É uma alegria estarmos juntos em nosso programa Studiositas, para redirecionarmos nossa vida na busca da verdade — e para amá-la! Este é o sentido desta nossa formação permanente para alunos.

Hoje, meditaremos sobre o que Eric Voegelin chamou de estupidez criminosa, e a Igreja descreve como ignorância vencível — um pecado que, ironicamente, muitos de nós ignoramos. Afinal, já não nos aconteceu de contemplarmos uma verdade incômoda, e, por falta de virtude, decidirmos simplesmente fugir do assunto e ficar de braços cruzados? Pois é, uma atitude dessas pode afetar não só a nossa vida, mas a de muitas outras pessoas, tornando-se algo verdadeiramente criminoso.

Nosso caminho até aqui

Em nossos encontros passados, analisamos que a verdade não é algo independente, mas diz respeito à relação entre o objeto e a inteligência: quando ambos estão, digamos assim, “sintonizados” um com o outro — aquilo que em filosofia chamamos de adequação entre a inteligência e o ser — então, pode-se afirmar que essa inteligência está na verdade.

No caso da inteligência humana, constata-se uma consequência necessária e fundamental: ao enxergar uma verdade, precisamos “mudar de opinião”. Isso quer dizer que nos adequamos ao ser tal qual foi criado por Deus, fonte de toda a existência, e é isso que nos torna mais livres — eis o sentido desta formação permanente. Já, ao tratarmos da inteligência divina, essa relação é invertida: Deus está na verdade, porque Ele é A Verdade, e por isso as coisas precisam se adequar a Ele. As coisas são verdadeiras se estiverem adequadas à inteligência divina.

Mas o que vemos no mundo moderno é exatamente o contrário: o homem quer tomar o lugar de Deus. O homem quer se tornar, de alguma forma, o “confeccionador da verdade”.

O homem moderno age como o “piedoso” Kant. O movimento espiritual protestante, do qual Kant fazia parte, queria dar “espaço para a fé”. Para isso, Kant teorizou que a realidade exterior, por ser caótica, não pode ser conhecida por nós, e que cabe à nossa mente colocar tudo em ordem interiormente. O que é isso senão nos colocarmos no lugar de Deus?

Na abertura do livro do Gênesis está escrito: “No princípio, Deus criou o Céu e a terra. A terra estava sem forma e vazia, e sobre o abismo havia trevas, e o espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gn 1, 1-2). Ou seja, a terra estava caótica, (ṯō-hū wā-ḇō-hū, em hebraico, “no vácuo e vazia”), e “o Espírito Santo pairava” (mə-ra-ḥe-p̄eṯ), “na face das águas” — é o Espírito Santo quem traz a ordem, tirando as coisas do caos e colocando-as no cosmos. Deus é o princípio ordenador das coisas, é a mente divina quem realmente faz as coisas serem como elas são, pois Ele é a fonte do ser.

No entanto, para salvar a Física de Newton após as críticas de David Hume, o senhor Immanuel Kant, esse “piedoso protestante”, tentou resolver o problema dizendo que não sabemos como é a realidade em si mesma, mas, já que a física newtoniana “funciona”, é como se ela fosse uma explicação da realidade. Em outras palavras, seria como se uma “ordem” de nossa mente ordenasse a realidade, que, para Kant, é incompreensível em si mesma. Vejam que, imperceptivelmente, as coisas se inverteram. Assim, aquilo que com Kant, provavelmente, foi imperceptível, com Hegel começa a ser explícito, e com Marx torna-se escancarado.

O ainda jovem Marx, em sua tese doutoral A diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e Epicuro, cita a confissão de Prometeu: “Numa palavra, odeio todos os deuses” [1]. É este o ódio, cada vez mais explícito, do homem que deseja tomar o lugar de Deus. Lembremos, mais uma vez, do que Nietzsche diz em seu Also sprach Zarathustra (Assim falava Zaratustra), no capítulo chamado Nas ilhas da bem-aventurança: “se existem deuses, como poderia eu suportar não ser um deus!? Por conseguinte não há deus” [2].

É claro: se existe Deus, estamos numa situação em que há alguém que fez as coisas, que é a inteligência ordenadora de tudo. Portanto, se nós queremos alcançar a verdade, precisamos de uma atitude de submissão a Deus através dessa estrutura da realidade.

Chegamos, então, à última aula, na qual conceituamos o que é a virtude e descobrimos que as coisas vão mal porque as pessoas não possuem virtude suficiente para buscar e aceitar a verdade. Não somente a Igreja, como os grandes filósofos clássicos — Sócrates, Platão, Aristóteles — diziam que sem virtude não há como progredir na busca da verdade; pois quem estuda sem um projeto de formação pessoal, não aceitará adequar a própria vida à verdade, que, na maioria das vezes, é dolorosa.

Quem culpar pelo fenômeno nazista?

