O último Anuário Pontifício, divulgado em agosto de 2023, apresentou um dado bem preocupante para a Igreja. De 2020 a 2022, houve uma queda de 0,39% no número de sacerdotes no mundo. A tendência se repete inclusive no Brasil, até pouco tempo considerado “o país mais católico do planeta”. A esse respeito, um sacerdote de Brasília chegou a declarar à imprensa: “Nós temos muito menos seminaristas hoje do que tínhamos há 30 anos. Isso significa que, em pouco tempo, nós teremos muito menos padres do que temos hoje”.
Se a Igreja vive da Eucaristia, e não há Eucaristia sem sacerdócio, isso é um problema. Aliás, é justamente a escassez de sacerdotes em várias regiões o argumento primordial dos que tentam justificar a ordenação dos chamados viri probati, ou seja, homens de caráter comprovado que, apesar de casados, poderiam ser ordenados sacerdotes. Na mesma linha, já se ventila em não poucos ambientes a petição para relativizar o celibato sacerdotal. No fim das contas, apresenta-se à Igreja um panorama tão complicado e, supostamente, irreversível, que ela não teria outra alternativa senão ceder às circunstâncias atuais.
Mas será mesmo isso? A Igreja estaria obrigada a simplesmente se conformar e ceder ao “espírito do tempo”?
Ora, não foi essa a conduta católica em nenhuma época. A Igreja sempre soube se reinventar e, por assim dizer, “renascer das cinzas” quando forças hostis tentaram engoli-la. Por isso, anos atrás, o ex-prefeito da então Congregação para o Clero, Cardeal Mauro Piacenza, dizia, numa entrevista, que as dificuldades enfrentadas pela Igreja não deveriam fazê-la “baixar e sim elevar o tom”. Segundo o prelado, “se a subida for árdua, devemos tomar vitaminas, devemos reforçar-nos e, fortemente motivados, sobe-se com muita alegria no coração”. Nos tempos difíceis, a Igreja sobreviveu justamente porque se conformou mais a Cristo que ao mundo.
A opinião do prelado, por mais que cause certo estranhamento, tem uma base bem concreta na realidade. Basta olhar para a Nigéria, que atualmente expressa isso com uma eloquência fabulosa. O país africano vive uma espécie de “explosão vocacional”, com quase 7 mil seminaristas para uma população católica de 23 milhões de pessoas. Enquanto isso, no Brasil, temos 8 mil seminaristas para 107 milhões de católicos (proporcionalmente, menos de ¼ em relação aos nigerianos) [i].
O que mais chama a atenção, porém, é a situação do cristianismo na Nigéria — simplesmente o país onde mais cristãos são mortos no mundo. Nem mesmo a soma de todos os outros países onde os seguidores de Cristo são assassinados, supera o massacre que acontece na região, ano após ano. Os últimos ataques noticiados aconteceram justamente nos dias de Natal, entre 23 e 26 de dezembro de 2023, quando centenas de cristãos foram martirizados por grupos terroristas no estado de Plateau. Nas estatísticas, a Nigéria lidera a lista de países mais hostis ao cristianismo, tendo registrado 82% dos assassinatos de cristãos em 2023.
O país sofre, além disso, com uma grande desigualdade social. Embora seja a maior economia da África, com representantes na lista de mais ricos do mundo, a nação chegou a declarar estado de emergência, em junho de 2023, por escassez de comida. Segundo estimativa da ONU, 25 milhões de nigerianos vivem em situação de insegurança alimentar. E, nesse cenário, criam-se condições para a atuação de grupos terroristas, que buscam controlar a sociedade e as fontes de recursos através da violência e da coação.
Em tese, todas essas calamidades deveriam fazer com que qualquer rapaz, em são juízo, não pensasse jamais em ser sacerdote. No entanto, a afirmação tão eloquente de Tertuliano permanece válida para os dias de hoje: “O sangue dos mártires é semente de novos cristãos”. A miséria e a provação de tantas pessoas são justamente o combustível e o motor de vocações, como, por exemplo, a do seminarista Alewa Richard Luka, da diocese de Pankshin. Em entrevista ao portal InfoCatólica, ele reconheceu: “Hoje, na Nigéria, morrem pessoas todos os dias [...]. A fome afetou a espiritualidade delas, a ponto de sentirem que rezar a Deus é uma perda de tempo”. Mas, justamente por isso, afirmou o jovem seminarista, “quero ajudar essas pessoas, quero ser alguém que as ajude e as reconduza à Igreja”.
A vocação desse jovem é surpreendente se forem levados em consideração os inúmeros e frequentes sequestros de seminaristas que acontecem na Nigéria. Em agosto de 2023, por exemplo, o Padre Paul Sanogo e o seminarista Melkiori Dominick Mahinini foram libertados depois de passar três semanas em cativeiro. Já o seminarista Na’aman Danlami, da diocese de Kafanchan, acabou morto em um incêndio na casa paroquial, provocado por terroristas islâmicos. “Os agressores tinham como objetivo sequestrar o pároco. Como não conseguiram entrar na casa do padre, eles a incendiaram. Os dois padres conseguiram escapar, mas, terrivelmente, o seminarista foi queimado vivo do lado de dentro”, contou Dom Kundi, bispo da região, ao grupo EWTN.
Ainda assim, o fervor vocacional entre os católicos nigerianos só tende a aumentar. Vale lembrar que é na Nigéria onde os católicos mais vão à Missa dominical. A Igreja africana, de modo geral, é conhecida por uma liturgia bela, tradicional e bem celebrada, razão pela qual os fiéis participam ativamente dos ritos, mergulhando no mistério da Eucaristia. Aliás, foi justamente um cardeal nigeriano, Dom Francis Arinze, que chefiou a antiga Congregação para o Culto Divino entre os pontificados de São João Paulo II e Bento XVI.
Considerando a íntima conexão entre Eucaristia e sacerdócio, o florescer de vocações na Nigéria é consequência de uma Igreja local que, apesar da perseguição, soube se ancorar na rocha firme da fé, no mistério eucarístico, em vez de procurar soluções na última novidade teológica.
Os tempos são outros, mas o Evangelho é o mesmo. Uma só fé, um só Batismo. E, se Cristo garantiu que as portas do Inferno jamais prevalecerão contra a sua Igreja, Ele não há de deixar faltar sacerdotes para a sua messe. Como recordou o Cardeal Mauro Piacenza naquela entrevista, “Deus segue chamando, mas é necessário poder escutar e, para escutar, é necessário não ter as orelhas tampadas, é necessário fazer silêncio, é necessário poder ver exemplos e sinais, é necessário olhar a Igreja como o Corpo, no qual ocorre sempre o acontecimento do Encontro com Cristo”. Sem dúvida, a Igreja nigeriana está fazendo isso muito melhor do que nós.
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