O 1.º Domingo do Advento (e do ano litúrgico) começa [no rito antigo] com a segunda Coleta “despertadora” consecutiva [1]:
Excita, quǽsumus, Dómine, poténtiam tuam, et veni: ut ab imminéntibus peccatórum nostrórum perículis, te mereámur protegénte éripi, te liberánte salvári: Qui vivis et regnas cum Deo Patre, in unitáte Spiritus Sancti, Deus, per ómnia sǽcula sæculórum. — Despertai vosso poder e vinde, ó Senhor, nós vos pedimos, a fim de que, dos iminentes perigos a que nos expõem nossos pecados, mereçamos ser resgatados e salvos por vós, nosso protetor e libertador. Que viveis e reinais com Deus Pai, na unidade do Espírito Santo, Deus, por todos os séculos dos séculos.
Embora as orações romanas reflitam uma tradição retórica romana muitas vezes distinta das traduções latinas da Bíblia em termos de dicção e sintaxe, essa Coleta é extraída diretamente do Salmo 79 (80), versículo 3: Excita, Dómine, poténtiam tuam et veni, ut salvos fácias nos, “Desperta, ó Senhor, o teu poder e vem para nos salvar”.
O subtítulo tradicional do Salmo 79 é “uma oração pela Igreja em tribulação”. Como explica São Roberto Belarmino, nesse versículo o salmista pede a Deus que desperte seu poder, porque este parece estar sepultado quando Ele permite que sejamos “afligidos por nossos injustos perseguidores” [2]. Na semana passada, a Igreja rezou para que Deus despertasse nossa vontade a fim de que chegássemos a um bom termo; nesta semana, ela reza para que Deus desperte seu poder a fim de proporcionar um bom início em meio a uma situação ruim.
E [a oração] não [se dirige] apenas a Deus de forma genérica, mas a Deus Filho. Enquanto a Coleta da semana passada era dirigida ao Pai, a desta semana é dirigida à segunda Pessoa da Santíssima Trindade (ver o final “Vós que viveis”). Durante o Advento, faz sentido implorar ao Filho que Ele venha, já que do ponto de vista litúrgico nós recordamos a época anterior à sua natividade e imploramos por sua chegada em Belém; essa “reencenação”, por sua vez, ajuda-nos a nos preparar para sua vinda em nossos corações e no fim dos tempos. As Coletas do Advento reforçam o aspecto “a.C.” (anterior a Cristo) do tempo litúrgico de um modo maravilhosamente sutil. Independentemente de se dirigirem ao Pai ou ao Filho, todas as Coletas dos domingos do Advento evitam a menção ao Santo Nome de Jesus, mesmo na sua conclusão. O povo judeu soube durante séculos que o Messias viria, mas ninguém sabia o seu nome até que o Arcanjo Gabriel o revelasse à Santíssima Virgem Maria. Podemos experimentar como era viver antes de Cristo, sem conhecer o seu Santo Nome.
Há outra dimensão na invocação do Filho com o verbo excita que nos remete à súplica do salmista durante um período de tribulação. Excitare é o verbo usado por São Marcos para descrever os Apóstolos acordando Jesus enquanto Ele dormia em meio à tempestade: “Jesus estava dormindo na popa, sobre um travesseiro. Acordaram-no (et excitant eum) e disseram-lhe: ‘Mestre, não te importa que pereçamos?’” (4, 38).
A cena é quase cômica, pois o questionamento dos Apóstolos tem um tom passivo-agressivo. A Coleta deste domingo é um pouco mais antecipada. Ela pede: “Despertai, Filho de Deus, e vinde! Estais adormecido, e a barca, que é a vossa Igreja, está perecendo”. A barca de São Pedro que, como disse o Papa emérito Bento XVI há alguns anos, “às vezes está tão cheia de água que chega ao ponto de quase soçobrar”. Naturalmente, temos de admitir que merecemos essa situação: a Coleta identifica como principal perigo não uma ameaça externa, mas os nossos próprios pecados. Mesmo assim, isso não torna nossa situação menos turbulenta e, por isso, nós rezamos para ser resgatados e salvos.
O fim do mundo, que permanece em nossas mentes durante o Advento, também será um período tempestuoso. No Evangelho deste domingo [3], Nosso Senhor profetiza que na terra “haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra a aflição e a angústia irão apoderar-se das nações pelo bramido do mar e das ondas. Os homens definharão de medo, na expectativa dos males que devem sobrevir a toda a terra. As próprias forças dos céus serão abaladas” (Lc 21, 25-26).
Então, naqueles momentos em que estivermos propensos ao medo e suscetíveis a duvidar do “Senhor adormecido”, não nos esqueçamos do final da história de São Marcos, quando Jesus, “despertando, repreendeu o vento e disse ao mar: ‘Silêncio! Cala-te!’. E cessou o vento e seguiu-se grande bonança. Ele disse-lhes: ‘Como sois medrosos! Ainda não tendes fé?’” (Mc 4, 39-40).
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