Hoje, vamos partir do livro Hitler e os alemães, do filósofo alemão Eric Voegelin [3], que apresenta uma série de conferências que ele fez na Universidade de Munique na década de 1960. Essas conferências foram importantes porque, após a morte de Hitler, em 1945, os alemães começaram a tentar digerir aquela vergonha que foi o nazismo. O mundo inteiro havia visto os filmes e as fotos dos campos de concentração, as câmaras de gás, a perseguição e o extermínio dos judeus — tudo isso promovido pelos alemães nazistas. E a pergunta que predominava era: como aquilo foi possível?

Então, surgiu uma linha historiográfica alemã que começou a teorizar tentativas de inocentar os alemães — numa espécie de scapegoat, “bode expiatório”. Voegelin não se refere à teoria do René Girard [4], mas aqui estamos apenas fazendo a referência: é a teoria segundo a qual, quando uma sociedade está em crise, sem unidade ou perspectiva, “elege-se” uma pessoa na qual aquele grupo vai descarregar todo o seu ódio, retomando esse sentido de unidade nacional.

Não foi bem isso que aconteceu com a Alemanha, mas os alemães, de forma geral, queriam descarregar toda a culpa do fenômeno nazista em cima de alguém: alguns culpavam somente Hitler, que era, de fato, um monstro; outros acusavam o ditador e seu ministro da propaganda, Goebbels, que havia conseguido ludibriar os “pobres” alemães, que foram “levados pelo nariz” por aquelas mentes do mal.

Como essa teoria era pouco convincente, pois não explicava como milhões de pessoas haviam sido enganadas durante todo aquele tempo, começaram a tentar elaborá-la ainda mais: alegando, por exemplo, que os alemães ignoravam a existência dos campos de concentração. Mas como isso seria possível, se milhões de judeus eram vistos sendo forçados a abandonar suas casas e embarcados em trens, indo para o “leste”? Além disso, também todo o discurso de teor antissemítico (de ódio aos judeus) corrente naqueles anos, no qual se dizia abertamente que os judeus deviam ser tratados como animais, que precisavam ser exterminados como uma praga. Isso não era uma novidade na época: Hitler não precisou chegar ao poder para que aquela ideia surgisse.

Quando Hitler foi preso depois do fracasso do golpe que os nazistas tentaram dar em 1924, ele escreveu na cadeia o livro Mein Kampf (Minha luta), no qual dizia claramente que era necessário acabar com os judeus, porque eles escravizavam a Alemanha; e que a Alemanha deveria liderar o planeta, o que não acontecia por culpa dos comunistas, dos judeus e da elite de Weimar. Portanto, dez anos antes de subir ao poder, o futuro ditador já explicitava todas as suas convicções sobre o que deveria ser feito para que a Alemanha retomasse o seu lugar na história.

A “estupidez criminosa”

Diante de tantos fatos alarmantes — judeus sendo perseguidos e exilados, fugindo para os Estados Unidos, para a Suíça e outros países; atrocidades como a “Noite dos Cristais”, em que muitos judeus foram mortos, e outros aprisionados, tendo suas propriedades destruídas por todo o país — como afirmar que o povo alemão não sabia “de nada” por não ter visto “fotos dos campos de concentração”? E aqui vem a importante colocação de Voegelin, afirmando que existe uma estupidez criminosa:

Esse é o ponto em que a estupidez — por prejudicar não apenas o estúpido, mas também outros seres humanos (nesse caso, milhões de seres humanos, que devido a ela doram levados à miséria e foram mortos) — tem de ser chamada, nesta circunstância social específica, estupidez criminosa. Ou seja, a estupidez não é criminosa em si, mas pode tornar-se criminosa pela circunstância social [5].

Não dá para escapar de certas responsabilidades afirmando somente “eu não sabia” quando se tinha a obrigação de saber. Existia, portanto, por parte principalmente da classe universitária intelectual da Alemanha, uma culpa que era difícil de apagar. Por mais que eles não fossem nazistas nem fizessem parte da máquina do partido, o fato é que não dá para inocentar totalmente a população alemã. E aqui Voegelin, como excelente cientista político, diz que nós precisamos evitar dois problemas: o primeiro é terceirizar a culpa (a “culpa é do Hitler”, “é dos capitalistas”, “é do Goebbels”); o segundo é coletivizá-la, dizendo que a culpa é do “povo alemão”.

Precisamos lembrar que a culpa é algo pessoal, e diante de uma tragédia dessas, é mais racional assumir a sua “parcela de culpa”. Voegelin está colocando o dedo na chaga de seu país. Essas foram conferências bastante polêmicas porque, naquela década de 1960, os alemães ainda estavam realizando aqueles julgamentos catárticos, querendo encontrar e punir culpados, colocando todos na cadeia. Mas, afinal, quem eram os culpados? No momento em que Voegelin apresentava suas reflexões sobre essas questões, os grandes julgamentos miravam — como forma de purgar a consciência nacional — nos responsáveis pelas teorias eugenistas, que tomaram conta de toda a mídia nacional alemã já nos anos pré-Terceiro Reich.

