, antes, fazia valer aquelas palavras sempre válidas de Nosso Senhor: "Nem só de pão vive o homem, mas [...] de tudo o que sai da boca do Senhor" (cf. Mt 4, 4; Lc 4, 4; Dt 8, 3).

O zelo do cristão pela Hóstia Santa justifica-se por aquilo que explicamos acima. Jesus Eucarístico é o pobre dos pobres, que Se submete aos nossos cuidados. Jesus Eucarístico é, outrossim, o remédio salutar para nossas imperfeições. Na oração do Pai Nosso, após a súplica para que se realize a vontade de Deus no Céu e na Terra, pedimos-Lhe que nos dê, hoje, o "pão nosso de cada dia". Esse pão, diferentemente do que se costuma pensar, não é o pão comum, o alimento material. Trata-se, na verdade, da divina Eucaristia, conforme esclarece Santa Teresa d'Ávila: "Está Ele a ensinar-nos a fixar a nossa vontade nas coisas do Céu, e a pedir a graça de começarmos a gozar dele aqui debaixo: e havia de meter-nos em coisas tão baixas como pedir de comer?" [3]. Santa Teresa demonstra que o "pão nosso de cada dia" é deveras o meio pelo qual o Pai tornou possível ao homem realizar a vontade d'Ele "assim na Terra como no Céu". De fato, a Eucaristia "é o remédio mais válido e radical contra as idolatrias de ontem e de hoje" [4].

Eis o porquê de Satanás fazer guerra à Santa Missa. Ele odeia todos os sacramentos, especialmente a Eucaristia e a confissão. Em nossos dias, assistimos com perplexidade a inúmeros insultos ao sacrifício eucarístico, às vezes mesmo dentro da Igreja. É seu plano diabólico levar os fiéis a comunhões sacrílegas, pois, desse modo, ele consegue tanto profanar a dignidade deste augusto sacramento como também ganhar almas para o inferno, através do pecado da indiferença. Notem o que diz São Paulo: "Todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será culpável do corpo e do sangue do Senhor" (1 Cor 11, 27). O apóstolo fala à comunidade de Corinto, onde parece estar ocorrendo graves profanações. "Essa é a razão por que entre vós há muitos adoentados e fracos, e muitos mortos", explica (1 Cor 11, 30). Deus permite que essas mazelas se perpetuem para arrependermo-nos e "não sermos condenados com o mundo" (1 Cor 11, 32).

Um dos sinais mais evidentes de que há ofensas à Eucaristia em uma comunidade é a divisão. Onde reina a fofoca, a luta por cargos, o desprezo mútuo e a indiferença, não pode haver verdadeiro culto a Deus. Esse lugar é a casa do diabo. Nada prospera porque estão como que amarrados pela idolatria. Aqueles que não conseguem desenvolver apostolado frutífero em um determinado local, examinem, portanto, de que maneira as pessoas deste mesmo local, dessa comunidade, paróquia etc., costumam tratar o Santíssimo Sacramento. Não há de assustar-se acaso descobrir profanações e, até, rituais de magia negra. Os sintomas de delitos como esses são exatamente os descritos anteriormente.

Nas aparições de Fátima, a Virgem Santíssima suplicou pela reparação às ofensas cometidas contra o seu Imaculado Coração e o Sagrado Coração de seu Filho. Com efeito, o anjo de Portugal fez o mesmo pedido, ensinando as três crianças a rezar aquela famosa oração: "Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-vos. Peço-vos perdão por aqueles que não creem, não adoram, não esperam e não vos amam". Ao longo da história, os santos pregaram a necessidade da chamada hora santa, um tempo de adoração ao Santíssimo, no intuito de consolar a Deus pelas ofensas cometidas contra seu santo nome. Temos, enfim, esta grande exortação de Santo Agostinho: "Ninguém come essa carne, sem antes a adorar; pecaríamos se não a adorássemos" [5].

A própria Liturgia, quando bem celebrada, segundo as normas estabelecidas pela Madre Igreja, é um excelente meio de reparação aos ataques contra a santidade de Nosso Senhor na Eucaristia. A sabedoria do Magistério estabeleceu essas diversas normas e sinais externos para auxiliar a natureza decaída do homem a contemplar mais facilmente a divindade de Cristo, seja pela maneira de se receber a comunhão, seja pela orientação dos atos litúrgicos. É o que explica esta nota do Concílio de Trento: "A natureza humana é tal que não pode ser facilmente elevada à meditação das coisas divinas, sem ajudas externas: por conta disso a Igreja, como uma mãe amorosa, estabeleceu certos ritos [...] para tornar mais evidente a majestade de um sacrifício tão grande" [6]. Essa reverência se completa ainda mais pela ação de graças que todo fiel deveria fazer por algum tempo após o término da celebração. São Charbel Makhluf não perdia a oportunidade de render louvores a Deus, antes e após a Missa, chegando a passar mais de três horas em atitude de adoração.

A Eucaristia é a fonte e o ápice da nossa vida cristã. Sobretudo neste tempo de neopaganismo, é nosso dever defendê-la de todos os ataques malignos, demonstrando, por meio de nossas atitudes, a sacralidade de sua natureza. Salvando a Eucaristia, a Eucaristia nos salvará.

Referências

  1. Cf. São Josemaría Escrivá, Caminho. Trad. port. de Alípio M. de Castro. 9.ª ed., São Paulo: Quadrante, p. 171, n. 533.
  2. Catilina Rivas. A Santa Missa: Testemunho de Catalina. Trad. port. Lívia Barbosa Burin. 1.ª ed., São Paulo: Secretariado de Nossa Senhora, Rainha da Paz, 2004, p. 9.
  3. Santa Teresa d'Ávila, Caminho de Perfeição. Trad. port. das Carmelitas Descalças do Convento de Santa Teresa do Rio de Janeiro. Petrópolis: Vozes, 2014, p. 200.
  4. Bento XVI, Homilia para Solenidade de Corpus Christi, de 22 mai. 2008.
  5. Santo Agostinho, Enarrationes in Psalmos 98, 9 (PL 37, 1264).
  6. DS 1746.

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