Enquanto isso, do outro lado, havia judeus e uma série de ideólogos que colocavam a culpa nos alemães coletivamente. Voegelin, no entanto, retrucou, mostrando que ele mesmo — um alemão que era professor na prestigiosa Universidade de Viena —, quando houve a Anschluss, a anexação da Áustria, logo exilou-se nos Estados Unidos. Ele havia visto que poucos estavam dispostos a ouvir o alerta de alguns alemães, avisando que o país havia caído em uma ditadura horrorosa. Então, nos Estados Unidos, o filósofo procurou estudar o que estava acontecendo politicamente para mostrar onde estava o problema.

Ao analisarmos a história, somos tentados a criar certos conceitos coletivos e terminamos afirmando, por exemplo, que “o brasileiro é assim”. Mas, na prática, não existe “o brasileiro”. Esta coletividade é apenas uma abstração, o que existe de fato são as pessoas, que desempenham o papel de agentes históricos.

As pessoas podem, sim, agir coletivamente, mas isso só ocorre quando estão irmanadas pelo ideal que move essa coletividade. Nesse sentido, os nazistas que seguiam aqueles ideais do partido e agiam daquela forma com consciência, são certamente culpados.

Mas, além dos nazistas, havia um outro grupo enfermo na sociedade alemã: eram as pessoas que não tinham virtude para enfrentar a verdade. É esse o nosso foco nesta aula do Studiositas. No entanto, não pense que estamos falando apenas do contexto alemão, pois isso se aplica a todos nós.

Temos a tendência de querer descarregar as nossas culpas em uma coletividade. Entretanto, embora façamos parte de um “nós”, quando morrermos, seremos julgados individualmente. Não podemos democratizar a culpa, ela pertence a cada indivíduo! Isso é um dos problemas do mundo moderno: queremos sempre simplificar as análises. Destacamos um trecho da história, fazemos um estudo e simplificamos as coisas num conceito abstrato, amarrando todos no mesmo “julgamento”.

As pessoas, porém, são livres, não existe determinismo; e, na sua liberdade, podem ser influenciadas por movimentos culturais. É exatamente por isso que estamos aqui: para influenciar os alunos do site num movimento cultural que ajude as pessoas a crescerem na virtude, aprendendo a buscar a verdade, a amá-la e a servi-la. Nosso objetivo é levá-lo a uma mudança de vida, que só acontecerá se você estiver buscando a verdade.

Nesta obra Hitler e os alemães, Eric Voegelin falou do conceito de “estupidez criminosa” (kriminelle dummheit). Não se trata de uma ofensa, mas de uma descrição técnica. Isso que Voegelin viu, os escolásticos já viram antes. Santo Tomás de Aquino também descreveu esse fenômeno. Inclusive, esse foi o tema da minha dissertação de mestrado em Direito Canônico: a culpabilidade e a imputabilidade da ignorância, a partir de uma regulæ iuris (“regra de lei”) que foi incorporada no corpus do Direito Canônico, num livro extra de Gregório IX, de 1234.

Essa referida regulae iuris foi retirada de um trecho de uma carta de São Gregório Magno ao Patriarca João IV, de Constantinopla (também conhecido como João, O Jejuador). A situação foi a seguinte: alguns padres latinos estavam em Constantinopla e tiveram um desentendimento com o ajudante de ordens do Patriarca, que mandou prender e chicotear esses padres. De volta a Roma, os presbíteros foram reclamar ao Papa Gregório sobre o incidente. O Pontífice então escreveu para João IV, acusando-o de ignorar os erros que estavam ocorrendo em sua própria casa. Quando o Patriarca respondeu dizendo que não tinha conhecimento daquela prisão, Gregório Magno disse: “Non est pastoris excusatio si lupus oves comedit et pastor nescit”, “não há desculpa para o pastor, se o lobo come as ovelhas e o pastor não sabe”. Ou seja, se você é pastor para proteger as ovelhas, ignorar que elas estão sofrendo um dano, é algo criminoso.

O pastor é o guarda das ovelhas, e está lá para conhecê-las e cuidá-las: “Minhas ovelhas ouvem a minha voz. Eu as conheço e elas me seguem.” (Jo 10, 27); “Eu dou minha vida pelas ovelhas” (Jo 10, 15b). Não foi isso que Nosso Senhor ensinou? Portanto, se o pastor não sabe o que está acontecendo com seu redil, ele é negligente. É um tipo de ignorância criminosa, pecaminosa.

Repetir conceitos versus Analisar a realidade

O que vemos nessas discussões que existem no meio católico, principalmente na internet? (Aqui, não estou falando de posições progressistas ou heterodoxas, mas de bons católicos, que se posicionam como “tradicionais”) Na hora em que precisam analisar a realidade, muitos deles apenas repetem algo sobre o “Magistério de sempre” ou o que “os papas sempre disseram”. Acontece, porém, que às vezes estamos falando de um fato novo, de alguma situação que jamais aconteceu.

Há acontecimentos históricos que o Magistério e os santos doutores nunca presenciaram, problemas que nunca enfrentaram. Por isso, somos nós que devemos estudar a realidade atual e suas circunstâncias! Santo Tomás de Aquino não está aqui para analisar essas situações em nosso lugar. Certamente, ele pode nos ensinar muita coisa — devemos estudar Santo Tomás de Aquino, os Santos Padres, o Magistério da Igreja e os autores espirituais.

Mas, se nós mesmos não soubermos estudar de verdade, iremos nos comportar como “moleques de internet”, que lêem uma vez o Catechismus ad Parocos, de São Pio V, ou Catecismo Romano, do Concílio de Trento, e saem vociferando sentenças de excomunhão nas redes sociais. É claro que o que o Catecismo diz é verdadeiro. Mas, muitas vezes, não estamos julgando exatamente a mesma coisa que está expressa naquele texto, nem a mesma circunstância. Por isso, precisamos estudar mais, para conseguir aplicar adequadamente os princípios gerais em situações concretas.

Como ocorre o pecado de ignorância

Não temos desculpas para escapar deste fato: existe o pecado de ignorância. Contudo, geralmente, as pessoas enxergam apenas os pecados infirmitatis, pecados de fraqueza.

Os pecados de fraqueza são aqueles que se originam de uma paixão forte e veemente. Por exemplo, o marido que, num momento de raiva, bateu na mulher; ou que, num momento de concupiscência, traiu a esposa; ou a pessoa que, num dia de stress, bebeu ou comeu mais do que devia; ou São Pedro que, naquele momento de medo, antes da Paixão de Nosso Senhor, disse: “Não conheço esse homem” (Mt 26, 74).

Geralmente, as paixões mais relevantes nesse campo são: o medo, a ira e o prazer carnal. Quando as pessoas são levadas por tais fraquezas e pecam, ainda que sejam culpadas, essa culpa pode ser atenuada pela irracionalidade dessas paixões. É como no julgamento de um “crime passional” nos tribunais: o agente é punido, mas há culpabilidade é menor quando a pessoa foi levada pelo impulso.

Quando, porém, o crime é premeditado, calculado, plenamente “volitivo” — em que a pessoa realmente quis fazer aquilo — chamamos isso de um pecado de malícia: partiu da vontade, sem influências passionais. Então, está mais ou menos claro que há o pecado de fraqueza e o pecado de malícia; o que as pessoas não enxergam é que existe também o pecado de ignorância.

Convém lembrarmos de algo fundamental: a ignorância só isenta a pessoa da culpa quando se trata do que chamamos de ignorância invencível. É aquilo que se conhece, na linguagem popular, como boa-fé: quando a pessoa fez algo cuja malícia ou imoralidade ela desconhecia.

Imaginemos um médico que não estudou direito para exercer o seu ofício, e então os pacientes tratados por ele começam todos a morrer. Não é possível dizer que essa ignorância não é criminosa! Ou ainda um padre que se senta no confessionário, tendo atrás de si dois mil anos de mestres espirituais e de doutrina católica, mas deixa tudo isso de lado em favor de seus estudos sobre Freud, para “trabalhar melhor a sexualidade e não neurotizar nem culpabilizar ninguém”. E aí um fiel chega para se confessar, mas esse padre, ao invés da absolvição, diz para a pessoa que aquilo que ela contou “não é pecado”. Ora, essa pessoa, após a morte, será condenada ao inferno, não somente porque não se arrependeu daquele pecado grave (que o padre freudiano disse que não era pecado), mas também porque optou por continuar na ignorância, justificando seus erros a partir daquilo que ouviu no confessionário.

Há certos princípios morais que não temos desculpa para ignorar! Qualquer pessoa que tenha o uso da razão sabe que deve fazer o bem e evitar o mal — seja lá qual for a “cartilha” de bem e de mal que lhe ensinaram. Todos sabem que roubar é pecado, que matar um inocente é pecado, e que existe um código mínimo de ética sexual [6].

Portanto, existem pecados que cometemos por ignorância — um exemplo é a negligência: pense em uma mãe que vê uma comida diferente, com aparência e cheiro estranhos, que ela não faz ideia do que seja, mas mesmo assim ela dá aquilo para seu filho comer, e, em instantes, ele acaba morrendo envenenado. O que ela deveria ter feito? Não dar aquilo ou, primeiro, colocar na própria boca e, vendo que não era bom, cuspir. Eis a culpa por uma ignorância negligente.

É impossível fazer o bem sem engajar a nossa inteligência

Estamos aqui buscando aprender a estudar a verdade, e a ter virtudes para abraçá-la, mas uma das coisas dolorosas que Eric Voegelin nos mostra é que uma sociedade inteira — excetuando, é claro, a minoria de desequilibrados e psicopatas que participaram diretamente daqueles crimes nazistas — pode fechar os olhos mesmo diante de fortes indícios de que há algo errado.

Alguém pode justificar: “Ah, mas o nazismo era uma ditadura total”. Convenhamos: podemos até falar isso da China atual, em que realmente você é rastreado em todos os seus passos, onde as pessoas têm um crédito social que, quando está baixo, pode impedi-las de pegar um transporte, de entrar em certos lugares, de comprar e vender — há um controle bastante grande. Na Alemanha nazista, porém, por mais que houvesse uma ditadura brutal que perseguia opositores, a maioria da população viu a ascensão de tudo aquilo e ficou paralisada, “delegando” suas responsabilidades.

Há uma grande falácia que ouvimos por aí, segundo a qual “quem obedece não peca”. Ora, os demônios obedecem a Satanás: seria aquilo uma obediência verdadeira? A pergunta aqui é como as pessoas estão usando a palavra obediência. Não é possível que façamos o bem sem que esteja engajada, de alguma forma, a nossa inteligência.

Nesta aula, estamos aprendendo várias coisas, mas se pudermos resumir tudo num ponto específico, seria este: não é possível fazer o bem sem que a nossa inteligência esteja engajada de forma um pouco mais profunda; precisamos ir além das simples sensações animais. Do contrário, não conseguiremos fazer o bem.

Mas, afinal, o que é o bem?

Recordemos que, nas aulas anteriores, vimos algo que, à primeira vista, pode parecer um pouco estranho: ninguém quer o mal em absoluto. Até mesmo Satanás quer as coisas sob a aparência de um bem: embora seja algo que redunde em um mal para ele e para todos, ele vê aquilo sob o aspecto de bem.

Na vida real, os bens entram em constante conflito entre si. Na excassez de comida, uma mãe vai comer ou dar a comida para seu filho? Tanto saciar a fome dela quanto a de seu filho são bens. É por isso que, às vezes, a sociedade cria pequenas regras para nos ajudar a lidar com esses bens conflitivos. Por exemplo, num avião, em caso de despressurização da cabine, a ordem é colocar primeiro a própria máscara para depois ajudar a pessoa ao lado. Por que isso? Ora, porque quem desmaia sem oxigênio não poderá ajudar ninguém! Precisamos colocar a máscara para ficar acordados, conscientes, e capacitados para ajudar a criança ou o idoso que podem estar ao lado. São essas pequenas regras racionais que nos ajudam na escolha de bens que estão em conflito.

Quando os bens conflitam entre si e nos recusamos a refletir, o que vai acontecer? Vamos agir por paixões animais desordenadas e não saberemos colocar esses bens em ordem, definindo o que é mais importante. Se um pai de família vê um agressor invadir sua casa, onde estão a esposa grávida e uma criança pequena, ele tem duas escolhas: i) sair correndo para preservar a sua incolumidade física, e isto é um bem; ii) ou decidir ficar e enfrentar o agressor para defender a integridade de sua esposa e filhos — outro bem —, correndo o risco até mesmo de ser morto. Então, qual dos dois ele deve escolher? Esse pai de família pode até dizer que, apesar de ter fugido, não queria o mal. Ora, mas ninguém quer o mal pelo mal. A vontade não é capaz disso. A vontade, em sentido técnico, é algo que só os espíritos têm: Deus, os seres humanos e os anjos. É aquilo que chamamos de apetite racional: escolhemos algo livremente, por enxergar naquilo um aspecto de bem.

Naquela situação, se o pai escolhesse sair correndo, abandonando sua mulher e filhos para serem linchados pelo injusto agressor, está claro que isso seria uma coisa horrível. Estaríamos diante de uma tremenda covardia se esse homem escolhesse salvar a própria pele. Mas, é preciso perceber que ele não escolheu o mal — não desejava que sua família fosse agredida —, mas, movido pelas paixões, escolheu salvar a si mesmo, e assim terminou fazendo algo mau.

Como, então, devemos fazer essas escolhas? Está claro que um macaco não poderia fazer esse tipo de escolha; é uma capacidade própria do ser humano. Mas, se não nos formarmos para sabermos fazer escolhas, acabamos nos tornando ignorantes. E coisas que teríamos obrigação de saber, para podermos proteger os outros e nossas famílias, começam a ser negligenciadas. É um tipo de ignorância pecaminosa e, às vezes, até mesmo criminosa.

Cultivar a virtude para sustentar a verdade

Voegelin está certo quando diz que existe essa estupidez criminosa; e infelizmente é essa kriminelle dummheit que reina na suposta classe letrada do nosso país — incluamos nela todos aqueles que deveriam ser líderes: os políticos, professores universitários, médicos, padres e bispos.

Estamos em uma situação similar à daquela Alemanha pré-nazista, recordando que Hitler não nasceu “do nada”. Sim, existiam os nazistas realmente engajados, que eram antissemitas e anticristãos, mas eles não tomaram o poder por um golpe de sorte do destino. Primeiro, tentaram dar um golpe de estado; depois, houve o incêndio no Reichstag (sede do parlamento alemão), e mesmo não tendo deputados suficientes, eles conseguiram uma manobra política para tomar o poder. Pode-se alegar que eles nunca foram eleitos pela maioria democrática, que foi tudo uma fraude eleitoral; que pouco depois de ser feito chanceler, Hitler aproveitou a morte do presidente para passar uma lei com a qual se perpetuou no poder e acabou, em seguida, implantando uma ditadura. Tudo isso teria acontecido sem o povo alemão chancelar, tecnicamente, o que os nazistas fizeram.

Tudo bem, mas o problema é que estamos falando de uma população de maioria cristã, de protestantes luteranos e de católicos romanos. Estamos falando de pastores e bispos que, de uma forma geral, ficaram mudos.

Vejamos, por exemplo, a figura do arcebispo de Munique, Cardeal Faulhaber [7]. Quando, em plena ditadura nazista, alguém na imprensa revelou que alguns católicos estavam rezando pela morte de Hitler, o Cardeal disse não somente que aquilo era uma calúnia, como convocou todos a rezarem pela vida do Führer.

No entanto, se pesquisarmos algo sobre as posições do cardeal, é possível perceber claramente que ele não era nazista, que não concordava com Hitler. É fácil, quase noventa anos depois, nós nos sentarmos na “cátedra da história” para julgar o Cardeal Faulhaber: “Ele devia ter tido a atitude do Bispo Von Galen, o Leão de Münster, que depois foi feito cardeal pelo Papa Pio XII, por sua bravura no enfrentamento dos nazistas”. É claro que sim, mas esse exemplo nos mostra o que acontece quando a virtude e a contemplação da verdade não andam juntas.

Pode ser que, num belo dia, encontremos uma verdade dolorosa e, se não tivermos virtude para acolhê-la em nossa vida, acabaremos fazendo bobagens monumentais. E, nesses erros cometidos, pode ser que apenas nós paguemos pelas consequências; mas, quando quem paga são os outros, isso torna-se criminoso.

Como ordenar essas situações complexas? Santo Tomás de Aquino não viveu a situação que viveu Faulhaber. No entanto, tanto o Cardeal Faulhaber como o bispo Von Galen estudaram em manuais tomistas e, ainda assim, tomaram decisões diversas ante o mesmo fato concreto. Talvez, na biografia de cada um, descubramos por que somente um conseguiu analisar a realidade e assumir um posicionamento correto.

O próprio Cardeal Ratzinger dizia que, lendo os documentos da Conferência Episcopal Alemã durante o governo nazista, só encontrou coisas rasas e inócuas. Quando houve algum bispo católico que se levantou foi porque possuía virtude para, sozinho, enfrentar aquela situação e mostrar qual era a verdade. Isso porque os documentos coletivos nascem necessariamente de um acordo.

Nossa responsabilidade concreta

Nossa responsabilidade diante dos acontecimentos históricos e da situação de nossas famílias; a minha, diante da situação das almas que me são confiadas como padre, é lidar com muitas decisões complexas. Por isso, precisamos exercitar bastante a virtude da prudência, pedirmos a Deus os dons do Espírito Santo, sobretudo o do conselho, para termos sabedoria e, abraçando docemente a cruz, conseguirmos enfrentar nossa missão. Mas como vamos fazer isso, se não temos studiositas? Precisamos dessa virtude que nos ajuda a focar, a analisar as coisas, a meditar e a enxergar a verdade, para conseguirmos ordenar tudo da forma devida.

O sábio precisa ordenar as coisas, porque senão ele não será santo. Haverá uma hora em que os bens estarão em conflito, e precisaremos ter a capacidade de ordená-los, com base naquilo que estudamos e meditamos. Quando for preciso, teremos de analisar a situação e ordenar o real de acordo com as circunstâncias; e, se aqueles princípios gerais que aprendemos não se aplicarem plenamente, precisaremos pedir sabedoria a Deus para julgarmos de forma adequada e decidirmos o que fazer.

Fica evidente, portanto, que esta jornada de estudos e formação não é um capricho. Àqueles que vêm me dizer que não tem tempo para estudar porque precisam trabalhar para sustentar sua família, respondo: “e quando o lobo estiver à porta da sua casa, você vai ter virtude para não sair correndo?” Porque só tem virtude quem tem ciência — não é possível ter virtude sem um mínimo de conhecimento para conseguir dizer: “Este bem aqui é maior do que aquele, então vou ter que ficar com este e descartar aquele”. Ou mesmo: “este bem aqui precede a minha vida, por isso terei que entregá-la”.

Quem nunca meditou, pensou, estudou, poderá dizer, como São Pedro: “É preciso obedecer a Deus antes que aos homens” (At 5, 29b)? Quantos vêm no confessionário, dizer que estão exigindo deles imoralidades no trabalho. E quando falamos que devem se negar a fazer, porque é pecado, as pessoas logo alegam que, se não fizerem, perderão o emprego. Ou seja, são pessoas que foram pegas de surpresa, porque nunca pararam para pensar que existe uma hierarquia dos bens, em que alguns são negociáveis e outros não.

Tudo isso está no Catecismo e nos documentos da Igreja. De modo que já é uma coisa boa se você aceita isso por questão de autoridade, porque quem está falando é a Tradição ininterrupta da Igreja. Mas é possível ir além: podemos gastar um pouco de tempo para enxergar que há na doutrina uma verdade, que se torna evidente para quem a medita e, finalmente, consegue contemplá-la. Não é preciso somente crer — no Catecismo, na Bíblia ou nos documentos magisteriais —, é importante também enxergar a verdade presente nos artigos de fé. E, para enxergar, precisamos aprender a estudar.

Esta foi uma aula mais motivacional para que vocês consigam estudar, porque, se não fizermos isso, muitos vão dizer: “Por que estudar Camões? Eu tenho mais o que fazer da vida”; “Para que saber filosofia?”; “Por que perder tempo com essas aulas do Padre Paulo?”... Você pode até pensar assim. Quanto a mim, prefiro concordar com Eric Voegelin e com os santos Doutores da Igreja: existe estupidez criminosa; existe ignorância culpável, isto é, o pecado da ignorância.

1ª Pergunta: Como saber que nós temos obrigação de conhecer alguma coisa?

É justamente estando cientes do fato de que existem coisas que são obrigatórias e indispensáveis para nossas vidas.

Por exemplo, uma das primeiras coisas que um médico precisa saber é o que ele tem de estudar para se tornar um bom médico. O calouro que acabou de entrar na universidade geralmente não faz ideia do que precisará aprender, mas ele vai crescendo nessa consciência e vendo o que é dever dele. Então, antes de nos colocarmos a caminho de algo que queremos ou que é a nossa obrigação, devemos fazer isto: procurar o que devemos saber. O que um padre precisa saber? O que um político precisa saber? Assim por diante.

Há também coisas mais comuns a qualquer cristão: o que eu preciso saber para salvar a minha alma? Esta é a pergunta principal do Catecismo. Não existe conhecimento mais fundamental que esse; e é pecaminoso que um cristão adulto ignore as verdades básicas da fé: que Deus é Trindade, que o Filho se encarnou e nos redimiu, que seremos julgados por Deus, que precisamos cumprir os Dez Mandamentos, que existem os sete sacramentos e assim por diante.

Existem coisas básicas e fundamentais que não podemos ignorar. E devemos estar conscientes de que quanto mais nós vemos, mais somos responsáveis. Não podemos sentar no banco de trás do carro, relaxar e delegar que outros dirijam por nós. Aqui, não se trata de dirigir o planeta, de um governo mundial. Mas, se não for a nossa geração que vai dar um rumo para o mundo, resolvendo os problemas atuais, quem vai resolvê-los? Geralmente, os maus. Eis o cerne da questão: desde Adão e Eva até Antonio Gramsci, a preocupação de Satanás é o anti-intelectualismo; ou seja, é fazer com que as pessoas não conheçam a verdade e abracem uma pseudoverdade, uma aparência de verdade.

A pseudoverdade é fundamental nessa estratégia demoníaca, porque ninguém abraça uma coisa por ser um mal em si, mas porque, intelectualmente, está vendo ali um bem. Podemos dizer que a Serpente deu aula para Eva, convencendo-a de que aquela verdade que ela tinha recebido de Adão (que, por sua vez, a tinha recebido de Deus) — “não comerás o fruto da árvore, senão morrerás” — não era realmente uma verdade. A Serpente apresenta uma mentira sob o aspecto de bem: “Ora, o fruto não é de bom aspecto, não é desejoso? Então, que mal há em comê-lo?”.

Portanto, cuidado com quem diz que não importa a inteligência, que o “importante é ter um bom coração”. Só pode existir verdadeira bondade no coração se existe verdade na inteligência. Como essa verdade foi contemplada, é outra discussão; mas, se a pessoa viu o bem e acolheu-o, é porque possui uma inteligência que lhe apresentou esse bem. É, portanto, uma grande contradição dizer que não se quer estudar, porque o importante é amar. Ora, é impossível amar sem conhecer o objeto amado.

2ª Pergunta: Sabemos que é possível conhecer a verdade, crescer na sabedoria e sermos experimentados na prudência, mas isso não acontece sem mestres. Como devemos nos orientar diante da grande escassez de mestres?

De fato, estamos vivendo uma grande orfandade de mestres. O normal na educação dos seres humanos é começarmos com uma atitude de confiança. Qualquer criança, ao ser educada, começa com uma “fé cega” naquele que a está orientando. Faz parte de quem nós somos. Quando os ideólogos de plantão querem ensinar a criança a desconfiar dos pais, eles o fazem simplesmente porque desejam que a criança confie somente neles.

Há todo um esforço da Escola de Frankfurt para criticar a família e o modo como ela impõe sua autoridade. Isso se observa desde a primeira obra publicada por Max Horkheimer e seu Instituto de Pesquisa Social: Studie über Autorität und Familie (“Estudo sobre Autoridade e Família”). Isso mostra que esses ideólogos são embusteiros e querem que as pessoas confiem na autoridade deles, mas não na dos outros. Porque todo processo educacional começa com autoridade e confiança.

Mas a confiança e a autoridade são apenas um primeiro passo do processo educacional: chega uma hora em que a pessoa é chamada a refletir sobre aquilo. Por exemplo, a Igreja diz para “honrar pai e mãe” (quarto mandamento). Então, de fato, a criança deve obedecer aos pais, mas, a partir dos sete anos de idade, qualquer criança deve desobedecer aos pais caso eles peçam algo contrário à lei de Deus. Nós temos casos de crianças mártires, que já tinham consciência da lei de Deus e, por isso, opuseram-se a uma ordem imoral de seus pais.

Estamos numa sociedade que, infelizmente, por uma série de razões históricas, “acredita muito” na desconfiança. Desde o século XVII, com a dúvida metódica de Descartes, passando pelo século XIX, com os “mestres da suspeita”, como diz Paul Ricoeur: Freud, Marx e Nietzsche; até o século XX, com a Escola de Frankfurt, todo mundo busca desenvolver uma teoria crítica.

Como é tratada a crítica, nesse sentido moderno? Funciona assim: você só é considerado inteligente se critica o que já existe, mas deve ser uma crítica voltada a uma direção ideologicamente predeterminada. É obrigatório questionar a Igreja, o cristianismo, a tradição, o capitalismo e assim por diante. No entanto, em relação ao que esses ideólogos estão nos pedindo, no mundo real, só nos cabe aceitar; nesse caso, é proibido criticar.

Alguém pode questionar: “Padre, mas não é isso que o senhor está fazendo?”. Não, estou apenas dizendo que há gente mais sábia e mais santa do que nós, os santos doutores e os filósofos antigos, que, sendo sábios e inteligentes, aprenderam a aprender. Esse é um caminho que já foi trilhado, só precisamos entrar na escola desses mestres a fim de aprender a aprender. É claro que também vamos aprender conceitos e falar de autores específicos, mas a finalidade última não é criar uma cultura filosófica ou literária, mas aprender a refletir e a enxergar a verdade.

Nós sabemos, por exemplo, que foi o pai de Mozart que o ensinou a tocar piano. Mas também é evidente que, em determinado momento, Mozart passou a tocar piano muito melhor do que seu pai. Portanto, mesmo tendo um mestre, ele não aprendeu somente aquelas lições de piano, ele aprendeu a aprender, e superou o mestre. E, enquanto pianista, Liszt superou Mozart. As pessoas superam os mestres, mas o importante é sabermos o que queremos, de fato, aprender. E se estamos querendo aprender, precisamos decidir se queremos ser uma espécie de “enciclopédia de todas as opiniões de Tomás de Aquino” ou se queremos aprender a nos formar como os santos se formaram e aprenderam a aprender. Aqui está a coisa mais importante; e, para isso, não estamos sem mestres, temos o caminho mostrado por eles e podemos trilhá-lo.

Conclusão

Encerrando este encontro mais discursivo e amplo de hoje, gostaria que todos meditassem sobre essas coisas que foram ditas; porque não se trata somente de um discurso motivacional, estamos aqui aprendendo com a história.

O maior problema da Alemanha não foi somente Hitler, mas o silêncio dos bons, que ficaram numa docilidade ignorante, sem ir atrás de enxergar as causas. Por isso, vemos que esse clima já existia em tempos pré-Hitler e foi o que possibilitou a ascensão dos nazistas ao poder. As pessoas deixaram aquilo passar e já não conseguiam perceber o preço que iriam pagar por essa omissão.

Vimos, enfim, que existe uma hierarquia dos bens, mas como poderemos ordenar esses bens se não tivermos um verdadeiro estudo da verdade? A Alemanha da primeira metade do século XX era uma sociedade cética com relação à verdade, cínica com relação à moral, e que se perdia em virtudes estéticas: por exemplo, até hoje a Alemanha se orgulha da sua pontualidade [8]. É uma sociedade que se orgulha de uma ética do compromisso com o trabalho, com a pontualidade e com o pagamento de suas contas. Mas isso tudo é o quê? Uma ética cosmética.

No meio de todos esses valores que impressionam os brasileiros que vão à Alemanha — um país pontual, em que se obedece à risca qualquer sinal de trânsito, em que se para no semáforo fechado, mesmo de madrugada — foi justamente aí que eclodiu, há menos de 100 anos, uma barbárie assassina. O motivo foi que aquela sociedade simplesmente desistiu da verdade. E, como não buscavam a verdade, acabaram substituindo a ética pela estética, ou seja, uma ética de aparências.

Vejam os filósofos alemães recentes, praticamente não há um que acredite na verdade ou que seja possível contemplá-la. A consequência disso só poderia ser a estupidez criminosa, que Voegelin, também alemão, acabou enxergando.

Trazendo para a nossa realidade, podemos já ter visto, em nossa própria família, alguém que não quis dizer uma verdade necessária para uma pessoa, com medo de que esta ficasse com raiva. É como o pai que vê o próprio filho escolhendo um caminho de autodestruição, mas que não diz isso claramente para não “prejudicar o relacionamento”. Ora, mas qual é a hierarquia dos bens? O que deve vir primeiro? Obviamente, é preferível que o filho fique com raiva desse pai, mas fique bem! É urgente, portanto, sabermos organizar essa hierarquia seguindo a verdade. Meditemos, pois, sobre todas essas noções.

Junte-se a nós!